Os advogados “paqueiros” venceram mais uma. A vítima agora foi José Batistela, agricultor em Araras (SP). Ele perdeu uma ação trabalhista absurda. Seu único, e triste, consolo é saber que centenas de produtores rurais padecem semelhante esfolação.
O achaque partiu do antigo funcionário do sítio. Quanta decepção. Descendente de italianos, citricultor com modestos 30 ha, tratava com presteza a família do seu trabalhador rural. Em troca, tomou uma bofetada.
O bom homem pagava com gosto o material escolar das crianças do empregado, tratava-lhes o dente cariado, ajudava na feira, promovia Natal junto com sua própria família. Assim aprendera no tempo de antigamente, patrões e empregados na mesma fogueira de S. João, a quermesse da padroeira, a reza do terço. A diferença social não impedia a convivência na fazenda. Bons tempos.
Veio a urbanização, e a modernidade capitalista tudo alterou. As relações trabalhistas no campo, modificadas especialmente em 1963, romperam o status quo herdado da colônia e acirraram a disputa classista. Difícil é saber quem mais perdeu nesse processo.
Ao monetarizar as relações de trabalho, incluindo a moradia, a mudança legal acabou provocando a expulsão dos trabalhadores para a cidade. O temor das indenizações trabalhistas fez esvaziar a roça.
Quem viveu naquele período acompanhou a ventania trazida, na imediata sequência, pelo Estatuto da Terra, em 1964. Anos conturbados, das reformas de base, rumo ao socialismo caboclo. Na idéia distributivista da reforma agrária, teriam preferência os parceiros e arrendatários do solo. Foi um corre-corre danado.
Milhares de famílias, produtoras rurais com relações precárias de produção, eis que labutavam em terra alheia, foram sumariamente dispensadas pelo medo da desapropriação social. Posseiros mansos, parceiros do arroz com feijão, arrendatários de pastos, gente agregada aos senhorios, rompe-se repentinamente todo um sistema socioeconômico trazido, cheio de defeitos, mas com suas virtudes, desde a economia cafeeira. Salve-se quem puder.
Atraídos pela cidade, ou expulsos da terra e da moradia, milhões engrossaram o êxodo rural. Esse transtorno gerou as terríveis deformações que permeiam hoje o labor rural. Ao se pretender transformar o trabalhador rural em operário, desconsiderou-se as particularidades do mundo rural. A causa era boa; o resultado acabou sofrível.
A jornada de trabalho, os ciclos de produção, do plantio à colheita, as distâncias, a influência da Natureza, as frustrações da seca, geada, as tempestades e o sol a pino, quanta diferença. Pouco importa. Juristas e políticos, urbanóides sempre, pretenderam unificar a legislação trabalhista. O figurino não ajustou.
Na brecha desse aperto cresceu o pior dos defeitos da advocacia brasileira: a litigância de má-fé. É ela o algoz do agricultor José Batistela. Advogados sem escrúpulos se imiscuem nos sindicatos e nos corredores forenses, qual cão-perdigueiro, caçando causas contra os produtores rurais. Tudo é, fajutamente, demandado. Hora extra, jornada in-itinere, férias, insalubridade, décimo terceiro, vale tudo. Recebia leite da fazenda? Conta como salário indireto. Ganhava casa? Bota o aluguel presumido. A malandragem reclamatória não tem limites. No final das contas, deve-se, mentirosamente, um dinheirão ao trabalhador demitido.
Esqueça a verdade. A petição não exige prova, nem documento. Basta haver a personagem central, um ex-trabalhador. Vale também sua esposa. O resto do drama tem script pronto. Certeza de sucesso no Tribunal.
Os advogados gatunos são craques em apimentar o conteúdo da reclamação trabalhista. Bota uma pitada de escravismo disfarçado, um tico de despotismo. Testemunhas “profissionais” se prontificam ao circo falso da Justiça. Chega o dia da audiência, à frente do Juiz. Este pergunta, placidamente, como quem parece saber o filme de cor: “tem acordo”?
Nunca se conheceu uma causa trabalhista vencida pelo fazendeiro. Havendo acordo, como procedeu o sitiante de Araras, dos R$ 20 mil pretendidos pelo demandante, perdeu R$ 3 mil, pagos em 6 prestações. Se quisesse recorrer, de cara a lei exige um depósito prévio, no TRT, da ordem de R$ 5 mil. A sentença na segunda instância demora de 8 a 10 anos. Quem topa?
Acordo realizado, o advogado-paqueiro vai em busca de outra presa, um coitado qualquer, trabalhador rural inculto, ou esperto, que tope lhe devolver 30 a 50% do valor da causa vencida. É tiro na certa. Dizem existir esses velhacos pelo Brasil afora, mancomunados com gente de sindicatos, esfolando os agricultores da redondeza. Um verdadeiro pesadelo judicial.
O Lupa, levantamento de dados efetuado, em 1997, pela Secretaria da Agricultura paulista, localizou 253 mil residências rurais vazias no estado. Falta moradia na cidade, sobra no campo. Ocorre que é temerário, aos proprietários, permitir seu uso, pois vira demanda judicial certa. Só mesmo no Brasil.
Os defeitos da legislação trabalhista causam um estrago no emprego rural. Isso precisa mudar. Fala-se tanto em reformas no país. Pois que se inclua essa também na agenda política: a necessidade da CLT-Rural. Com a palavra o Congresso Nacional.
A OAB renova sua direção. Poderia aproveitar, ela também, para enfrentar esse mal. Em cada município, são conhecidos os picaretas que sujam o nome da classe. Apurem isso. Os advogados corretos, a maioria, agradecem.
Xico Graziano, ex-presidente do Incra