Petrobras deve tratar acionistas brasileiros e estrangeiros com igualdade

Autor: Arnoldo Wald (*)

 

Um dos aspectos mais importantes do mercado de capitais se refere à responsabilidade das empresas pelas informações que divulgam aos investidores em geral e, especialmente, aos seus acionistas.

A revelação das informações, que os americanos denominam disclosure, constitui o pilar essencial da participação acionária, pois quem melhor investe quer saber o estado real das sociedades negociadas, a transparência das contas, as informações sobre os seus ativos e passivos e os resultados que condicionam o valor das ações no mercado. A legislação e a jurisprudência punem, em todos os países, a desinformação dos investidores.

É problema que tem sido pouco tratado no Brasil, pois, no passado, entendia-se que haveria, no caso, a responsabilidade do administrador e do controlador da empresa, mas não da própria companhia. Ocorre que o acionista confia na empresa e nela investe, presumindo a seriedade das informações a respeito do seu valor.

Recentemente, os tribunais brasileiros tiveram que enfrentar o problema, mas a legislação era do século passado, não tratando dos casos de responsabilidade da empresa e a viabilidade da class action, como verdadeira ação civil pública que protege o mercado de capitais.

Os recentes inquéritos criminais referentes a diretores e gerentes da Petrobras têm ensejado divergências quanto à posição da empresa. Seria ela somente vítima de atos ilícitos ou irregulares ou também eventualmente responsável pelas suas consequências em relação a terceiros?

Sobre o assunto manifestaram-se, com opiniões diversas, os meios jurídicos e a imprensa, após o recente acordo feito, salientando-se o editorial do jornal Valor Econômico que tratou do assunto. Efetivamente, em virtude do acordo entre a empresa e os participantes de uma ação de classe (class action), nos Estados Unidos, a questão passou a ter maior atualidade e aspectos novos, que ainda não tinham sido discutidos no passado. Se não há dúvida quanto a ilicitude da conduta de alguns dos dirigentes e prepostos da sociedade, as suas consequências no Direito Privado nem sempre foram analisadas em profundidade.

Cabe salientar, em primeiro lugar, que a empresa tem o direito de ser ressarcida pelos causadores dos danos que sofreu, mas também de todos os seus cúmplices e corresponsáveis, ou seja, daqueles que participaram da atividade criminosa, por ação ou omissão, foram cúmplices da mesma, ou permitiram que ocorresse dolosa ou culposamente.

Caberia até indagar se quem nomeou os criminosos ou tinha a obrigação legal de supervisionar a sua atividade não teria também atuado com imprudência ou negligência, ou até dolo ao permitir, quiçá incentivar ou até organizar, os desfalques que ocorreram, participando direta ou indiretamente dos seus resultados em prejuízo da companhia. É preciso lembrar que não há dúvida atualmente, em virtude das decisões judiciais, que existiu uma verdadeira quadrilha, que assaltou a empresa, em interesse próprio ou de partidos.

Não se trata de crime praticado por bandidos que penetraram no local clandestinamente, mas de crime organizado pelas próprias autoridades governamentais. Poder-se-ia até tentar fazer a distinção entre os atos do governo da época e a responsabilidade do Estado, mas a lei considera responsável pelos eventuais abusos de direito o controlador da empresa, que, nas sociedades de economia mista, é a União.

O Ministério Público e a própria Petrobras têm ingressado com ação para obter o ressarcimento dos danos sofridos, mas, por enquanto, não têm suscitado a do controlador, que é prevista tanto na Lei das Sociedades Anônimas quanto na recente legislação específica das empresas estatais.

Por outro lado, é evidente que, em relação aos terceiros e inclusive aos acionistas, a empresa é responsável objetivamente pelos atos dos seus prepostos. No passado remoto, exigia-se a prova da culpa do empregador, então chamado patrão ou comitentes, mas a jurisprudência evoluiu no sentido de considerar que, havendo ilicitude do ato do preposto, a responsabilidade da empresa devia ser presumida, e de acordo com a legislação vigente, ela é objetiva. A razão que inspirou o legislador foi a necessidade de assegurar o ressarcimento dos prejuízos causados a terceiros pelos prepostos ou representantes da empresa, que agiam no exercício das suas funções ou por ocasião da realização das mesmas.

Dúvidas foram suscitadas em relação ao direito do acionista de ser ressarcido, pois, ao adquirir a ação, teria assumido o risco ocorrido pelo empreendimento empresarial. Muitas vezes, o prejuízo é decorrente de um risco normal assumido na forma da lei e dos estatutos e, em tais casos, é evidente que a empresa não tem responsabilidade, e o administrador só a terá se tiver atuado com dolo ou culpa.

Quando, todavia, a sociedade atua fora das atividades que lhe atribuem a lei, o estatuto e a governança corporativa, os problemas se agravam e poderá surgir a responsabilidade empresarial. Situação mais grave é aquela em que o ato ilícito é da própria companhia, não podendo ser atribuído a nenhum dos prepostos isoladamente, ou a órgãos da companhia. Parece que, em tais hipóteses, a empresa deve ser responsabilizada e o acionista ressarcido.

Há, pois, uma distinção que deve ser feita entre os atos ilícitos de funcionários e aqueles cujo exercício é atribuído à própria companhia, sem prejuízo da eventual responsabilidade dos seus órgãos e agentes e de terceiros, que participaram do seu preparo e da sua divulgação. É o caso da aprovação e divulgação de balanços e de fatos relevantes, que são atos societários, cuja fidelidade depende do bom funcionamento do mercado de capitais. A informação do acionista é, na realidade, o pilar da credibilidade da sociedade e da confiança que o investidor deve ter nas ações negociadas em bolsa. É a razão pela qual todos os acionistas têm direito a uma informação fiel, exata e igual para todos. Consequentemente, a lei pune a empresa que enseja tanto a desinformação do acionista quanto a sua informação privilegiada.

Já se disse que o melhor elemento para assegurar o bom funcionamento do mercado é a informação que, como a luz do sol, ilumina e evita a obscuridade, na qual as irregularidades tentam se esconder.

No caso da Petrobras, além dos ilícitos praticados pelos seus órgãos, dirigentes e empregados, houve a desinformação do acionista que adquiriu, manteve na sua carteira ou vendeu as ações da companhia baseando-se em dados fornecidos pela empresa, que condicionavam o mercado, e que não correspondiam a verdade. O fato está provado e não enseja qualquer discussão em relação à sua ocorrência, decorrendo da variação do valor das ações na Bolsa, que sofreu enorme desvalorização no momento em que foram conhecidos os ilícitos e, aos poucos, retificados os dados dos balanços da empresa.

A ação de classe norte-americana, que ensejou o recente acordo, se fundamentou basicamente na desinformação do acionista, que é, evidentemente, responsabilidade da empresa tanto no Direito dos Estados Unidos como no nosso, e o acordo feito com os acionistas, que adquiriram as suas ações na Bolsa de Nova Iorque, se justifica plenamente para evitar uma condenação maior, que poderia e deveria normalmente advir ao ser julgada a causa. Por mais que a empresa tenha esclarecido que não reconhecia sua culpa e fazia o acordo por razões de conveniência e oportunidade, é evidente que não se trata de ato de liberalidade em favor dos fundos internacionais. Foi medida oportuna para devolver à companha a sua credibilidade, que ela precisa ter tanto no mercado internacional quanto no Brasil.

A manutenção dos direitos dos acionistas à integridade das suas ações é direito essencial do acionista, que não mais pode ser tratado, na expressão de um banqueiro alemão, como um tolo — porque nos entrega o seu dinheiro — e um arrogante — porque ainda quer receber dividendos e prestação de contas das atividades empresariais.

Estranha-se, todavia, que a empresa não tivesse cogitado de propor aos seus acionistas brasileiros um acordo no mínimo igual ao feito nos EUA.

Se todos os acionistas são iguais, não pode a empresa brasileira fazer distinções arbitrárias entre aqueles que adquiriam os seus títulos na Bolsa de Nova Iorque e os que compraram ações em São Paulo. A Constituição e a lei brasileira admitem a igualdade de brasileiros e estrangeiros, ressalvando os casos em que certos direitos podem ser exercidos por brasileiros, mas não se concebe a proteção maior dada aos direitos dos estrangeiros, como acontecia em certas colônias no passado.

Imaginar a preferência a ser dada aos acionistas americanos ou internacionais, que são a maioria dos que compraram ações nos Estados Unidos, em detrimento dos acionistas brasileiros ou dos que adquiriram suas ações na Bovespa, é inconcebível na nossa legislação. Mas é o que está acontecendo atualmente no caso da Petrobras.

Conclui-se que a Petrobras foi vítima, mas é responsável pelos seus atos, no exterior e no Brasil, não podendo dar tratamento melhor aos adquirentes de suas ações no exterior e preterindo os que as compraram no Brasil.

 

 

 

 

Autor: Arnoldo Wald  é professor advogado, especialista e parecerista na área de Arbitragem, do escritório Wald Advogados Associados. Presidente honorário da Comissão de Arbitragem da OAB e um dos organizadores, junto com os Professores Luiz Gastão Paes de Barros Leães e Modesto Carvalhosa, da obra A Responsabilidade Civil da Empresa Perante os Investidores. Contribuição à modernização e moralização do Mercado de Capitais (Ed. Quartier Latin)


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