Autor: Euro Bento Maciel Filho (*)
Presentemente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.069/2013, que tem por escopo promover alterações relevantes no tratamento penal dado ao crime de aborto.
Com efeito, além de modificar a lei atual, o referido projeto também torna crime uma prática que hoje é uma contravenção — o anúncio de meios ou métodos abortivos — e pune, como crime, quem induz, instiga ou auxilia em um aborto, com agravamento de pena para profissionais de saúde, que podem chegar a ser detidos de um a três anos.
Contudo, não bastassem o debate e a polêmica que sempre acompanham a matéria, certo é que o PL já referido traz uma nova disposição, específica para a hipótese do aborto decorrente do estupro, que, sem dúvida, acarretará grandes transtornos e injustiças. Isso porque, caso o PL seja aprovado, a prática do aborto legal por médico nos casos de gravidez decorrente de estupro dependerá da prévia comunicação do fato à autoridade policial e, também, da realização de exame de corpo de delito.
Sem dúvida, trata-se de medida desnecessária, inócua e que impõe à vítima uma dupla punição.
Ora, caso o PL seja aprovado, certo é que, não bastasse ter sido vítima de um crime bárbaro, hediondo e violento, a mulher ainda tem a sua palavra desacreditada e, mais que isso, vê-se na obrigação de expor a sua vergonha em um exame pericial absolutamente constrangedor é inútil.
Além disso, nunca é demais mencionar que, quanto maior a demora para a realização do procedimento médico abortivo, maior será o risco de vida à paciente. Ou seja, dependendo da demora estatal tanto para realizar o exame quanto para a posterior elaboração do laudo respectivo, o aborto poderá se tornar inviável na prática, assim obrigando a mulher a conviver com o fruto daquela gravidez indesejada para o resto da vida.
A questão não é “ser a favor” ou “contra” a interrupção antecipada da gravidez. A hipótese de aborto no caso de gravidez decorrente de estupro está baseada na dignidade humana, na ideia de solidariedade à vítima do estupro.
Sem dúvida alguma, a imposição de barreiras e empecilhos para o exercício daquele direito vitimiza aquela mulher mais uma vez, já que, no caso de aprovação do Projeto de Lei 5069/13, criar-se-á para a vítima o ônus desnecessário de provar que a sua gravidez realmente decorre de um estupro.
O mesmo Estado que não conseguiu dar a necessária proteção à mulher vítima do estupro pretende, agora, dificultar que aquela mesma mulher consiga extirpar de seu corpo o fruto daquela violência. Condicionar a prática do aborto nos casos de gravidez resultante de estupro à realização de exame de corpo de delito e à comunicação do fato à autoridade policial importa, sem dúvida, em uma nova violência.
É preciso preservar o direito da mulher de não querer se lembrar dos momentos de pavor que viveu. Que se combata, eficazmente, o crime de estupro, não a sua (indesejada) consequência.
Autor: Euro Bento Maciel Filho é advogado criminalista, mestre em Direto Penal pela PUC-SP e sócio do escritório Euro Filho Advogados Associados.