Planalto não quer que caso Waldomiro Diniz seja investigado

por Maurício Corrêa

Tramitam no Supremo Tribunal Federal pelo menos seis importantes mandados de segurança que vão definir uma questão de altíssima relevância jurídica para a vida republicana nacional. Ambos versam sobre o direito das minorias na formação das comissões parlamentares de inquérito. Se a segurança for deferida, um verdadeiro marco balizará daqui pra frente os limites do poder hegemônico das maiorias sobre as minorias, principalmente levando-se em conta o poder-dever que têm essas no exercício da função fiscalizadora. O instrumento indispensável para alcançar essa insuperável realização do processo democrático se materializa nas CPIs.

As impetrações tiveram como fundamento a recusa do presidente do Senado Federal na indicação de membros para a composição da CPI dos Bingos, uma vez que as lideranças partidárias da base do governo não apresentaram os nomes de seus representantes. As razões invocadas para o indeferimento se assentaram no fato de que, não havendo regra específica no Regimento Interno do Senado que autorizasse suprir a omissão, o presidente da Casa não poderia fazê-lo.

Trocando em miúdos, o que se deu foi o seguinte. Nos termos do § 3º do artigo 58 da Constituição Federal, apresentou-se à Mesa do Senado requerimento com as assinaturas correspondentes a mais de um terço de seus membros, o que legitimaria a instalação da CPI. Com isso — preenchidos os requisitos constitucionais e regimentais para impulsionar o expediente — expediram-se ofícios às lideranças dos partidos para que indicassem seus representantes. Somente a minoria ofereceu resposta fornecendo os nomes de seus senadores. A maioria, contudo, não apresentou a relação de seus integrantes. Criou-se, assim, o impasse, que ora está sob apreciação dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Não me parece que a hipótese se encaixa na simplória afirmação, como alega o Senado, de que se trata de mera questão interna corporis, que se resolve pela interpretação a ser dada a normas regimentais. Do que sei sobre o tema, penso situá-lo bem além desses parâmetros delimitativos, aliás já consolidados pela jurisprudência do STF, que não tem admitido conhecer de mandado de segurança que discute regras regimentais de outro poder. Aqui, o caso ganha contornos muito mais elevados e sérios porque envolve o respeito a princípios e dogmas constitucionais.

As CPIs têm se revelado extraordinário veículo de aperfeiçoamento democrático, sobretudo quando usadas com equilíbrio e segurança. Às vezes as desnaturam a excessiva vaidade de alguns parlamentares em busca de holofotes e as violações ao devido processo legal, particularmente as relacionadas à ampla defesa.

Entendo ser equivocada a decisão da Mesa do Senado. A prevalecer a conclusão de que o pleito da minoria não tem proteção regimental para a instalação da CPI, consumar-se-ia o absurdo de inviabilizá-la ad aeternum, mormente se, malgrado as subscrições do requerimento de sua formação ter alcançado o quorum constitucional exigido, não puder tal omissão ser suprida por outro meio.

Não se trata de deficiência de regra regimental a dar substrato ao fundamento denegatório, mas de garantias constitucionais que lhe superpõem, inerentes que são às ações das minorias parlamentares em um verdadeiro estado democrático de direito. Do contrário, a democracia do parlamento seria feita pela vontade absolutista das maiorias. Nesse caso, seria uma ficção as CPIs, porque só se constituiriam quando houvesse o edito desse Poder da ditadura parlamentar. Seria o princípio do fim desse magnífico instrumento de fiscalização dos atos do Executivo, que não quer, no caso, ser molestado, ainda que os fatos a serem apurados possam ser de extrema gravidade.

Como essas anotações não têm a pretensão de aprofundar o exame jurídico do tema, o que se espera é que, já em pauta os processos para julgamento, haja uma solução definitiva da controvérsia. Aí é bom torcer para que não sobrevenha pedido de vista que prorrogue ainda mais a solução final do caso. Lembremos os fatos que o Palácio do Planalto não deseja que sejam apurados.

Já imaginaram se o caso Waldomiro Diniz tivesse vindo à tona no governo de Fernando Henrique Cardoso ou de outro presidente anterior à era petista? Qual teria sido a reação de sua atenta bancada no Congresso Nacional? Por certo teria colocado a boca no trombone e exigido com a veemência característica de seu antigo discurso a instalação de uma CPI. E o que não teria feito com o episódio do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, que se supõe o esconderijo de dinheiro sujo para o PT? Obviamente moveria céus e terra para vê-lo esclarecido.

Waldomiro Diniz era assessor parlamentar do Gabinete Civil da Presidência da República e está sendo acusado de haver posto seus préstimos como servidor público a serviço da mediação que resultou na prorrogação de um gordo contrato entre uma empresa privada e a Caixa Econômica Federal.

Sabe-se incidentalmente do fato pela gravação de um vídeo ocorrida no Aeroporto de Brasília, com conversa de Diniz com certo agente da jogatina, em que pede dinheiro ilícito para si próprio e para campanhas eleitorais. O que teria ocorrido mais? É esse mais que o Palácio do Planalto não quer que seja investigado e que os senadores da minoria querem saber. E mais do que eles, toda a sociedade brasileira.

*Artigo publicado no jornal Correio Braziliense

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