PLC nº 132/07 rompe a espinha dorsal da Lei de Responsabilidade Fiscal

A LRF, partindo da observação da realidade financeira do Estado, dedicou especial atenção às despesas com pessoal e às despesas com o serviço da dívida, prescrevendo rígidos mecanismos de contenção.

Ocorre que a LRF foi aprovada a toque de caixa em razão das pressões internas (clamor popular quanto aos gastos imoderados) e das pressões externas vindas, principalmente, do FMI, órgão internacional de monitoramento de países devedores.

Assim é que o art. 18 da LRF conceitua o que seja despesa total com pessoal, de sorte a assegurar a aplicação uniforme desse conceito no âmbito nacional.

Em seguida, o art. 19 fixa limites máximos com as despesas com pessoal para os três entes políticos: a) União = 50% da receita corrente líquida; b) Estados e Municípios = 60% da respectiva receita corrente liquida. O § 1º desse art. 19 flexibiliza esses limites máximos, permitindo a exclusão das despesas arroladas em seus incisos I a VI.

Finalmente, o art. 20 fixa limites por Poder. Na esfera federal, cabem ao Judiciário 6%; ao Legislativo, 2,5%; ao Ministério Público, 0,6%; e os restante 49,9 % ao Executivo. Na esfera estadual, cabem 3% ao Legislativo, 6% ao Judiciário, 2% ao Ministério Público e 49% ao Executivo. Na esfera municipal, cabem 6% ao Legislativo e 54% ao Executivo.

Para fazer respeitar o limite global, que tem base no art. 169 da CF, impunha-se a fixação de limites por Poder. É simples questão de exercício da lógica elementar.

O que se pode questionar é a inadequação desses limites parciais. Em relação ao Município, por exemplo, o próprio limite global acha-se exagerado, pois ele não possui o Poder Judiciário. Seu limite apropriado seria de 52% da receita corrente líquida. Há, também, visível desproporção entre os gastos do Legislativo e do Judiciário, ante a realidade por todos conhecida.

Para dar eficácia a esses dispositivos, que prescrevem a observância de limites por Poder, o art. 23, § 3º da LRF estatuiu sanções institucionais ao ente político, na hipótese de superação desses limites por qualquer de seus Poderes, consistentes em: a) proibição de receber transferências voluntárias; b) proibição de obter garantia, direta ou indireta de outro ente; c) proibição de contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução de despesas com pessoal.

Pois bem, o PLC nº 132/07 confere seguinte redação ao citado § 3º do art. 23 da LRF:

“§ 3º Não alcançada a redução no prazo estabelecido neste artigo, e enquanto perdurar o excesso, o Poder ou órgão que ultrapassar os limites definidos no art. 20 não poderá:…”

Substituiu-se a palavra “ente” (político) pela expressão “Poder ou órgão.”

Vale dizer, o Judiciário ou o Legislativo, ou ainda o órgão ministerial, que ultrapassar o respectivo limite não poderá receber transferências voluntárias, obter garantias de outro ente político nem contratar operações de crédito.

Aparentemente, a propositura legislativa tem amparo no bom-senso, ao livrar das sanções o ente político, como um todo, por infração praticada por um de seus Poderes.

Ocorre que todas as sanções previstas no referido § 3º do art. 23 só tem aplicação, em última análise, ao Poder Executivo. Ao que saibamos, o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e o Ministério Público não recebem transferências voluntárias nem são beneficiários de avais em operações de crédito, que não podem realizar.

A contratação de dívida pública é prerrogativa apenas do Executivo, em nome do ente político ou do Estado Federal Brasileiro, em caso de dívida externa.

Esse fato, cremos, não deve ter passado despercebido pelos senhores parlamentares. Por isso, acreditamos que as torneiras das inesgotáveis fontes de receitas públicas foram reabertas para financiar as gastanças públicas.

Do contrário, a proposta legislativa estaria instituindo sanções específicas adequadas, a serem aplicadas a cada Poder que infringir o limite legal. Outra alternativa seria a de rever os percentuais de despesas máximas por Poder à luz da realidade.

Assim procedendo, remover-se-iam os obstáculos e dificuldades hoje existentes, sem necessidade de quebrar o objetivo principal da LRF de promover o equilíbrio das finanças públicas e possibilitar ampliação das despesas de capital, notadamente as de investimentos, destinadas a assegurar qualidade de vida às gerações futuras.

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Kiyoshi Harada
jurista, professor e especialista em Direito Financeiro e Tributário pela USP

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