POR QUE ME ORGULHO DE SER BRASILEIRO

Damásio de Jesus

Somos uma grande nação! E não há nessa afirmação qualquer resquício de ufanismo ingênuo. Um olhar isento, disposto a radiografar com fidelidade este “País-Continente”, seu povo e sua cultura, revelará a verdade da primeira afirmação. É com ânimo que me debruço sobre o meu País, o qual eu adoro e do qual sou defensor nato. Reconheço os seus problemas, e, apesar dos pesares e dos azares, há uma dignidade grandiosa na forma como seu povo reage, sorri e vai em frente. De cabeça erguida, olha o mundo e impõe a sua presença, contribuindo, ao longo da história e desde há muito tempo, para o engrandecimento de todas as áreas de interesse do ser humano, não só nos esportes, mas em variadas atividades.

Em relação aos esportes, não podemos nos esquecer de que somos o único País pentacampeão de futebol no mundo, modalidade a qual hoje mobiliza um grande número de pessoas e quantias jamais vistas em qualquer prática esportiva. Vemos, por isso, equipes do mundo todo exibindo atletas brasileiros, os quais transmitem a língua portuguesa, hábitos e costumes que tornam conhecida lá fora a nossa cultura. A Fórmula 1 já deu ao mundo brasileiros campeões, destacando-se Ayrton Senna, cuja mensagem de paz e de heroísmo cívico conquistou crianças de todo o planeta. Recentemente, Daiane dos Santos fez com que se criasse na ginástica artística de solo um movimento obrigatório chamado “dos Santos”. Além de Éder Jofre, nas lutas; João do Pulo, no salto; das equipes de basquete, vôlei e vôlei de praia, masculinas e femininas, vencedoras em várias oportunidades. Na figura jovem e cheia de garra de Guga, do tênis, o Brasil mostrou também o seu perfil “europeu”, em contraponto às figuras imortalizadas de Pelé e Garrincha.

A cultura artística nacional é um manancial de estilos, cheio de expressões de todos os traços marcantes de cada homem, do povo daqui e do que aqui aportou, produzindo uma arte caleidoscópica de imagens, tons e sons. De Carlos Gomes, cuja ópera O Guarani, em sua apresentação de gala no Teatro de Milão[1], fez compositor e “atores-cantores” voltarem ao palco 19 vezes para atender aos aplausos; a Tom Jobim e Vinicius de Moraes, conhecidos em todos os bons centros musicais do mundo. Isso, sem falar da sintonia da música brasileira com os grandes movimentos musicais e sociais do mundo, como foi o caso da Bossa-Nova e da Tropicália no início e no final dos anos 60, respectivamente. Ao Barroco e Neoclássico, devidamente “verde-amarelado”, juntaram-se as marcas da exuberante arte africana, produzindo uma beleza artística única, que é a arte brasileira. Não olvidando Aleijadinho, transformando sua cidade em patrimônio artístico do mundo, graças às suas esculturas em pedra-sabão; Oscar Niemayer, dando à sociedade um modelo único de cidade planejada (Brasília, Distrito Federal); sem falar do artista bauruense Aucione, cuja escultura monumental em homenagem aos imigrantes destaca-se soberba no litoral lusitano, entre tantos outros.

No campo da pesquisa científica, citando apenas a área médica contemporânea[2], é motivo de orgulho o fato de que somos o único País do hemisfério sul a participar do Projeto Genoma. Em chamada significativa de primeira página:

“O Brasil vai liderar o maior estudo com células-tronco adultas para tratamento de doenças do coração já realizado no mundo, pela quantidade de casos a serem avaliados e pelo número de instituições envolvidas”[3].

Além do mais, é bom lembrar que o Brasil é o País com maior índice de sucesso no combate à AIDS; também é possível observar uma lenta e gradual vitória da juventude diante do tabagismo, o qual mata mais do que as guerras. Por mais paradoxal que possa parecer, quando a dor humana é mais terrivelmente exposta, ela, de forma mais aguda e imperativa, impõe um grito à vida. Talvez porque viver, conforme a afirmação de Abbé Pierre, seja “tornar crível o amor; é vingar o homem, amando-o”.

No passado, entre os muitos e notáveis brasileiros que culminaram no campo jurídico, podemos citar Rui Barbosa – a “Águia de Haia”. Considerado o maior cérebro da América Latina, Rui destacou-se como político nacionalista-civilista, orador notável e jurista extraordinário. Diz a lenda que, ao ser inquirido em Haia sobre qual dos idiomas oficiais escolhera falar (francês ou inglês), ele teria respondido: “o representante do Brasil falará na língua de cada interlocutor”. Falava 11 idiomas[4].

Até mesmo no campo político – tão mal visto internamente –, o Brasil tem oferecido a outros povos exemplos de avanços significativos. Somos, hoje, a terceira maior democracia do mundo. A cada eleição, ocorre um aprimoramento. Sob o ponto de vista tecnológico, uma das mais significativas conquistas foi a total informatização pela qual passou o Tribunal Regional Eleitoral. De grande e positivo impacto foi a utilização das urnas eletrônicas nas últimas eleições, que causaram espanto nas nações mais desenvolvidas pela sua excelente atuação. Em relação à conquista da cidadania, observa-se o esforço consciente de cada brasileiro no sentido de valorizar o voto, procurando errar cada vez menos. O cidadão comum acredita nas instituições. Se elas o decepcionam, uma vez, duas vezes, isso não é motivo para querer derrubá-las. Segue lutando por elas com uma força de vontade e garra insuperáveis.

No plano internacional, nossos embaixadores estão entre os melhores do mundo, dotados de notável inteligência, prudência e discernimento.

Dirão que, até agora, ficamos no cartão de visitas do corpo social, naquilo que o País tem de bom para mostrar ao mundo. E a infra-estrutura? Como pode ser defendida?

Ora, peço que me acompanhem nesse olhar panorâmico sobre nossa realidade nacional.

Somos, hoje, mais de 180 milhões de brasileiros espalhados por 26 Estados e 1 Distrito Federal, e cada um deles apresenta suas peculiaridades. Não podemos pensar em Brasil como sendo somente, por exemplo, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Fernando de Noronha, Pantanal ou Amazônia. É tudo isso e muito mais. São quase 10 milhões de quilômetros quadrados de área continental e mais de 7 mil quilômetros de litoral. Boa rede hidrográfica, bons portos naturais. Extraordinária riqueza distribuída por uma extensão de terras cortadas pelos diferentes meridianos. Isso tem garantido uma capacidade produtiva que independe das imposições climáticas e, até mesmo, das pedológicas.

A grande São Paulo é o nosso carro-chefe, com quase 18 milhões de habitantes, cuja pujança se expressa num percentual de 34% do PIB brasileiro.

O Rio de Janeiro foi apontado, em pesquisa que envolvia 50 cidades de diferentes países, como sendo a mais solidária.

Somos a 10.ª economia do mundo. Em relação a avanço econômico, só a título de exemplo, posso afirmar que contamos, hoje, com 14 fábricas de veículos em funcionamento e outras 4 em processo de instalação, enquanto alguns países não possuem nem uma. Mais que o aspecto técnico-econômico, considere-se a feição social que isso representa, expressa na ampliação de vagas no mercado de trabalho. Além do mais, o Brasil é o segundo maior mercado mundial de jatos e helicópteros executivos. São Paulo, nossa capital, possui o maior tráfego aéreo de helicópteros do mundo.

Antenado com a nova ordem mundial que privilegia a informação[5], a informatização, a comunicação e a telecomunicação, nosso País também tem se adequado às novas exigências, podemos constatar isso quando observamos que nossas agências publicitárias, por exemplo, estão ganhando os maiores prêmios internacionais. O interesse do homem comum pela moderna modalidade de comunicação, de pensamento e de cultura é confirmado no fato de que o Brasil só perde para o Japão em tempo de navegação de “internautas”[6].

As teleconferências são, hoje, lugar-comum nas grandes universidades, empresas e centros de saber. Os cursos de ensino via satélite apresentam a mais moderna tecnologia. Há muito esforço do Governo no sentido de dotar as unidades de ensino público (fundamental, médio e superior) dos recursos da informática. Nossas produções cinematográfica e televisiva vêm ganhando o mercado internacional.

No campo da televisão, é fato consumado que as produções, principalmente as da Rede Globo, são vendidas a vários países, antes mesmo de concluir suas apresentações aqui. Não podemos nos esquecer do fato extraordinário de que a China, há mais de 15 anos, conhece o fenômeno da escravidão no Brasil por intermédio da novela A Escrava Isaura.

Na telefonia, observamos que em alguns países só existe uma companhia telefônica. Temos diversas. O mercado de telefones celulares do Brasil é o segundo maior do mundo. Na telefonia fixa, nosso País ocupa a 5.ª posição mundial em número de linhas instaladas.

Temos o maior sistema bancário do planeta, o Banco do Brasil, por exemplo, dá ao mundo aulas de segurança por meio da informática.

Além de tudo isso, o Brasil é bonito, o “Brasil do meu amor, terra de Nosso Senhor”[7]. Bonito e gentil. Quente e forte como o seu café, o melhor do mundo. O seu povo é esperto e trabalhador. Não desiste nunca. Hospitaleiro e generoso, faz com que todo estrangeiro, turista ou não, sinta vontade de aqui ficar. De braços abertos, recebe todos.

Há uma alegria inata em nossa gente. As brasileiras são grandes mulheres, grandes amigas, grandes mães e grandes profissionais, vêm ganhando espaço no mercado de trabalho sem dever nada aos homens. Sua beleza única é reconhecida no mundo inteiro: desde Carmen Miranda, que encantou os produtores norte-americanos do cinema na década de 1940, a Gisele Bündchen – a top model internacional mais bem paga do mundo, passando por Marta Rocha, a Miss Brasil que, mesmo perdendo em 1954 o título de Miss Universo, tornou-se inesquecível.

Não temos dado, porém, ao mundo apenas beleza feminina: orgulhamo-nos de uma guerreira, heroína na Itália, Anita Garibaldi, casada com Giuseppe Garibaldi (italiano que participou das lutas no Sul do País), que, depois de lutar no Brasil, foi com o marido definir a vitória na luta pela unificação italiana (1850-1870). São mulheres ternas, como a poetisa Cora Coralina; inspiradas artistas plásticas, como Anita Malfatti; inteligentes literatas, como Lygia Fagundes Telles, e mães completas, como minha avó Lili.

Mesmo não sendo dado à melancólica poesia do Romantismo, quando distante da nossa terra, sou levado a concordar com Gonçalves Dias, em Canção do Exílio:

Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá.
As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais [flores;
Nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores.
Em cismar sozinho à noite, mais prazer encontro eu lá.
Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá.

Sou brasileiro. Orgulho-me disso. Crítico ferrenho, não tenho poupado ferroadas quando merecemos, como ocorre na elaboração de leis de natureza criminal. Mas o faço por amor, não por desamor. Sou feliz ao me apresentar, seja como cerquilhense, mariliense, bauruense, arealvense ou paulistano. Sou paulista e brasileiro com muita honra. Sou cidadão, cidadão de uma grande pátria a qual em nada, em nada mesmo, perde para os grandes povos do mundo; povos que já me têm recebido e acolhido com carinho e respeito, também por isso.

[1] Nessa ocasião, Verdi, o grande compositor italiano, afirmou: “Carlos Gomes começa por onde eu acabo” (séc. XIX). A ópera conta a história do índio Peri, apaixonado pela alva e doce Ceci, filha de rico fazendeiro português, e se baseia no romance (que tem o mesmo nome) de José de Alencar. Sob o ponto de vista literário, insere-se no Romantismo, o qual, no Brasil, reporta-se aos primeiros habitantes: os índios. É, por isso, também chamado indigenismo ou indianismo.
[2] Teria muito a falar de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, sobre suas contribuições para a saúde pública, se quisesse citar cientistas de outros tempos.
[3] Jornal da Cidade, Bauru, 3 fev. 2005. p. 23.
[4] Conta-se, também, que, atendendo a uma solicitação de importante figura da Primeira República para que desse um parecer a respeito de determinada situação de litígio, o jurista elaborou um trabalho de pouco mais de uma lauda. Ao ser perguntado sobre o preço do trabalho, Rui disse que era 30 contos de réis. Após o espanto do cliente e a dificuldade em aceitar o alto valor por tão escasso texto, o jurista tranqüilamente rasgou a parte da folha onde estava a sua assinatura, entregou o texto e declarou: “Pode levar, é de graça”.
[5] “O conceito científico de que o universo se constitui de uma quantidade constante de matéria e energia evoluiu ultimamente para a aceitação de que a energia e a matéria se integram por meio de um outro elemento, a informação, que caracteriza o grau de organização do conjunto. Começamos a perceber que a inteligência é uma propriedade intrínseca do universo e que a informação, constituída de inteligência codificada, é o veículo de sua expressão. Toda célula viva, todo cristal, todo corpo detém, então, certa quantidade de informação que determina o modo de interação de sua matéria e energia, em permanente transformação. A informação é, assim, a base de organização de todas as coisas, de cada ser vivo da sociedade.” (FURTADO, Rômulo Villar. Telecomunicações – da ilusão da autonomia à realidade. Jornal do Brasil, Brasília, 2 dez. 1984. Caderno Especial, p. 4.
[6] VEJA. São Paulo: Editora Abril, 24 nov. 2004.
[7] BARROSO, Ari. Aquarela do Brasil.

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