por Roberta Maciel
A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) definiu diretrizes gerais para elaboração, pelas empresas interessadas, de Programas de Prevenção de Infrações à Ordem Econômica (PPI) por meio da recentíssima Portaria nº 14, editada em 09 de março de 2004, após procedimento de consulta pública, e vigente desde o dia 11 de março de 2004.
Trata-se, a exemplo de programas de compliance existentes em outros países, de importante iniciativa no contexto da política de prevenção das diversas formas de infração à ordem econômica previstas na Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 8.884/94).
Refere-se o PPI, essencialmente, ao conjunto de medidas que as empresas interessadas comprometer-se-ão a adotar perante a SDE para fins de cumprimento da Lei de Defesa da Concorrência. Fica, pois, a cargo destas elaborar o respectivo Programa e definir o seu conteúdo, observados os termos da referida Portaria nº 14, bem como diligenciar a sua execução após a competente aprovação da SDE.
À SDE, por seu lado, caberá verificar a conveniência e a oportunidade da aprovação do PPI apresentado pelas empresas interessadas, mediante procedimento administrativo próprio, ao final do qual poderá emitir o respectivo certificado de depósito do PPI aprovado.
Esta certificação pela SDE pode apresentar interesse para as empresas notadamente diante da crescente e efetiva atuação da SDE na repressão de condutas infrativas à ordem econômica, tal como se tem verificado recentemente. A título meramente exemplificativo dessa atuação repressiva, é oportuno registrar que, desde julho de 2003 – ocasião em que foi efetuada a primeira operação de busca e apreensão com base na Lei de Defesa da Concorrência – foram realizadas três outras operações dessa natureza pela SDE, as quais culminaram na instauração de processos administrativos.
Nesse cenário, desponta, pois, conveniente para as empresas a adoção de mecanismos próprios para se protegerem com relação a eventuais investigações pelos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC (SDE, Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda – SEAE e Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE ).
Com efeito, a certificação, pela SDE, do PPI reduz, por certo, os riscos de as empresas detentoras do certificado de depósito em causa serem objeto de investigação em processos de infração à ordem econômica pelos órgãos do SBDC, na medida em que atesta, oficialmente, o comprometimento, por parte daquelas, quanto à observância da Lei de Defesa da Concorrência.
Acresce que, nada obstante a certificação pela SDE, se as empresas certificadas forem, eventualmente, sujeitas a penalidades aplicadas pelo CADE por infração à referida Lei de Defesa da Concorrência, as mesmas poderão receber da SDE a recomendação de redução dessas penalidades.
Para tanto, a SDE procederá à análise da efetividade do PPI depositado, levando em consideração o seu cumprimento pela empresa certificada, bem como a adoção, pela mesma, de medidas apropriadas na hipótese de ocorrência de infração à ordem econômica.
De salientar que não será possível a recomendação de redução de penalidades nas hipóteses de a infração praticada (i) haver contado com a anuência ou a clara omissão de dirigentes da empresa certificada; ou (ii) não ter sido comunicada à SDE, no prazo de 30 dias a contar de seu conhecimento por aqueles.
É pertinente ressaltar, no entanto, que se trata de mera recomendação da SDE ao CADE, pelo que não há, a bem da verdade, segurança jurídica quanto à redução de penalidades em razão do simples fato de a empresa deter um certificado de depósito do PPI junto àquela Secretaria.
De qualquer sorte, em razão da natureza estreita das relações entre os órgãos do SBDC, é de se reconhecer como vantajoso esse direito de as empresas certificadas terem os seus respectivos PPIs analisados pela SDE para fins de recomendação ao CADE de redução de penalidades.
A utilidade da criação de um PPI pelas empresas para certificação junto à SDE reside, ainda, no fato de que a empresa certificada certamente terá ganhos de imagem perante o mercado, o que pode representar vantagem competitiva nomeadamente junto a clientes, fornecedores e consumidores. Dessa forma, a certificação pela SDE poderá, em última análise, agregar valor às empresas certificadas.
Estão habilitadas à certificação em causa todas as empresas interessadas, ainda que exerçam atividades sob regime de monopólio legal, desde que (i) não tenham sido condenadas pelo CADE em decorrência de infração à ordem econômica ou de violação da Lei de Defesa da Concorrência nos dois anos anteriores ao pedido de depósito do PPI na SDE, e (ii) tampouco estejam sob investigação por qualquer dos órgãos do SBDC em sede de processo administrativo.
Às empresas interessadas que atenderem às duas mencionadas condições caberá a elaboração do PPI, cuja estrutura, nos termos da referida Portaria no 14 da SDE, deverá conter essencialmente o seguinte: (i) a criação de padrões e procedimentos claros com relação à observância da legislação de defesa da concorrência por parte do quadro de funcionários; (ii) a indicação de dirigente com autoridade para coordenar e supervisionar os objetivos propostos no PPI; (iii) a indicação do grau de delegação e fiscalização, pelos dirigentes da empresa, dos poderes de negociação, bem como de efetiva prestação de contas por parte dos funcionários responsáveis pelos contatos com os agentes dos mercados onde atua a empresa; e (iv) os mecanismos de disciplina eficientes para identificação e punição dos envolvidos com reais ou potenciais infrações à ordem econômica.
Além do PPI, deverá a empresa interessada apresentar à SDE uma série de informações e documentos, com destaque para (i) o histórico da atuação junto ao SBDC de todas as empresas do grupo econômico ao qual a empresa pertença, relativo aos últimos 5 anos, nomeadamente informações sobre os atos de concentração apresentados, averiguações preliminares e processos administrativos em curso e julgados, e multas impostas pelo SBDC, e (ii) o material de apoio ao PPI (vídeos, manuais e regulamento de programas de destruição de documentos e arquivos, por exemplo).
Caberá, ainda, à empresa interessada em obter a certificação junto à SDE a contratação de serviços de auditoria externa e independente sobre matérias afetas à defesa de concorrência, que deverá ser realizada, no máximo, a cada período de dois anos.
Ademais, será necessária a apresentação à SDE de duas declarações: a primeira atestando o conhecimento acerca do PPI, firmada por parte daqueles que ocupam na empresa interessada não apenas cargos de administração, direção e gerência, mas também por parte de chefes de equipes de vendas e participantes de reuniões de associações de classe; e a segunda firmada pelas associações de classe a que eventualmente pertença a empresa interessada, no sentido de que os seus associados não praticam condutas anticoncorrenciais, tais como fixação de preço e definições de política comercial comum.
Uma vez concedida a certificação pela SDE, essa terá validade de dois anos, podendo ser renovada, sucessivamente e por iguais períodos, desde que a empresa atualize as informações prestadas à SDE.
Destaque-se, por relevante, que, na hipótese de a empresa certificada ser condenada, judicial ou administrativamente, por infração à ordem econômica de que trata a Lei de Defesa da Concorrência ou legislação correlata, poderá ser revogado pela SDE o certificado de depósito do PPI concedido. Do mesmo modo, a SDE poderá, a qualquer tempo, revogar esse certificado caso venha a constatar que a empresa certificada descumpriu qualquer das obrigações assumidas no PPI ou omitiu informação relevante quando do pedido do depósito do Programa ou, ainda, prestou-a de forma enganosa.
É assinalável, por fim, que as empresas interessadas devem ter alguns cuidados para a elaboração do PPI. Com efeito, o PPI importará, como visto, a assunção, por essas, de uma série de obrigações e responsabilidades perante a SDE.
Nesse sentido, merece especial cuidado a criação nas empresas interessadas de mecanismos capazes de assegurar a efetiva fiscalização do cumprimento das normas de defesa da concorrência pelo quadro de funcionários, nomeadamente no que respeita à prestação de contas por parte daqueles responsáveis pelos contatos com os demais agentes dos mercados de atuação da empresa.
Igual cuidado devem ter as empresas interessadas quanto à definição das competências do dirigente responsável pela coordenação e supervisão do PPI.
Além desses cuidados, será, como de natural obviedade, imprescindível o conhecimento acerca das normas de defesa da concorrência para fins de elaboração do PPI.
Desta sorte, é de todo recomendável que empresas interessadas em obter a certificação pela SDE o façam com a devida assistência legal.
Roberta Maciel é advogada do Escritório Siqueira Castro – Advogados