Povo, mero detalhe

A classe mais criativa no Brasil é, sem dúvida, a dos políticos. Ela tem uma mistura que vai ao domínio do poder, passa pela exigência da vaidade, atravessa o campo do status social, caminha pela necessidade de ser chefe de grupamento de pessoas e desemboca na savana das mordomias e dos ganhos exorbitantes, sejam quais forem os procedimentos e princípios utilizados para tal. Assim, pelo visto na imprensa, age uma parcela que, segundo o Senador Ney Suassuna, chega a alarmantes 90% do Congresso Nacional. Caso verdade, não há muito o que esperar de alteração de comportamento político e, muito menos ainda, do Executivo e Congresso Nacional. Eu ainda creio em mudança de postura. Não posso aceitar e acreditar que tudo que aconteceu nos últimos quatro anos, principalmente de um ano para cá, fique como nuvem passageira.

É preciso uma reação dos novos eleitos. Com uma população adulta composta de 74% de analfabetos funcionais (INAF), o que justifica o presidente na frente das pesquisas, se não houver esta postura de enfrentamento ao quadro instalado no cerne do poder, será mais um período de atraso a todo segmento econômico, social e cultural. Por tudo que realizou (?) e todas as propostas que tem apresentado, vamos continuar na mesma com a vitória do atual presidente. Avaliem bem, foram quatro anos de mandato e agora vem dizer que o Brasil precisa avançar no campo educacional, no campo social, no desenvolvimento do parque industrial, melhorar as estradas etc, etc. Parece algo surrealista a fala do presidente. No mínimo, justifica que nada fez. Apesar de apresentar, na ONU, metas para o milênio. Transmite, e nisso é criativo, que agora sim ele vai governar. Transfigura-se como candidato de primeiro mandato e passa à população a imagem de oposição, incorporada. Os demais são situação, mesmo que fora do poder.

A criatividade, agora, está em construir caminhos voltados à manutenção do poder, ameaçados pelos últimos acontecimentos, pela ação investigativa da imprensa. A rodovia política que estão construindo denomina-se Reforma Política. A manutenção do presidente é vital aos interesses desse grupo político. Afinal, todos participaram de um bom convívio com o Executivo.

Essa proximidade faz pensar que está correndo pelos bastidores do poder a composição e criação de uma nova força política, de um novo partido. É essa gestação que não permite uma melhor desenvoltura política de Geraldo Alckmin nestas eleições. Ele não tem a maleabilidade para compor como o presidente, assim entendem os componentes do atual grupo dominante, preocupados em se salvar e manter o seu espaço. A maior dificuldade até agora, em termos, está em encontrar uma fórmula capaz de absorver o PSDB, sem provocar crises. O PFL está fora de cogitação, fica excluído para justificar uma oposição. A eleição em São Paulo tem cheiro de andamento desse acerto. A maquiagem que está sendo montada, por algumas lideranças oposicionistas, de apoio ao Alckmin, tem muito do estilo circense.

Essa nova força política que virá com a reforma, pelos meus cálculos, não vai desocupar o poder nos próximos quinze anos, o prazo de uma nova crise. A única possibilidade que não está nos planos é uma virada, que beira o sobrenatural, da candidatura de Geraldo Alckmin. Neste caso, a reforma, quem sabe, poderá cumprir com seu papel institucional de busca de qualidade e de real credibilidade no sistema político brasileiro, interna e externamente. Quem sabe, o Congresso e o Executivo terão maior respeito da população. E o povo, nessa história toda, é um mero detalhe.

Raphael Curvo, Advogado em MS

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