Prática de devolver contra-vale como troco é abusiva

por Cristiano Pereira Carvalho

É muito comum, dentre os trabalhadores que recebem o benefício do auxílio-refeição, ao adquirir refeições e afins em restaurantes, padarias e etc, receberem como troco do pagamento realizado com esse benefício, costumeiramente chamado de “ticket” ou “vale” refeição, um “contra-vale”.

Esse benefício vem se transformando em verdadeira moeda paralela, sendo facilmente substituído pela moeda nacional quando o assunto é alimentação, em vista da grande aceitação em todo o comércio e do enorme poder de credenciamento deste segmento explorado pelas grandes empresas de benefício.

Até ai, não se verifica nenhuma prática abusiva. Afinal, para o consumidor é interessante, pois aquele benefício é bem aceito, e para o fornecedor é igualmente interessante porque atrai um mercado ao qual não teria acesso caso não aceitasse aquela moeda.

Desta forma, o consumo do valor daquela moeda paralela, se não alcançado seu valor integral, o que ocorre em 99% dos casos, deve ser restituído em forma do chamado troco, que é a devolução do valor remanescente daquela moeda em função do efetivamente consumido.

É neste momento que ocorre a abusividade. A grande maioria dos estabelecimentos comerciais, salvo raras exceções, promovem verdadeira confecção de nova moeda paralela, criando o contra-vale próprio. Ou seja, a moeda da padaria.

Quem não se viu nesta situação? Receber um contra-vale emitido pelo próprio caixa do estabelecimento? E quem não achou um contra-vale perdido na carteira, emitido por um fornecedor, o qual já nem se lembra onde está localizado?

Assim, em interpretação do artigo 39, I, do Código de Defesa do Consumidor, tal conduta de emissão de contra-vale é prática abusiva. Isso porque condiciona o consumidor de determinado produto a um outro produto, além de impor limite ao direito de utilização daquele crédito.

Na prática, o consumidor só poderá utilizar aquele troco para comprar produtos do mesmo fornecedor, característica da essência da venda casada, prática comercial abusiva.

Portanto, uma vez que o consumidor deu em pagamento do produto uma moeda corrente paralela costumeiramente aceita pelo mercado — o auxílio-alimentação da empresa X — deve este fornecedor, para não ferir os direitos do consumidor, em especial o previsto no artigo 6, II, que determina a liberdade de escolha e igualdade nas contratações, fornecer o troco, se não for possível com a mesma moeda — como outro vale da mesma empresa X — fazer essa devolução em moeda corrente nacional.

Pois, recebendo a devolução dos valores pelo mesmo sistema, não se estaria limitando a potencialidade de compra daquela moeda. Porém, se for fornecido como troco outro auxílio-refeição de empresa concorrente Y, o direito só restará ferido se esta outra moeda não possuir o mesmo poder de alcance de compra da originalmente fornecida, tal como: comércio amplamente credenciado e etc — tendo em vista a diversidade de empresas do ramo de benefícios.

Desta forma, se houver equilíbrio entre o auxílio fornecido e o auxílio recebido, estaria sendo preservado o direito do consumidor. Caso contrário, com o fornecimento de auxílio-alimentação de empresa concorrente com menor potencial de compra em virtude de inferior aceitação no mercado, igualmente estaria sendo lesado o direito do consumidor, como no caso de emissão pelo próprio caixa do contra-vale, pois limitaria o acesso à utilização daquele recurso.

Assim, pode-se entender que fornecer contra-vale é prática abusiva costumeiramente exercida, por importar em limitação do direito do consumidor, que, com o pagamento em moeda aceita pelo fornecedor recebe em devolução do preço do produto a limitação de seu direito caracterizada pelo troco na forma de moeda que não possui as mesmas características de aceitação no mercado que a fornecida em pagamento.

Tal ato, além de importar em prática abusiva por impedir a liberdade de escolha, ao impor que aquele valor remanescente somente possa ser utilizado naquele estabelecimento, culmina com a desigualdade na contratação.

Cristiano Pereira Carvalho é graduado pela FMU-SP e pós-graduando em relações de consumo pela PUC-SP.

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