Prazo do stay period de recuperações é processual e deve ser contado em dias úteis

Autor: Raul Cézar de Albuquerque (*)

 

Ainda não alçada aos Tribunais brasileiros, uma questão já causa burburinho perante as Varas de Falências e Recuperações Judiciais do País: o prazo de suspensão encartado no artigo 6º da Lei 11.101/2005 é processual ou não?

Até a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, a pergunta não tinha qualquer efeito prático, servindo apenas aos sabores e dissabores doutrinários. Porém, com redação simples, o artigo 219 do Diploma Processual fez reverberar a discussão, até então relegada ao murmúrio dos manuais.

No atual momento normativo, o fato de um prazo ser processual dita que seu cômputo dá-se apenas em dias úteis; não o ser fá-lo ser contado em dias corridos, sem o beneplácito dos feriados, dos recessos e dos demais dias inúteis. Por isso, a questão se avoluma e passa a reverberar cada vez mais alto.

Nesse contexto, surgiu a dúvida (e a querela) sobre o caráter processual (ou não) do prazo de suspensão das ações e das execuções movidas em face das empresas cujo processamento da recuperação judicial foi deferido, chamado de stay period, determinado pelo artigo 6º da Lei 11.101/2005.

De um lado, as empresas em Recuperação Judicial aduzem que o prazo é processual, porque os 180 dias determinados pelo artigo 6º, parágrafo 4º, foi estabelecido com vistas à consecução de vários prazos processuais, a saber, (i) 60 dias para a apresentação do Plano Recuperacional (artigo 53), (ii) 10 dias para apresentação de Impugnações de Crédito (artigo 8º), (iii) 30 dias para oposição de Objeções ao Plano de Recuperação Judicial (artigo 55), (iv) 150 dias para a realização da Assembleia Geral de Credores (artigo 56, parágrafo 1º, todos da Lei 11.101/2005), entre tantos outros.

Doutro lado, os credores – notadamente as instituições bancárias – alegam que 180 dias úteis sem prosseguimento das ações e execuções em face das empresas em Recuperação Judicial seria um descalabro jurídico e, além disso, aduzem que o art. 6º determina também a suspensão do curso da prescrição das ações e execuções a serem movidas em desfavor daquelas empresas, o que marcaria que aquele prazo é de direito material.

De primeira mirada, tem-se que a querela não é de fácil desate. E no debate jurídico que vem sendo formado, por certo, têm ingressado argumentos consequencialistas, o que deve ser evitado. A questão é eminentemente técnica.

Como escreveu Luiz Edson Fachin, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, “precisão e rigor não se confundem, necessariamente, no trato dos signos e conceitos jurídicos, com formalismo excessivo e despropositado.”[1] Pelo contrário, na estrada aberta por nomes como Pontes de Miranda[2] e Lourival Vilanova[3], pode-se concluir que o Direito, se não é, propõe-se a ser um sistema lógico, regido pelo modus ponens: se “p”, então “q”; se o prazo é processual, então conta-se em dias úteis.

A resposta, portanto, está antes. Antes de se opinar sobre o stay period dever ser contado em dias úteis ou não, tem-se de saber que o prazo em comento é processual ou não. Só após determinar o caráter (ou a “natureza”) deste prazo, é que se pode responder se deve ser contado em dias úteis ou corridos.

A primeira pergunta a ser feita é: o que é um prazo processual? Toda definição é tortuosa. Sem dúvida. Porém, no caso, a necessidade urge.

O prazo processual estrema-se do prazo de direito material. No domínio jurídico, ou o prazo é processual, ou é de direito material.

Se se quiser definir por exclusão, o prazo processual é todo aquele que não está atrelado ao exercício de direitos, pretensões, ações (de direito material) e exceções no campo pré-processual.[4]

No entanto, Pontes de Miranda, com sua precisão costumeira, presenteia-nos com uma definição que merece ser reprisada:

“Aos tratos de tempo para que dentro deles, a parte ou o terceiro interessado pratique ato, ou se prepare para audiência, ou comparência a ato processual, chama-se prazo processual. Aqueles são os prazos de atuação; esses, prazo de espera.”[5]

Em síntese: se o prazo, em vez de atuar no plano material dos direitos e das pretensões, serve à marcação temporal de atuações ou de períodos de espera no trato do processo, está-se diante de um prazo processual.

Tenha-se em conta que, por disposição do art. 6º, § 4º, daquela Lei, os credores hão de aguardar, a priori, 180 dias contados do deferimento do processamento da Recuperação Judicial, ou ulterior decisão do juízo recuperacional, para, só ao fim desse prazo, retomar as ações e execuções movidas em face das empresas recuperandas.

Feita a necessária delimitação técnica, cabe concluir que o prazo determinado pelo artigo 6º da Lei de Recuperação Judicial é um prazo processual de espera. Não sem razão, o prazo ditado pelo dispositivo é chamado pela doutrina privatista de stay period ou, ainda, de automatic stay.

Sendo prazo indubitavelmente processual, e, mais, prazo processual de espera, o stay period determinado pelo artigo 6º da Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005) deve ser contado em dias úteis.

 

 

 

Autor: Raul Cézar de Albuquerque  é graduando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.


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