Luiza Nagib Eluf
A sociedade patriarcal inventou que as mulheres não tinham nenhum outro valor que não fosse a beleza. Elas precisavam ser bonitas e nada mais. Mulheres não produziam riqueza, não freqüentavam cursos superiores e não se atreviam a assumir uma profissão. Deviam ser bonitas para agradar aos homens e gerar seus filhos. Depois dos filhos, o corpo se modificava, a idade chegava, a rotina do casamento deixava as mulheres desanimadas e tristes. Feias. A repressão patriarcal envelhecia as mulheres muito cedo.
Desde que o mundo ocidental mudou e a cidadania feminina passou a ser reconhecida, diminuindo consideravelmente a repressão, seria razoável supor que a beleza iria adquirir uma posição secundária na escala de prioridades no mundo feminino. Não foi o que aconteceu. Muito ao contrário, quanto mais as mulheres se emancipavam, mais os padrões de beleza (inatingíveis) se impunham nos meios de comunicação.
Há quem interprete a supervalorização da estética corporal como uma reação patriarcal à emancipação feminina. A americana Susan Faludi escreveu um livro – Backlash – defendendo essa tese. De outra parte, há quem credite o fato à indústria da beleza, que fatura milhões com a paranóia de juventude.
Seja qual for a causa, machismo, consumismo ou ambos, a verdade é que urge fazer alguma coisa para reequilibrar as exigências estéticas e colocar a beleza no seu devido lugar. A começar pelos padrões de magreza. Hoje, só é “bonita” a mulher magérrima, com ossos à vista, olheiras, palidez. Quase sem forças para ficar em pé. Enfim, a mulher que não come.
Desesperadas para atingir o peso mínimo possível, as adolescentes estão cada dia mais doentes. Consomem grande quantidade de anfetaminas para perder o apetite. Com isso, perdem também o sono, sofrem de taquicardia, ansiedade e, às vezes, têm paranóia, alucinações, derrame cerebral, convulsões, coma. Isso quando não apelam para a cocaína ou o cigarro para emagrecer! A saúde não vem ao caso…
As plásticas, por outro lado, se multiplicam. Virou moda aumentar os seios e levantar os glúteos com implantes de silicone, retirar as gorduras com lipoaspiração, diminuir e arrebitar o nariz, eliminar rugas, aumentar a barriga das pernas etc, tudo cirurgicamente. Essa idéia fixa em aperfeiçoar o corpo gerou dois graves problemas: reduziu ainda mais o já limitado universo feminino e transformou as mulheres em uma arma contra si mesmas.
As plásticas são invasivas, causam dor e apresentam risco de vida, inerente a toda cirurgia. Muitas foram as que morreram na tentativa de aperfeiçoar o corpo, desde atrizes e cantoras até a pobre empregada doméstica Rosângela Dantas que, há poucos dias, faleceu por ter injetado silicone de carro nos glúteos.
Ninguém pode ser contra a cirurgia plástica, por princípio. A estética é importante. A mulher que extirpa um seio em razão de câncer, por exemplo, tem todo o direito de vê-lo reconstituído, já que a medicina possibilita isso. O mesmo se diga de quem quebra o nariz, sofre queimaduras ou qualquer outra deformação. O que não se pode admitir é o abuso, a banalização da plástica, reforçando-se os conceitos segundos os quais a mulher “corporalmente imperfeita” não tem valor social ou pessoal. Só o que conta são seios e nádegas.
Ora, a sensualidade não depende de peitos grandes nem de traseiros arrebitados. Pensar assim é horrivelmente limitador e falso. Além disso, cada mulher tem suas características próprias, sua forma peculiar de beleza. Pasteurizar todas para que tenham as mesmas medidas e o mesmo peso, à custa de bisturis e dietas neuróticas, não faz sentido.
Isabella Rossellini, atriz e modelo que durante 12 anos emprestou seu belo rosto a uma empresa de cosméticos e ganhou uma fortuna, declarou à imprensa na semana passada estar “arrependida de ter passado tanto tempo incentivando as mulheres a permanecer jovens”.
Não, ninguém consegue continuar jovem quando a idade chega. Os remendos de silicone, botox e laser melhoram um pouco a aparência quando feitos com suavidade. No geral, prejudicam mais do que ajudam em razão dos abusos. Deformam o rosto, eliminam sua expressão. Apagam os sinais do tempo mas não trazem a juventude de volta porque beleza é, antes de tudo, viço, brilho, luz.
Cuidar da beleza sem neurose pode dar bom resultado, mas não é o que vemos em nossa sociedade, fixada na aparência. Com relação às mulheres, as exigências de beleza passaram a ser uma forma de agressão física e psicológica bastante grave. Algumas manifestações sutis de violência podem ser mais devastadoras do que os ataques físicos diretos. As imposições estéticas são violentas e estão tornando as mulheres infelizes e feias
luizaeluf@ig.com.br é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo.