Prescrição intercorrente do Novo CPC exigirá atenção dos operadores do Direito

Autor: Roberto Rodrigues de Morais (*)

 

No Novo Código de Processo Civil, a extinção da execução fiscal poderá ser decretada pela ocorrência da prescrição intercorrente, conforme explícito no inciso V do artigo 924 do novo diploma processual.

Quando lei nova de cunho processual é sancionada e começa a vigorar o que se espera é o resultado a curto e médio prazo do cumprimento dos objetivos processuais a serem alcançados com o novo texto legal.

No caso da prescrição intercorrente a lei de 2004[1], passados 12 anos, ainda não atingiu seu objetivo, que era esvaziar os escaninhos dos fóruns em todo o país, com o arquivamento dos processos com prescrição intercorrente, cuja lei deu aos juízes dos feitos executórios o poder de decretar a referida prescrição de oficio, não se justificando, assim, a continuidade de se arrastar os feitos por longos anos.

A prescrição no direito pátrio nada mais é do que o desaparecimento do direito de ação pela inércia do credor por um determinado lapso temporal. O instituto tem aplicações variadas em cada ramo do direito, desde o Direito Civil, o Penal, passando pelo Trabalhista, dentre outros, e no Tributário visa uma solução final do processo, para evitar a chamada eternização do tributo.

O processo executivo fiscal, tendo como fundamento à supremacia do interesse público sobre o privado, concede alguns privilégios a Fazenda Pública para obter a satisfação de seus créditos, exigindo do contribuinte inadimplente a prestação de sua obrigação, quer pelo pagamento imediato após a citação, quer pela penhora de bens suficientes que serão leiloados ou adjudicados.

É bem de ser ver que a prescrição intercorrente somente é verificada na hipótese de restar paralisado o feito, por mais de cinco anos, em decorrência da inércia do exequente – Fazenda Pública – em proceder às medidas necessárias à obtenção de êxito no processo executivo.

O tema já foi objeto de súmula do Superior Tribunal de Justiça, de número 314, que encerrou a discussão ao afirmar que:

“Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”.

Contudo, o moderno sistema de informações, onde se tem bancos de dados extensos vigiados” diuturnamente o cidadão, seja pelo CPF, pela movimentação bancária (ex-CPMF), pelo Bacen-JUD, Renavan, RG’s, declarações de Imposto de Renda, declarações de isentos do IR-PF, enfim, o poder público dispõe de informações abundantes, precisas, de todos os brasileiros. A alegação da Fazenda Pública – dispondo de todos os meios de acessos e instrumentos de cruzamentos de informações dos cidadãos e pessoas jurídicas – de que não encontrou o executado ou seus bens, ao longo cinco anos, é de uma irracionalidade absurda, inacreditável. A fim de evitar a protelação da execução fiscal por tempo indeterminado é que se tem a prescrição intercorrente como instrumento legal.

Assim, para a jurisprudência, quando o devedor é citado e não tem bens para penhorar, o prazo de prescrição fica suspenso por um ano. Depois desse período, voltam a correr os cinco anos até ocorrência da prescrição intercorrente, que já pode ser decreta de ofício pelo Juiz do executório, desde a vigência da lei que modificou a aplicação do instituto prescricional, impondo segurança jurídica aos litigantes.

Os tribunais logo assimilaram a lei de 2004, dispositivo como vemos na ementa colecionada[2]:

“I – Com a entrada em vigor da Lei n° 11.051/2004, que acrescentou o § 4° ao art. 40 da Lei n° 6.830/80, viabilizada está à possibilidade da decretação de ofício da prescrição intercorrente por iniciativa judicial.

II. Entretanto, nem mesmo a falta de intimação pessoal da exequente da decisão que determinou o arquivamento dos autos é motivo para modificar aquele entendimento, pois, arquivado provisoriamente o feito por mais de 15 (quinze) anos, sem o menor indício da localização de bens penhoráveis do devedor, e limitando-se a exequente em justificar suas razões em meras questões processuais, não demonstra, com fatos concretos, a viabilidade dessa execução.

III – É certo que não houve intimação da decisão de arquivamento, mas não menos certo é que, ad aventum, poderia e deveria ter apresentado, com as razões recursais, fatos concretos que pudessem levar o magistrado a quo e este Tribunal a afastar a prescrição ora questionada com regular processamento do feito. Se assim não fez, com certeza não os tem e não os apresentará em primeiro grau de jurisdição. Portanto, devolver os autos para o cumprimento dessa formalidade processual implica apenas em retardar e onerar a prestação jurisdicional.

IV. A prescrição quinquenal restou caracterizada, pois, discutindo-se créditos de 1983 e 1985, distribuída à ação em 11/10/1988, arquivada provisoriamente em 10/04/1991, foi desarquivada em 04/10/2006, com vista para a Fazenda Nacional nem 05/10/2006 (art. 25 da Lei nº 6.830/80) e sentenciada em 09/05/2007.

V – Apelação não provida”.

Na ementa a seguir vemos que[3] “A lei de execução fiscal não determina a intimação da Fazenda Nacional após a determinação do arquivamento do feito, com base no art. 40, § 2º da LEF.”, o que acelera finalização do feito executório:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. POSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. LEI N. 11.051/2004, QUE ACRESCENTOU O § 4° AO ART. 40 DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL (LEI N. 6.830/80). SUSPENSÃO DO FEITO POR 1 (UM) ANO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 314 DO STJ. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO QUE DETERMINA O ARQUIVAMENTO DO FEITO. PRAZO PRESCRICIONAL DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988: QUINQUENAL

1. A partir da vigência da Lei n. 11.051/2004, que acrescentou o § 4° ao art. 40 da Lei n. 6.830/80, viabilizou-se a decretação de ofício da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, condicionada, porém, à prévia oitiva da parte exequente para, querendo, arguir quaisquer causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Por ser norma de natureza processual, sua aplicação é admitida aos processos em curso. Precedentes do STJ.

2. “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente” (Súmula 314 do STJ).

3. A lei de execução fiscal não determina a intimação da Fazenda Nacional após a determinação do arquivamento do feito, com base no art. 40, § 2º da LEF.

4. Após a Constituição Federal de 1988 as contribuições previdenciárias, inclusive as destinadas para o financiamento da seguridade social, têm natureza de tributo. Desta forma, a elas são aplicadas as normas gerais do direito tributário, incluindo-se nestas as regras relativas à prescrição. Ocorrência da prescrição quinquenal.

5. Apelação improvida.”

Apesar da modificação legislativa ter entrado em vigor, sido aplicada imediatamente pelos tribunais, não ocorreu o esperado efeito do ponto de vista quantitativo. O que se constata foi um número tímido de processos encerrados pela prescrição intercorrente, uma vez ainda alto o número de feitos arquivados provisoriamente, sem ter recebido a aplicação prática da lei in comento não por resistência dos operadores do direito, mas por vários motivos, principalmente pela carência de funcionários no judiciário em todo o país, o que vem impedindo o manuseio e a movimentação dos processos destinatários da citada norma.

Fala-se muito em lentidão da Justiça e pouco se tem feito para mudar a situação. Se por um lado os procedimentos eletrônicos agilizam a tramitação dos processos por outro a ultrapassada legislação processual – CPC de 1973, quando não havia informatização nem democracia neste país – emperra os andamento dos feitos, além da carência de funcionários que, em muitos casos, não há nem reposições de funcionários para preenchimento das vagas dos que se aposentam e não há criação de novos postos para atender o aumento da demanda pela prestação jurisdicional.

Não se levam em conta o aumento do acesso ao Judiciário pelos cidadãos, por dois motivos óbvios:

1) A Constituição Cidadã, que fez 25 anos no corrente 2014, foi assimilada pelo destinatário da carta, o povo;

2) As facilidades de acesso ao judiciário, benefício alcançado com a democratização da justiça efetivado pela implantação e funcionamento dos Juizados de Pequenas Causas;

Decorrente desse aumento do número de ações torna-se mais acentua a falta de estrutura material e de pessoal nos órgãos do Judiciário nacional, principalmente nos Juizados Especiais, onde a carência de pessoal é mais visível. Não se preparou para receber tantas ações, mormente as de cunho previdenciário.

Por outro lado, há também as causas onde não é necessária a utilização do judiciário. É inconcebível, por exemplo, a utilização de toda a máquina judiciária para se cobrar anuidades de Conselhos de Profissões Regulamentadas, composto de vários órgãos, dada o alargamento de profissões que atingiram tal status.  A quantidade de execuções fiscais distribuídas por tais órgãos corporativos alcança números absurdos e injustificáveis à utilização da cobrança judicial para tentativa de se reaver valores ínfimos.

Veja-se que nem se utilizam dos juizados especiais, para causas inferiores a 60 salários mínimos, mas a própria Justiça Federal que – abarrotada de processos, com varas especializadas em execuções fiscais comportando mais de 40 mil processos cada, a maioria oriundas de anuidades de vários conselhos de classe – essa torna inoperante nas cobranças que realmente lhe compete processar, tais como impostos e contribuições, além das previdenciárias.

Contrapondo a incoerência dos conselhos classistas, a Fazenda Nacional não executa valores inferiores a R$20.000,00, por cada débito, justamente por economia orçamentária (baixa o custo executório) como também visando deixar o Judiciário cuidar das execuções que realmente lhe interessam.

O problema da inadimplência das anuidades dos conselhos decorre mais da carência de postos de trabalho no mercado formal, para os profissionais a eles vinculados, do que inércia dos devedores em quitar suas obrigações em si. O exemplo dos engenheiros, contra os quais atualmente quase não se vê distribuição de execuções fiscais pelos Creas em cada estado, pois os inscritos nos seus quadros trataram de quitar suas dívidas para voltarem ao mercado de trabalho, uma vez que o seu setor econômico está em ebulição.

Faz-se necessário mudar e modernizar a legislação para excluir do Judiciário Federal a competência para cobrar dos inadimplentes dos conselhos profissionais, pois o Judiciário é caro para se tornar cobrador de anuidades em atraso. Por sua vez, os órgãos de classe devem ser reformulados, para que se preocupem mais com a capacitação da mão de obra de que o mercado esteja necessitando do que priorizar execuções fiscais visando cobrar anuidades, cujos atrasos são oriundos de desemprego de seus filiados. Porque não se utilizar dos Tribunais de Arbitragem para resolução desses “pequenos” conflitos corporativos?

Dest’arte, por ser o CTN de 1966 e a Lei de Execuções Fiscais de 1980, com o tempo foi sedimentando a jurisprudência, podendo os operadores do direito tirar lições preciosas dos julgados da Corte Superior sobre o tema, inclusive quanto aos honorários de sucumbência, de interesse das partes. Um julgado onde as controvérsias foram bastante debatidas, e a posição da Corte pacificada[4], é interessante ser visto e apreendido, verbis:

“1. O artigo 40 da Lei de Execução Fiscal deve ser interpretado harmonicamente com o disposto no artigo 174 do CTN, que deve prevalecer em caso de colidência entre as referidas leis. Isto porque é princípio de Direito Público que a prescrição e a decadência tributárias são matérias reservadas à lei complementar, segundo prescreve o artigo 146, III, “b” da CF.

2. A mera prolação do despacho que ordena a citação do executado não produz, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830⁄80, em combinação com o art. 219, § 4º, do CPC e com o art. 174 e seu parágrafo único do CTN.

3. Após o decurso de determinado tempo, sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes, uma vez que afronta os princípios informadores do sistema tributário a prescrição indefinida.

4. Paralisado o processo por mais de 5 (cinco) anos impõe-se o reconhecimento da prescrição, máxime quando há pedido de curador especial nomeado no caso de a parte executada ter sido citada por edital. Precedentes: REsp 623.432 – MG, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJ de 19 de setembro de 2005, Primeira Turma, DJ de 22 de agosto de 2005; REsp 575.073 – RO, Relator Ministro CASTRO MEIRA; Segunda Turma, DJ de 01º de julho de 2005; REsp 418.160 – RO, Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, Segunda Turma, DJ de 19 de outubro de 2004.

5. O curador especial age em juízo como patrono sui generis do réu revel citado por edital, podendo pleitear a decretação da prescrição intercorrente (precedentes: AgRg no REsp 710.449 – MG, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, DJ de 29 de agosto de 2005; REsp 755.611 – MG, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI; REsp 9.961 – SP, Relator Ministro ATHOS CARNEIRO, Quarta Turma, DJ de 02 de dezembro de 1991).

6. A fixação dos honorários advocatícios decorre da propositura do processo. Em consequência, rege essa sucumbência a lei vigente à data da instauração da ação. Por isto a Medida Provisória nº 2.164-40⁄2001 só pode ser aplicável aos processos iniciados após a sua vigência.

7. A Medida Provisória 2.164-40⁄2001, por regular normas de espécie instrumental material, com reflexos na esfera patrimonial das partes, não incide nos processos já iniciados antes de sua vigência (27⁄07⁄2001), em respeito ao ideal de segurança jurídica.

8. In casu, evidencia-se que o presente executivo fiscal foi ajuizado em 27⁄112⁄1998, antes, portanto, à edição da referida norma, pelo que impõe-se reconhecer a sua inaplicabilidade (precedente: EREsp n.º 559.959 – SC, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Seção, DJ de 21 de março de 2005).

9. Os honorários advocatícios, nas ações condenatórias em que for vencida a Fazenda Pública, devem ser fixados à luz do § 4º do CPC que dispõe, verbis: “Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.”

10. Consequentemente, a conjugação com o § 3.º, do art. 20, do CPC, é servil para a aferição equitativa do juiz, consoante às alíneas a, b e c do dispositivo legal.

11. Pretendesse a lei que se aplicasse à Fazenda Pública a norma do § 3º do art. 20 do CPC, não haveria razão para a lex specialis consubstanciada no § 4º do mesmo dispositivo.

12. Destarte, vencida a Fazenda Pública, a fixação dos honorários não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo ser adotado como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC (Precedentes: AgRg no AG 623.659⁄RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 06.06.2005; AgRg no REsp 592.430⁄MG, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 29.11.2004; e AgRg no REsp 587.499⁄DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 10.05.2004).

13. A revisão do critério adotado pela Corte de origem, por equidade, para a fixação dos honorários, encontra óbice na Súmula 07 do STJ. No mesmo sentido, o entendimento sumulado do Pretório Excelso: “Salvo limite legal, a fixação de honorários de advogado, em complemento da condenação, depende das circunstâncias da causa, não dando lugar a recurso extraordinário.” (Súmula 389⁄STF). Precedentes da Corte: REsp 779.524⁄DF, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ 06.04.2006; REsp 726.442⁄RJ, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 06.03.2006; AgRg nos EDcl no REsp 724.092⁄PR, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ 01.02.2006.”

Urge promover um mutirão no Judiciário, em todos os seus níveis, para que se eliminem processos alcançados pela prescrição intercorrente, uma vez que a prescrição pode ser reconhecida de ofício em todos os tipos de execução, tanto as federais, estaduais ou municipais, inclusive as de autarquias.

Como consequência, os eficientes e zelosos funcionários do Judiciário, assim como os Juízes, certamente, com menos processos em tramitação, terão condições de movimentarem e despacharem os feitos remanescentes num menor lapso de tempo, obtendo a celeridade processual – tão almejada pela sociedade – que mudará o conceito, de lentidão, para prontidão do judiciário.

É preciso que os operadores do direito fiquem atentos aos processos com prescrição intercorrente para requerem seus arquivamentos, utilizando-se da previsão legal constante do Inciso V do art. 924 do NPC, colaborando assim para com a celeridade do Judiciário.

[1] Lei 11.051/2004

[2] AC 2007.01.00.052722-6/MT, TRF-1

[3] AC 1998.33.00.007070-4/BA

[4] AgRg no Recurso Especial 838.610 – MG

 

 

 

 

Autor: Roberto Rodrigues de Morais é especialista em Direito Tributário.


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