Marcelo Câmara Rasslan*
Nos últimos dias, a reforma previdenciária e o Poder Judiciário tomaram amplo espaço na mídia. A reforma previdenciária, sempre festejada como a salvação da Pátria. O Poder Judiciário, sempre malhado, taxado de ineficiente, moroso, e culpado pelos males que a Previdência acumulou ao longo dos anos.
Poucas verdades, muitas mentiras.
Quanto à reforma previdenciária, indiscutível que ela é necessária. Esta é uma verdade. Mas a mentira começa a tomar forma quando se culpam os servidores públicos e os integrantes de carreiras de Estado pelo déficit previdenciário. Aliás, o próprio déficit é contestado e não pelos servidores, promotores, procuradores e magistrados, mas por expoentes do próprio partido no governo.
Como tais expoentes falam aquilo que os dirigentes do partido não desejam ouvir, foi aberto processo para expulsá-los do partido. É a notícia de todos os dias. E o povo não percebe que nada existe de democrático nem de legal nesta ação partidária, porque a propaganda tacha aquelas pessoas de radicais. Afinal, radical é quem fala o que pensa, ou quem quer impedir alguém de falar o que pensa?
Voltemos, porém, à culpa pelo déficit que o governo afirma existir na Previdência Pública.
A verdade é que para cada R$ 100,00 de salário recebido, o funcionário público (e também o promotor, o procurador e o magistrado) recolhia e recolhe R$ 11,00 para os cofres da Previdência. Sem limitação salarial, ou seja, 11% sobre o TOTAL de seus ganhos. Em contrapartida, o governo que é patrão, da mesma forma que o patrão particular, deveria e deve recolher outro tanto aos cofres da Previdência, e é ele, governo, o encarregado de administrar a Previdência.
Detalhe: as notícias dão conta que o governo NÃO recolheu o que devia, e também não explica onde foi parar o dinheiro que os funcionários recolheram, uma vez que é ele quem agora diz que NÃO HÁ dinheiro para pagar os benefícios. ESTA É A VERDADE.
Mentira, é apontar o dedo para os funcionários públicos e integrantes de carreira de Estado e indicá-los como culpados disto. Notadamente no tocante aos magistrados. Poucos sabem, infelizmente, que dos vencimentos dos juizes são descontados, religiosa e mensalmente, os 11% referentes à Previdência, mas eles recebem seus vencimentos, mesmo quando aposentados, diretamente das verbas do próprio Poder Judiciário.
Em palavras simples: o desconto é realizado todos os meses e remetido para a Previdência, que nunca, em tempo algum, o devolveu de qualquer forma para os magistrados, eis que não é ela, Previdência, quem efetua o pagamento dos magistrados aposentados, mas o próprio Poder Judiciário.
A Previdência lucra, escandalosamente, com as contribuições dos magistrados, aos quais ABSOLUTAMENTE NADA DEVOLVE. É isto que precisava reformar.
Para que a mentira se torne verdade, fazem comparações absurdas, como de que um juiz deve ter o mesmo tratamento que um cortador de cana, que não é justo alguns receberem R$ 250,00 e outros receberem R$ 17.000,00, e que os magistrados se sentem como pessoas especiais em relação às demais.
Comparação por comparação — só para mostrar que a mentira pode assim virar verdade –, é bom lembrar que tanto o magistrado quanto o cortador de cana mereciam e merecem a mesma segurança que o filho do presidente da República teve e tem, e que, infelizmente, não foi capaz de evitar a morte de um oficial do Exército. Ou será que o presidente, antes simples operário, agora é especial? Deixou de ser igual, companheiro?
É justo recolher (poupar) sobre R$ 250,00 e receber menos que isto? Então porque não é justo recolher sobre R$ 10.000,00 e receber, depois, o mesmo?
Falam, ainda, que todos os magistrados ganham salários maiores que o salário do presidente. Mas não lembram que os magistrados têm que comprar com seus vencimentos a própria casa ou pagar aluguel, enquanto o presidente tem um palácio para morar de graça. Os magistrados compram com seus vencimentos a própria comida, enquanto tudo o que o presidente consome lhe é dado, e isto não é noticiado. Os magistrados têm gastos com transportes, energia elétrica, consumo de água, etc. E o presidente tem tudo isto de graça, mas não vira notícia.
Por fim, os magistrados são aposentados, sim, com salários integrais, depois de trabalharem e terem descontado 11% de tudo quanto ganharam por trinta e cinco anos de trabalho, enquanto o presidente, depois de quatro anos apenas, — e sem qualquer desconto previdenciário ao que se saiba –, deixa o mandato e continua a receber os vencimentos do cargo, a ter segurança particular, etc. E a grande imprensa não lembra disto.
Por tudo isto se vê que, realmente, os magistrados são pessoas diferentes, e devem ser tratadas como o partido no governo os tem tratado: de forma especialmente mesquinha, covarde, rasteira, desumana, cruel, impensada, inconseqüente e irresponsável.
A História restabelecerá a Justiça.
Porque muitos que pensaram ser DO governo, só perceberam que traíram todas as esperanças quando viram outros NO governo. Quando já era tarde demais.
Dirão, entretanto, como já o fez um ex-presidente, hoje senador, para justificar seus atos, que “governo é igual violino: toma-se com a esquerda, e toca-se com a direita”.
O Poder Judiciário não esconde suas mazelas. Tem procurado cumprir, dia após dia, a sua missão. Mas conta com o desprezo daqueles que sequer se preocupam em cumprir com os próprios deveres. Não só em termos previdenciários. Veja-se que o ministro da Justiça, ao abrir o I Seminário Estadual Contra o Crime Organizado, tornou a criticar o Poder Judiciário e afirmou que a morosidade da Justiça é um entrave ao combate à violência.
Gozado. Ele não explicou a que se deve a superlotação das cadeias e presídios, todos os dias noticiada na grande imprensa. As pessoas só ficam presas por ordem judicial. E se as cadeias estão superlotadas, é porque o Judiciário mandou muita gente para lá. Nem se fale dos mais de 200.000 (duzentos mil) mandados de prisão já expedidos e ainda não cumpridos.
O que se precisa, então, é de agilidade na construção de cadeias e presídios, já que não se cuidou da construção de boas escolas, como se pode ver das filas quilométricas em época de matrícula.
Quantos presídios já construiu o governo federal? Nenhum. Nem para prender uma única pessoa. Veja-se o caso do Fernandinho Beira-Mar, este sim, tratado de forma especial, com garantia de transporte aéreo interestadual. Transporte tão intenso que deve ganhar um programa de milhagem governamental.
Mas ninguém vê estas verdades. Só as mentiras.
Mentiras caprichadas, comparáveis com propaganda de cigarro. Com elas, a gente fica encantado, e nelas acredita, apesar de saber que vai ser prejudicado ou morrer por causa disto.
Triste pátria brasileira!
Ser enganada é ser ultrajada.
Quem sabe teu povo te fará Justiça, antes que até esta acabe!
Porque todo ultraje, a qualquer direito, sempre foi punido de forma exemplar, nos termos da Lei, pelo Poder Judiciário, que jamais se omitiu quando para isto procurado. Nem será diferente, nestes dias em que a mentira é glorificada para que a verdade seja encoberta.
Marcelo Câmara Rasslan é juiz de Direito do Mato Grosso do Sul desde 1988.