Princípio da igualdade em acordo de leniência consolida senso de justiça

Autor:  Gustavo Marinho de Carvalho (*)

 

O Direito Administrativo tem por objetivo proteger os administrados contra os abusos e arbitrariedades cometidos pela Administração Pública, e não, por óbvio, subjugar os administrados. A garantia dos cidadãos, portanto, é ovalor que norteia o Direito Administrativo.

Dentre os inúmeros instrumentos jurídicos voltados à proteção dos cidadãos, destaca-se, por sua atualidade, os precedentes administrativos [1].

Os precedentes administrativos são um dos novos instrumentos à disposição dos administrados contra os desmandos da Administração Pública, num dos momentos mais propícios para o cometimento de ilegalidades: o da aplicação do Direito.

Em verdade, notamos que está cada vez mais nas mãos do aplicador do Direito a missão de revelar o sentido efetivo das normas jurídicas, o que, de certa forma, debilita as garantias dos cidadãos, já que o administrado fica, em inúmeras ocasiões, à mercê da capacidade e dos humores destes aplicadores. Daí a importância de que a isonomia seja respeitada também no momento de aplicação da lei (= igualdade na aplicação da lei), sob pena de passarmos a viver sob a máxima distorcida do rule of men, not of law, ao invés do consagrado rule of law, not of men.

Em suma, os precedentes administrativos estabelecem que casos iguais devem ter a mesma resposta da Administração Pública. Ou seja, a Administração Pública, quando estiver diante de situações fáticas similares — e desde que as regras incidentes continuem as mesmas —, deve manter acoerência e a uniformidade de suas atuações e dar à situação atual a mesma solução dada à situação anterior.

Os precedentes administrativos exigem coerência da Administração Pública nas soluções dadas a situações similares, o que prestigia não apenas o princípio da igualdade, mas outros relevantes princípios jurídicos:segurança jurídica, boa-fé, eficiência.

Ora, é inegável que os precedentes administrativos também devem ser utilizados quando se está a aplicar as regras relativas aos acordos de leniência, haja vista que as autoridades competentes para celebrá-lo o fazem no exercício de função administrativa — inclusive o Ministério Público.

Como se sabe, ultimamente têm-se difundido técnicas especiais de investigação, consistentes em acordos de colaboração ou leniência (por exemplo Lei 12.846/2013), em que o investigado contribui para solucionar o caso através de depoimentos e da apresentação espontânea de provas. Como contrapartida à colaboração, o interessado obtém a supressão ou a redução dos impactos das sanções aplicáveis.

É justamente no momento em que se fixa a contrapartida à colaboração que o instituto dos precedentes administrativos ganha maior destaque.

Não seria aceitável, do ponto de vista jurídico e social, que a contrapartida oferecida a interessados que estivessem inseridos em situações similaresfosse diferente. Isto porque, poder-se-ia estar beneficiando determinado interessado ou, ao revés, perseguindo outro.

Assim, por exemplo, estabelecido o parâmetro de redução da multa pecuniária (artigo 16, § 2º, inciso II, da Lei 12.846/2013) a determinado interessado, o mesmo parâmetro deverá ser observado em acordos futuros e que envolvam situações similares.

Por fim, cumpre registrar que este verdadeiro dever de aplicação in concretodo princípio da igualdade em acordos de leniência garantirá às autoridades competentes maior credibilidade e robustecerá o senso de justiça nas pessoas, tornando-as mais crédulas na veracidade do conteúdo dos acordos celebrados.

 

 

Autor:  Gustavo Marinho de Carvalho é mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP, Diretor Financeiro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (IBEJI) e sócio do escritório Marinho e Valim Advogados.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento