Alexandre de Moraes
As provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis. É o que garante o art. 5º, LVI, da Constituição Federal, entendendo-as como aquelas colhidas em infringência às normas do direito material, configurando-se importante garantia em relação à ação persecutória do Estado.
A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo deriva da posição preferente dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para obtenção de qualquer prova. Porém, em defesa da probidade na administração, a inadmissibilidade das provas ilícitas, por ferimento às inviolabilidade constitucionais, deve ser compatibilizada aos demais princípios constitucionais, entre eles, o princípio da moralidade e publicidade, consagrados no caput do art. 37 da Carta Magna.
Assim, exige-se ao administrador, no exercício de sua função pública, fiel cumprimento aos princípios da administração e, em especial à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devendo respeitos os princípios éticos de razoabilidade e justiça.
Como lembrando pelo Ministro Marco Aurélio, ao analisar o princípio da moralidade, “o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”.1
O dever de “mostrar honestidade” decorre do princípio da publicidade, pelo qual todos os atos públicos devem ser de conhecimento geral, para que a sociedade possa fiscalizá-los.
Dessa forma, a conjugação dos princípios da moralidade e publicidade impede que o agente público utilize-se das inviolabilidade a intimidade e vida privada para prática de atividades ilícitas, pois, na interpretação das diversas normas constitucionais, deve ser concedido o sentido que assegure sua maior eficácia, sendo absolutamente vedada a interpretação que diminua sua finalidade.
Portanto, será permitida a utilização de gravações clandestinas, realizadas sem o conhecimento do agente público, que comprovem sua participação, no exercício de sua função, na prática de atos ilícitos (por ex: concussão, tráfico de influência, ato de improbidade administrativa), não lhe sendo possível alegar as inviolabilidades a intimidade ou vida privada no trato da res pública; pois, na administração pública não vigora o sigilo na condução dos negócios políticos do Estado, mas sim o princípio da publicidade.
Como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, analisando hipótese de gravação clandestina de conversa de servidor público com particular, “não é o simples fato de a conversa se passar entre duas pessoas que dá, ao diálogo, a nota de intimidade, a confiabilidade na discrição do interlocutor, a favor da qual, aí sim, caberia invocar o princípio constitucional da inviolabilidade do círculo de intimidade, assim como da vida privada” (Pleno – Ação Penal nº 307-3/DF – rel. Min. Ilmar Galvão – Serviço de Jurisprudência – Ementário STF nº 1.804-11).
Portanto, as condutas dos agentes públicos devem pautar-se pela transparência e publicidade, não podendo a invocação de inviolabilidades constitucionais constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.2
Notas:
1. STF – 2ª T – Rextr. nº 160.381-SP – Rel. Min. Marco Aurélio. RTJ 153/1.030.
2. Cf. STF – 1ª Turma, HC nº 70.814-5/SP, rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 24 jun. 1994, p. 16.
ALEXANDRE DE MORAES é Promotor de Justiça – assessor do Procurador-Geral de Justiça de São Paulo. Doutor em Direito do Estado pela USP. Professor de Direito Constitucional e Administrativo da pós-graduação (mestrado) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, das Escolas Superiores dos Ministérios Públicos de São Paulo e da Bahia e do CPC – Curso preparatório para concursos jurídicos. Autor de várias obras jurídicas.