Contrariedade e contraditoriedade constituem espécies do gênero oposição, que é afirmação e negação do mesmo predicado em relação ao mesmo sujeito conforme diferenciação feita por J. Canuto Mendes de Almeida (1).
A contrariedade se exprime em ato, pois o autor e o réu formulam pedidos, que se constituem na contraposição, o elemento fundamental da contrariedade. Os elementos do pedido são a proposição e a conclusão. Assim, forma-se a proposição: da premissa do pretenso direito objetivo formal – a lei – e da premissa do pretenso direito objetivo material – o fato; e dessas premissas decorre a conclusão.
Assegura que depois de pedir, a parte demonstra: a) criticando a lei; b) criticando o fato; c) definindo legalmente o fato. A demonstração constitui um “segundo ato” da contrariedade: é a instrução.
Pedido e demonstração do ato contraposto a pedidos e demonstração do réu, eis o mínimo processual de contrariedade.
Para Mendes de Almeida há ainda o “terceiro ato” da contrariedade que são as impugnações dos atos dos juízos.
O contraditório representa, então, o complemento e o corretivo da ação da parte, uma vez que cada uma delas agirá de modo parcimonioso, visando seu próprio interesse. Assim, a ação combinada dos dois serve à justa composição da lide.
Fundamentado em Carnelutti, afirma que quem refletir acerca desse importante e delicado instituto perceberá os defeitos, o custo e o rendimento da ação da parte. A parte é o órgão mais pronto, mais imediato, para a transmissão do fato ao juiz: esse o rendimento. Mas é também o órgão mais poderoso: esse o custo. O perigo não se elide senão por meio do contraditório, que depura a ação de cada uma das partes de demasias e superfluidades, permitindo ao juiz separar os elementos úteis dos elementos inúteis ou danosos acaso encontráveis no acervo de fatos apresentados pelo autor ou pelo réu.
O contraditório, para Mendes de Almeida, pode ser identificado quando a cada litigante é dada ciência dos atos praticados pelo contendor. (2) Por fim resume o contraditório como sendo “a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los.” Esse conceito é nacionalmente citado por inúmeros outros tratadistas que estudam o assunto.
No dizer de Angélica Arruda Alvim (3), o contraditório significa que toda pessoa física ou jurídica que tiver de manifestar-se no processo tem o direito de invocá-lo a seu favor. Deve ser dado conhecimento da ação e de todos os atos do processo às partes, bem como a possibilidade de responderem, de produzirem provas próprias e adequadas à demonstração do direito que alegam ter.
Apoiando-se na Constituição de 1967, José Frederico Marques (4) afirma que os princípios fundamentais dão forma e caracterizam os sistemas de processo. Entre os princípios mencionados, cita o devido processo legal como conseqüência do direito de defesa. Questiona por que só a questão do autor deva merecer tutela jurisdicional, uma vez que a resistência do réu traduz a defesa de um interesse que se não quer ver subordinado ao interesse alheio. E justifica que o sujeito ativo que resiste, pode ser apontado, na relação jurídica afirmada na pretensão, como autor da lesão a direito individual que motivou a propositura da ação.
No entanto, argumenta, se a lesão afirmada não se verificou, reconhecê-la, com os seus consectários, seria lesar os interesses e direitos do sujeito passivo da pretensão, pois, não se compadece com a isonomia, e com os próprios princípios da tutela jurisdicional, um tratamento unilateral no processo. Isto seria mesmo a sua negação. Se a exceção é resultado da bilateralidade da ação, deve haver tratamento igual, no processo, ao sujeito da ação e ao sujeito da exceção.
A única forma de garantir e evitar restrições indevidas, deve ser estruturar o processo sob a forma do contraditório, sendo que a bilateralidade da ação e da pretensão gera a bilateralidade do processo, e nisto reside o fundamento lógico do contraditório.
Com razão o mestre, pois o contraditório é um princípio constitucional decorrente do direito de defesa. O processo, como conjunto de atos, deve ser estruturado contraditoriamente, como imposição do devido processo legal que é inerente a todo sistema democrático onde os direitos do homem encontrem garantias eficazes e sólidas.
No processo de conhecimento, essa igualdade deve consistir em dar a ambas as partes “análogas possibilidades de alegações e provas”; e no processo de execução, em admitir, através de termos mais reduzidos, os necessários meios de controle para evitar uma liquidação ruinosa dos bens do devedor (5).
Não é esse o sentido para Ada Pellegrini Grinover (6), ao afirmar que a tese e a antítese, no diálogo processual, são representadas exatamente pela ação e pela defesa – mais uma vez em seu sentido mais amplo – sendo esta correlata àquela, ou antes justaposta, como força contrastante; que as partes hão de gozar de igual idoneidade técnica e dispor de situações subjetivas análogas, de modo que a função que exercem tenha a mesma eficácia dinâmica no plano dialético. E, finalmente, que o processo jurisdicional moderno não pode abrir mão daquele tipo particular de colaboração que se realiza por intermédio do contraditório, exatamente entendido como método de busca da verdade baseado na contraposição dialética.
Ampara sua idéia em que a defesa e o contraditório guardam íntima conexão entre si, pois é do contraditório que brota a própria defesa, pois desdobra-se em dois momentos: a informação e a possibilidade de reação. Mas é a defesa que garante o contraditório, conquanto nele se manifeste pois esta representa um aspecto integrante do próprio direito de ação. (7)
Assim: ação e defesa acabam transformando-se em abrangentes garantias do justo processo. E o contraditório, neste enfoque, nada mais é do que uma emanação daquela ação e daquela defesa. Defesa, pois, que garante o contraditório, e que por ele se manifesta e é garantida; porque a defesa, que o garante, se faz possível graças a um dos seus momentos constitutivos – a informação – e vive e se exprime por intermédio de seu segundo momento – a reação.
Esse posicionamento contraria a doutrina tradicional, que preleciona um princípio do contraditório estático, em correspondência com a igualdade formal das partes, visando a exigência de equilíbrio das forças, traduzindo-se na necessidade de lhes garantir a possibilidade de desenvolverem plenamente a defesa de suas próprias razões. Segue a concepção menos individualista e mais dinâmica do contraditório ao postular a necessidade de a eqüidistância do juiz ser adequadamente temperada, mercê da atribuição ao magistrado de poderes mais amplos, a fim de estimular a efetiva participação das partes no contraditório e, conseqüentemente, sua colaboração e cooperação no justo processo. (8)
Portanto o contraditório não pode ser considerado como mera expressão jurídica de iguais possibilidades conferidas ao sujeito do processo, confunde-se com a par condicio, e não só serve à imparcialidade do juiz, como ainda assume relevância autônoma em relação ao princípio da igualdade. (9)
Plenitude e efetividade do contraditório devem indicar a necessidade de se utilizarem todos os meios necessários para evitar que a disparidade de posições no processo possa incidir sobre o seu êxito, condicionando-o a uma distribuição desigual de forças. A quem agir e a quem se defender em Juízo devem ser asseguradas as mesmas possibilidades de obter a tutela de suas razões.
Essas idéias são originadas do direito italiano que, assim como o direito brasileiro, consagra o contraditório como princípio constitucional, e, principalmente no processualista Tarzia (10) que conceitua o contraditório como garantia fundamental na Justiça e regra essencial do processo segundo o qual as partes devem ter oportunidade de expor ao juiz as suas razões antes que ele profira a sua decisão. As partes devem poder desenvolver de forma completa, a sua defesa, sem limitações impostas arbitrariamente. Qualquer disposição legal, em contraste com essas regras, deve ser considerada inconstitucional e, por isso, inválida.
Há ainda que se analisar o pensamento de Grasso (11), que desenvolveu a idéia de colaboração – idéia antiga de Carnelutti. A combinação das atividades do autor, do réu e do juiz assume a estrutura inerente ao conceito comum de colaboração, objetivamente, se cada um destes sujeitos opera no mesmo elemento de fato ou de direito, contribuindo para o seu tratamento no laboratório processual, antes que ele seja submetido ao juiz na posição solitária daquele que decide.
Pode-se, além disso, inverter a perspectiva: se toda a matéria do litígio antes da decisão sofre os efeitos das forças exercidas por todos os sujeitos em concurso, nos limites das respectivas atribuições, o resultado será o produto de uma colaboração processual total.
Uma organização do processo que não seja guiada por outro critério que não o do princípio da igualdade das partes, reflete, para ele, mais uma geral concepção da mecânica processual, em parte contrária ao seu desenvolvimento no sentido da cooperação. (12)
Esta concepção, que se define individualista, é caracterizada pela transferência no processo da posição processual das pessoas que lhe dão vida.
As partes mantêm a idêntica atitude de irredutível antítese que assumem no plano do direito substancial. O encontro das suas forças é compreendido como uma competição, na qual se alternam os lances táticos dos antagonistas, cujo sucesso é confiado só à habilidade e à sagacidade. O contraditório é o meio que permite descobrir os planos do adversário, neutralizar as suas ações e extrair proveito dos seus erros. Surpreende, mas é também significativo para entender um secular endereço da doutrina e da jurisprudência, que até um jurista finamente dotado, como foi Piero Calamandrei, mesmo em um momento de geral desconfiança na sorte da justiça, tenha escutado a sugestão desta perspectiva e não tenha conseguido ver, na dialética processual, nada além de um jogo para vencer uma competição de habilidade na qual o juiz dará os louros a quem saberá melhor persuadi-lo.
No ordenamento jurídico constantemente existe uma associação entre o direito à defesa e o princípio do contraditório e este último vem por sua vez referido misturado ao princípio tradicional pelo audiatur et altera pars, que o autor chama de contraditório estático, à fórmula técnica da igualdade das armas, chamado de contraditório dinâmico e ao direito da parte de replicar às iniciativas autônomas (eventualmente) levantadas pelo juiz para a “compilação dos materiais para a decisão, realizando-se assim um tipo de homogeneização dos fenômenos que (mesmo sendo teologicamente ligados por serem todos preordenados em assegurar a atuação íntegra no processo do métodos dialético) conceitualmente e estruturalmente podem manter-se distintos.
Na verdade, sob o primeiro perfil, parece-nos que com o princípio de igualdade das partes também (e do contraditório visto como fórmula organizadora da informação processual inter partes), corre-se o risco de não colocar de maneira satisfatória o discurso sobre os legítimos limites operacionais do princípio predito, cujo discurso torna-se ao contrário absolutamente linear relacionando a garantia da igualdade das partes diretamente ao princípio de igualdade formal.
Sob o aspecto metodológico, assim, é dito que a concessão dominante parece como o conjunto de um raciocínio inaceitável porque baseia-se definitivamente sobre afirmações evidentes, dilatações conceituais e transposições semânticas.
Tudo isso torna-se evidente se se levar em conta cada fase na qual muitas vezes implicitamente articula-se em boa medida tal raciocínio, as quais podem sintetizar-se como segue:
a) com uma simples petição confirma-se que a Constituição elevou o princípio do contraditório à dignidade do preceito constitucional;
b) nesse modo baseia-se substancialmente a equação defesa + contraditório porque, contanto que se especifique que não se trata de identificação conceitual, mas de individuação do nexo instrumental existente entre os dos termos do confronto, evita-se tirar de tal definição as devidas conclusões;
c) na tentativa de reconstruir o conteúdo da garantia constitucional do contraditório considera-se o único dado positivo apresentado que faz expressa menção do princípio correspondente;
d) não estando satisfeitos com o significado apresentado, releva-se que a regra do auditur et altera pars que é organizada para favorecer a participação ativa das partes na elaboração do conteúdo da decisão e generaliza-se assim (talvez com a mediação de dois diversos adjetivos qualificativos, falando-se respectivamente de “contraditório estático” e de “perfis dinâmicos do contraditório”) o conceito-base de contraditório, estabelecendo-se definitivamente uma segunda equação: contraditório = participação;
e) observa-se que a instância de participação pode ser plenamente realizada no processo somente com a atribuição às partes, do poder de dialogar preventivamente sobre qualquer perfil (fatual ou jurídico) e reconhece-se conseqüentemente em tal poder a própria essência do fenômeno participativo, pondo-se desta maneira uma terceira equação: participação = oitiva preventiva sobre qualquer elemento relevante para a decisão;
f) em base de todas as equações precedentes elaboradas (defesa = contraditório = participação = oitiva preventiva), acrescenta-se no citado poder (sub ) o significado e o conteúdo da garantia;
g) sublinha-se, em particular, o caráter preventivo da defesa constitucionalmente garantida, já que essa “como «participação» representa um momento necessariamente anterior à pronúncia jurisdicional e a eventual defesa «sucessiva» não a pode, em nenhum caso, substituir.
Concebido assim o direito à defesa como garantia reconhecida à parte nos confrontos dos poderes atribuídos ao juiz, a sua diversidade conceptual emerge claramente em relação à garantia da igualdade das armas (e ao princípio do contraditório em particular, estaticamente e/ou dinamicamente entendido). O qual, de fato, enquanto esta última, na igualdade constitucional do processo civil, representa o princípio que disciplina as informações entre as partes, a garantia íntegra da defesa, ao contrário, formula-a como organizadora das relações que dizem respeito a cada parte, de um lado e o juiz, do outro.
É bom salientar também as observações de Aroldo Plínio Gonçalves(13) seguindo as linhas do tratadista italiano Fazzalari(14), que a participação do juiz no processo não o transforma em um contraditor, ele não participa em “contraditório com as partes”, entre ele e as partes não há interesse em disputa, ele não é um “interessado”, ou um “contra-interessado” no provimento, mas sim entre as partes.
A própria essência do contraditório exige, obviamente, que participem do processo pelo menos dois sujeitos. No direito italiano geralmente, os contraditores são sujeitos distintos do autor do ato (são dois privados, ou um privado e o Ministério Público, ou um privado e a administração pública): isto se verifica todas as vezes que o autor das disposições é estranho aos interesses em litígio (por exemplo, o juiz) ou se comporta como tal, mesmo sem sê-lo efetivamente (como a administração pública durante o exame).
Grasso e sua teoria da colaboração, entende que assim, a posição de igualdade, que é assegurada desse modo à parte, cessa de ser o platônico reconhecimento de um direito natural de igualdade e torna-se instrumento positivo de busca da verdade, que pode sempre manifestar-se em uma intervenção, que realize, entre os sujeitos do processo, o encontro sem o qual a preparação da causa resta, na essência, obra individual, mesmo considerando a formal pluralidade dos agentes. Na realidade, se é assente e aplicado nos limites tradicionais, e não é integrado por uma normativa adequada, o princípio do contraditório só pode dar uma vaga imagem de um sistema de colaboração (15).
Para tal fim, é indispensável que seja removido tudo o que impede ou torna difícil a um sujeito do processo operar em concomitância com os outros, e que seja assegurada além disso a igual exposição das idéias.
No Brasil, a doutrina seguiu a mesma linha de raciocínio descrita na obra de Fazzalari, mas nada impedindo que um dos dois contraditandos seja o autor do ato: é necessário porém, neste caso, que ele seja colocado pela norma, durante a fase preparatória do ato no mesmo plano do seu contraditor, em uma posição que fundamentalmente corresponde e se equivale à posição deste.
Para Dinamarco (16) a efetividade do contraditório é exigência inerente à própria garantia deste, graduada segundo o teor da indisponibilidade do direito substancial em conflito.
Os dois pólos dessa garantia, a informação e a reação, correspondem a dois postulados: a liberdade de informação e a participação em sociedade.
No processo, segundo seu magistério, é assegurada informação sempre e, quando o direito é disponível, a reação aos atos do adversário e do próprio juiz dependerá das opções da parte, que cumprirá os ônus ou sofrerá as conseqüências; mas, na medida da indisponibilidade do direito substancial, estreita-se a disponibilidade das situações ativas do processo, de modo que da não-participação deixam de decorrer as conseqüências mais graves que se têm em casos de direitos disponíveis.
Ainda afirma que o contraditório há de ser equilibrado, combatendo os litigantes em paridade de armas e não que a igualdade é inerente ao contraditório, como entende Ada. Dinamarco defende corretamente a idéia de que igualdade e contraditório não são a mesma coisa, constituindo duas idéias diferentes, que, muito embora andem paralelamente não são fundidas (17).
A paridade de armas é muito difundida pelo direito italiano, onde o contraditório aparece como um “instrumento necessário à atuação, seja do direito de defesa, por força do art. 24 da Constituição, seja do princípio da ‘paridade de armas’, assegurado pela convenção européia.
Para Tarzia, o princípio do contraditório foi individuado como elemento que confere ao processo a dialeticidade, distinguindo-o, do procedimento; está difundido até além do limite da função jurisdicional, de forma a ser uma espécie constante da atividade dos órgãos públicos; é o marco característico dos órgãos constitucionais democráticos, além de ser um princípio que “as normas têm em vista transformar em pedra basilar do procedimento, entendido, aqui, como processo de produção do ato administrativo”. Seu mérito mais significativo é “o de garantir igualdade das partes no processo. (18)
Em outras palavras, talvez mais límpidas, as conseqüências que devem unir-se ao princípio da “paridade das armas”, para Tarzia (19), tanto na ordem da legislação processual quanto na real conduta dos processos civis, são radicalmente diferentes se o juiz é posto em um papel de mero árbitro do resultado do litígio, substancialmente passivo no desenvolvimento do processo, ou se deve assumir, segundo a orientação que sempre mais se difunde nas legislações processuais da várias famílias jurídicas, um papel “ativo”, e até mesmo “promocional” ou “assistencial”.
O exercício pelo juiz de poderes de dirigir o processo, desvinculadamente da iniciativa da parte, traz problemas, como o de legitimidade, pois a paridade das partes pode ser violada por intervenções judiciais que porventura acabam alterando o equilíbrio garantido legalmente e que acabam por trazer vantagem a apenas uma das partes. Assim, pelo princípio da paridade de armas, este poder deve ser exercido nos confrontos de ambas as partes.
A necessidade de uma tutela das partes contra o perigo das surpresas, previsto tanto no direito brasileiro quanto no direito italiano, não só é derivado do comportamento da outra parte, mas também da atitude do juiz, fica perceptível principalmente no plano probatório, sobretudo onde ao juiz são atribuídos amplos poderes oficiosos tanto na determinação dos temas de prova como, e especialmente, na pesquisa e admissão das provas.
Finalizando essa linha de raciocínio, todo o procedimento probatório deve desenvolver-se no pleno contraditório das partes, no diálogo constante entre as partes e o juiz; nenhuma iniciativa de instrução, das partes ou do juiz, pode prosseguir sem que a parte, onerada pela iniciativa, tenha sido capacitada para defender-se e formular as suas contradeduções; nenhum elemento de fato pode ser levado à decisão – único momento, este, no qual o juiz está sozinho de frente ao material de causa – sem ter sido previamente conhecido e discutido.
Percebe-se a evolução da postulação do princípio do contraditório e sua aplicação nos dias atuais. Realmente, às partes deve ser ofertada a oportunidade de intervirem, garantindo a contraposição dialética na busca da verdade, deixando a seu livre arbítrio exercer esse direito ou não. Negar ou suprimir essa oportunidade de intervenção é ferir a Constituição Magna de nosso País.
NOTAS
1. MENDES DE ALMEIDA, Joaquim Canuto. A contrariedade na instrução criminal. São Paulo. Saraiva. 1937. p. 104.
2. Canuto explica suas idéias de forma lapidar: “irrisório direito de contrariedade seria esse poder de agir aos sobressaltos, ao sabor de mil surpresas ou à custa de uma permanente e penosa vigilância de todos os membros da comunhão social sobre seus semelhantes, em guarda contra as possíveis ações judiciárias que de todos os lados ameaçariam surgir. Fiscalização teórica constituiria esse esforço, incapaz de conter os efeitos dos processos misteriosos e levados a termo sem conhecimento dos principais interessados em contrariá-los”. (ob. cit). p. 107.
3. ALVIM, Angélica Arruda. Princípios Constitucionais do Processo. São Paulo Revista de Processo nº 74. abril/junho/1994. p.p. 20-37.
4. MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil, 4º ed., Forense, vol. II, Rio de Janeiro, 1958.
5. COUTURE, Eduardo, Las garantias constitucionales del proceso civil, in Estudios de Derecho Procesal Civil, 1948, vol. 1, pag. 47-51.
6. GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do processo, in Novas Tendências do direito processual, 2ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1990.
7. Explicitando sua idéia Grinover explica que “ação e defesa não se exaurem, evidentemente, no poder de impulso e no uso das exceções, mas se desdobram naquele conjunto de garantias que, no arco de todo o procedimento, asseguram às partes a possibilidade bilateral, efetiva e concreta, de produzirem suas provas, de aduzirem suas razões, de recorrerem das decisões, de agirem, enfim, em juízo, para a tutela de seus direitos e interesses, utilizando toda a ampla gama de poderes e faculdades pelos quais se pode dialeticamente preparar o espírito do juiz. O paralelismo entre ação e defesa é que assegura aos dois sujeitos do contraditório instituído perante o juiz a possibilidade de exercerem todos os atos processuais aptos a fazer valer em juízo seus direitos e interesses e a condicionar o êxito do processo”, cf. ob. cit., pág. 5.
8. “o contraditório não se identifica com a igualdade estática, puramente formal, das partes no processo; não exprime a simples exigência de que os sujeitos possam agir em plano de paridade; nem determina ao juiz o mero dever de levar em conta a atividade de ambos, permitindo que façam ou até que deixem de fazer alguma coisa. O contraditório, como contraposição dialética paritária e forma organizada de cooperação no processo, constitui o resultado da moderna concepção da relação jurídica processual, da qual emerge o conceito de par condicio ou igualdade de armas” Esse princípio, que garante a verdadeira contraposição dialética, é entendido como sendo o de equilíbrio de situações, não iguais mas recíprocas. (ob. cit., pág. 7).
9. No mesmo sentido as teorias de COLENSATI, Vittorio, Principi del contraddittorio e procedimenti speciali, Rivista di Diritto Processuale nº 4, CEDAM, Pádova, pp. 577-619.
10. TARZIA , Giuseppe. O Contraditório No Processo De Executivo , Revista de Processo Nº 28, pág. 55.
11. GRASSO, Eduardo. La Collaborazione del processo civile, Rivista di diritto processuale, Vol. XXI, Pádova, CEDAM, 1966, pp 581- 609.
12. Grasso, desenvolve suas idéias de forma interessante: “Para que tudo não se esgote em uma união cega de energias diferentes, é necessário que os operadores se encontrem no plano psicológico. O instrumento que torna possível este encontro é o diálogo, a comunicação das idéias sobre a matéria que cada um, com seus próprios meios, forneceu e pode elaborar no âmbito processual: juízos históricos e avaliações jurídicas que se concentram na atitude dos elementos introduzidos a serem utilizados convenientemente na decisão. Entende-se que a colaboração pode assumir dimensões e intensidade diferentes. Antes de mais nada, em relação aos sujeitos: não se pode negar que a situação descrita comece já a se realizar se somente dois dos três protagonistas (duas partes, uma parte e um juiz) concorrem em introduzir, elaborar, ilustrar, regular tudo aquilo que formará o objeto e a substância do juízo. Por outro lado, as operações conjuntas podem desenvolver-se em toda a matéria ou sobre uma parte dela. Subjetivamente e objetivamente, pode ser concebida, portanto, uma colaboração total e uma colaboração parcial. Todavia, a organização do processo deve ser considerada naturalmente destinada a realizar a máxima expressão da comunhão do trabalho, se a intuição do unus actus, com o que encerra de universal e de eterno, há o sentido e a validade de uma indicação certa para o legislador assim como para o intérprete. Os resultados se deduzem, em parte, da mesma experiência endoprocessual e, em parte, por uma mais ampla experiência social. O acúmulo de material das operações, conduzidas sobre os mesmos elementos por direções e com entendimentos diferentes ou até opostos, e o diálogo, dão à res in iudicium deducta uma forma expressiva e as conferem um significado muitas vezes realmente diferente da forma e do significado que ela exprimia em limite litus: ambos, além disso, potencialmente variáveis até à conclusão do processo. Sobretudo, o jogo alternado das intervenções exclui que um argumento ou um ponto de vista possa ser considerado definitivo, enquanto o jogo durar. Cada argumento e cada ponto de vista contrário pode atribuir-se um certo peso e pode ter um desenvolvimento de certeza, imprevisível. No fim, quando o resultado da colaboração é oferecido ao juízo final, tudo pode ser mudado nas perspectivas iniciais” ob. cit.
13. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnicas Processuais e Teoria do Processo, Rio de Janeiro, Aide Ed., 1992, p.121.
14. “O contraditório, estrutura dialética do procedimento, consiste na participação dos destinatários dos efeitos do ato final à fase preparatória do mesmo; na simétrica paridade das suas posições; na mútua implicação das suas atividades (destinadas, respectivamente, a promover e a impedir a promulgação da disposição); na importância das mesmas pelo autor da disposição: de modo que cada contraditor possa exercer um conjunto – conspícuo ou modesto não importa – de escolhas, de reações, de controles, e deva sofrer os controles e as reações dos outros, e que o autor do ato deva considerar os resultados. Imagine, por exemplo, a fase que precede uma sentença civil de condenação e na qual se recolhem os elementos com base nos quais o juiz deverá emanar esta sentença ou recusá-la: a ela participam aquele que é destinado a ser o beneficiário da condenação e aquele que é destinado a sofrê-la, em contraditório entre si, ou seja, desenvolvendo atividades, simétricas entre si, destinadas a fornecer ao juiz – que não poderá não considerá-las – elementos a favor e contra a emanação. … Há processo quando em uma ou mais fases do iter” de formação de um ato é observada a participação não só – e obviamente – do seu autor, mas também dos destinatários dos seus efeitos, em contraditório, de modo que eles possam desenvolver atividades que o autor do ato deve considerar; e cujos resultados ele pode não responder, mas não ignorar – FAZZALARI, Elio, Istituzioni di Diritto Processuale, 7ªed., Pádova, Cedam, 1994, (tradução livre)
15. cf ob. cit. p. 589-560.
16. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, 4ª edição, São Paulo, Ed. Malheiros, 1993, p.135.
17. Para ilustrar a discussão é bom recordar os ensinamentos de Italo Andolina-Giuseppe Vignera, Il Modello Costituzionale do Processo Civile Italiano – Corso di lezione, Torino, G. Giappichelli Editore, 1990, pp. 105-106, que nos diz exatamente o que é princípio da igualdade: ” Feita esta devida determinação e entrando no mérito do nosso argumento específico, pode-se começar dizendo que em virtude da norma constitucional da igualdade da estrutura do processo civil, a disciplina dos seus atos únicos, a distribuição dos poderes e deveres processuais devem ser organizados no sentido de assegurar (em linha do princípio e salvo as exceções e limitações constitucionalmente permitidas) “o perfeito equilíbrio das partes”: a possibilidade, isto é, para cada um dos destinatários da providência jurisdicional de participar no relativo procedimento formativo num plano de igualdade recíproca e simétrica e com a garantia de poder fazer o que faz a outra parte para justificar-se .
Note-se que semelhantes conclusões podem ser explicadas tanto de uma concepção subjetiva do princípio da igualdade, quanto de uma consideração objetiva. Por subjetiva entende-se aquela tese reconhecendo na igualdade (jurídica) uma posição reconhecida aos sujeitos do direito (recte: situação subjetiva para alguns autores, capacidade jurídica para outros), a qual se resolve no direito ou na atitude de cada pessoa ser titular das situações jurídicas ativas e passivas reconhecidas pela ordem, salvo somente as limitações (de qual direito ou – na ótica diversa – daquela capacidade) que não sejam injustificadas e arbitrárias. Objetiva aquela que vê na igualdade uma norma jurídica primária (ou princípio jurídico geral) disciplinando o exercício da função legislativa. Para alguns escritores, pelo contrário, tal norma primária condiciona a explicação de todas as funções públicas ou mesmo, segundo as teses mais avançadas, o fim de qualquer ato jurídico subordinado, seja de natureza pública ou privada.
Ao confronto das concessões em questão, mais exatamente, a regra primária da igualdade coloca-se como limite ao exercício do poder normativo no (duplo) sentido:
a) (em positivo) de assegurar a igualdade de tratamento das situações objetivamente semelhantes; b) (em negativo) de impedir igualdades irracionais de situações intrinsecamente diversas.
Ora, rejeitado em seu significado subjetivo, a norma constitucional da igualdade postula o direito ou (segundo a perspectiva de outros) a capacidade de todas as partes de serem titulares das mesmas situações subjetivas ativas e passivas previstas na lei processual, salvo (somente) as limitações racionais e não arbitrárias previstas na mesma lei.
A concepção objetiva da igualdade, por sua vez, se traduz na obrigação do legislador sub-constitucional de colocar as partes do processo em uma posição igualitária, assegurando-lhes o mesmo tratamento normativo e a titularidade de “poderes, deveres e faculdade simetricamente iguais e mutuamente implicadas entre eles”, a menos que não recorram exigências ou condições particulares justificando uma disciplina diferenciada.
18. ob. cit., pág. 56.
19. TARZIA, Giuseppe, Problemi del Processo Civile di Cognizione – Parità delle armi tra le parti e poteri del giudice nel processo civile – Padova, CEDAM, 1989, p. 312-313.
* Edna Luiza Nobre Galvão
Professora de pós-graduação das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo