Princípios Constitucionais e Tributação

Agostinho do Nascimento Netto

Princípios Constitucionais
O caminho percorrido pelos princípios até que se lhes reconhecesse força normativa e cogente, foi difícil, acidentado e tortuoso. Não existe mais espaço, porém, a que se deixe de tê-los como plenamente normativos. São palavras do insuspeito Bonavides: “Tendo ocorrido já tanto aquela maturidade do processo histórico como a sua evolução terminal ___ a que se reportou o conspícuo Jurista ___ faz-se, agora, de todo o ponto possível asseverar, a exemplo de Esser, Alexy, Dworkin e Crisafulli, que os princípios são normas e as normas compreendem igualmente os princípios e as regras.” [1]

Aí residindo, portanto, toda a razão de sua cogência e normatividade, toda a cogência e força normativa dos princípios. Entendimento sedimentado e pacificamente assim estabelecido pelas Ciências do Direito Constitucional de mais alto padrão [2] .

O conceito de que insertas na Constituição, são todas as normas detentoras de máxima cogência, razão direta da condição de parte do Texto Constitucional, e de que normas são um gênero do qual são espécies tanto as regras quanto os princípios, não oferece, portanto, espaços para dúvidas.

Resta, porém, aclarar as condições em que estão expostos os princípios, e de que forma distinguem-se eles das regras.

Antes, porém, entendemos importante definir o que seriam os princípios.

Segundo boa parte dos tratadistas o vocábulo princípio é de múltipla significação. Bonavides, referindo-se a Luiz Diez Picazo, afirma que “A idéia de princípio,” … “ deriva da linguagem da geometria, ‘onde designa as verdades primeiras’. Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso são ‘princípios’, ou seja, ‘porque estão ao princípio’, sendo ‘as, premissas de todo um sistema que se desenvolve more geometrico’.” [3] .

É a partir da visão de princípio enquanto começo, ou máxima essencial, que nos habilitamos à compreensão precisa de princípio jurídico. Tornou-se clássica, tamanha a sua robustez, a definição elaborada pelo grande administrativa, Celso Antônio Bandeira de Mello. Segundo aquele tratadista, e vale a pena a transcrição, princípio “ … é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de estrutura mestra”. [4] Não resta dúvida, de acordo com esse entendimento, que é ímpar e fundamental o lugar e o papel a serem ocupados pelos princípios jurídicos. Como bem dito e verificável na notável definição de Bandeira de Mello, é a mais grave forma de inconstitucionalidade. E assim o é, posto tratar-se de figura essencial à solidez e coesão do sistema jurídico, que na definição mais apropriada não deve ser concebido como um amontoado de normas. Sistema aqui deverá ser aquilo “ … que esteja apto para captar adequação interior e a unidade da ordem jurídica.” Ou o “ … correspondente …” a “ … uma ordenação axiológica ou teleológica …” [5]

Se os princípios mostram-se integrantes da realidade constitucional, protagonizando uma atuação singular, com eles atuam, talvez coadjuvando, as regras. É necessário, portanto, que delas se estabeleça uma distinção.

Uma primeira abordagem aconselha-nos tentar elaborar a distinção a partir de suas naturezas. Claudius Rothenburg aponta uma identificação básica entra as regras e os princípios socorrendo-se dos ensinamentos de Robert Alexy e de Jorge Miranda. Para o primeiro “A distinção entre regras e princípios é, pois, uma distinção entre tipos de normas”. [6] Em arremate, Rothemburg afirma que os princípios são “ … expressão primeira dos valores fundamentais expressos pelo ordenamento jurídico, informando materialmente as demais normas(fornecendo-lhes a inspiração para o recheio).”. [7] Porquanto, princípios do ponto de vista de uma distinção de natureza, na expressão deste último estudioso, ou do ponto de vista de sua materialidade, afastar-se-ia das regras porque mais próximos, ou substancialmente mais próximos dos valores fundantes da ordem jurídica de que façam parte. Daí porque, serviriam de recheio para as regras.

Ainda que não o único critério distintivo, com muita certeza o artifício antecitado apresenta-se como o mais importante. Alguns autores, agregam outros dados substanciais, como, por exemplo, indefinição semântica, grau de abstração, ou baixíssimo teor de densidade normativa ___ no dizer de Bonavides [8] . Não incorre nesta impropriedade Canotilho, segundo observa Mártires Coelho que lista, com esteio nos textos do jurista português, ao lado daquele critério, outros como o que denomina de proximidade da idéia de direito, ou caráter de fundamentalidade, ou, ainda, natureza normogenética, aqui em referência ao apoio às regras. [9]

O lugar dos princípios, sobremaneira, os com status constitucional, é inquestionavelmente incomparável. É norma jurídica, e como tal detentora de força cogente, mas uma ofensa a eles dirigida macula muito mais fortemente o sistema. Os autores a propósito dos princípios constitucionais, ao menos parte deles(autores), têm como certo que são esses os princípios gerais de direito, apenas agora, como resultantes de um trilhar evolutivo, guindados às alturas constitucionais [10] . Outro produto dessa evolução, é que deixaram de ser os princípios meros instrumentos de interpretação, ___ e aí outra constatação de seu caráter de espécie normativa ___ para adquirirem a multicitada feição de cogência e normatividade.

Mas é possível identificarem-se alguns tipos de princípios constitucionais propriamente. Diversos são os critérios classificatórios passíveis de emprego aos princípios. A básica classificação, por óbvio, pode ficar por conta da distinção entre princípio puramente jurídico e princípio constitucional. Para esses últimos, reserva a doutrina um grande elenco de tipos e denominações. Segundo José Afonso da Silva, os princípios constitucionais podem ser de duas modalidades. Ou fundamentais ou gerais [11] . Estabelece essas duas categorias referindo-se aos ensinamentos de Canotilho. Rothenburg empreendendo o mesmo trabalho de inventário lista a tipologia principiológica do jurista português, como princípios jurídicos fundamentais, princípios políticos constitucionalmente conformadores, princípios constitucionais impositivos, e princípios-garantia [12] . O mesmo autor ao mencionar o Professor Barroso, esclarece que o constitucionalista classifica os princípios constitucionais como fundamentais, gerais e setoriais ou especiais [13] , estes últimos referindo-se a uma parte específica do Texto Constitucional. Tocam-se aqui ou nos princípios constitucionais administrativos, ou penais, ou processuais, ou sociais, ou econômicos, ou financeiros, ou tributários, etc., no que constitui como um aprofundamento dos princípios constitucionais gerais.

Sobre os princípios constitucionais tributários ocupar-nos-emos em seguida.

Princípios Constitucionais Tributários
Dentre as diversas modalidades ou tipos de princípios que segrega a doutrina, uma liga-se a partes da Constituição, portanto, apresentando-se tais princípios como especiais ou setoriais. Nada mais seriam, assim, do que o cimento dessas partes especiais do Texto Constitucional.

Importante subsistema da Constituição é o subsistema tributário, ou Constituição Tributária, “ …que constitui fiscalmente o estado Social de Direito …” [14] , sendo de interesse lembrar, ainda, que a relação jurídica tributária a par de mostrar-se sempre ex lege, é uma relação jurídica que se dá sob a Constituição e de forma direta.

Esclarece Paulo de Barros Carvalho que o “ … subsistema constitucional tributário, …” é “ … formado pelo quadro orgânico das normas que …” versam sobre “ … matéria tributária, em nível constitucional.” [15] Desse modo, a subespécie normativa dos princípios aí incluída, devendo ser alvo de abordagem específica.

Têm os estudiosos, aqui e no exterior, se ocupado das diversas formas sob as quais se apresentam os princípios constitucionais tributários.

No Brasil, alguns de nossos mais importantes tratadistas ofereceram um elenco de princípios.

Ricardo Lobo Torres, faz interessante abordagem [16] do tema, oferecendo um quadro amplo dos princípios, atrelando-os aos seus valores fundantes e listando, em acréscimo o que seriam os subprincípios deles derivados. Quando trata do valor Justiça aponta, dentre outros princípios, o magno Capacidade Contributiva, jungindo a ele os subprincípios da progressividade, da personalização, da seletividade e da proporcionalidade.

Carraza empreende trabalho de igual interesse no respeitante aos princípios constitucionais tributários, traçando uma ligação entre os princípios republicano, federativo, da autonomia municipal, da legalidade, e da segurança jurídica, todos eles com a tributação. [17] No trato do princípio da capacidade contributiva, este emérito tributarista esclarece não ter dúvidas quanto ao fato do princípio do não-confisco derivar daquele(capacidade contributiva). [18]

Paulo de Barros Carvalho, após listar o que denominou de princípios constitucionais gerais, abre espaço em suas cogitações aos princípios constitucionais tributários, que limita a dez, neles incluído o princípio da proibição de tributo com efeito de confisco. Sobre o tema adverte que é princípio de difícil configuração, porque “Aquilo que para alguns tem efeitos confiscatórios, para outros pode perfeitamente apresentar-se como forma lídima de exigência tributária.” [19]

A opção por submeter os fundamentais princípios tributários ao título das limitações ao poder de tributar é de Sacha Calmon Navarro Coêlho. [20] Não sem razão. Em verdade, a Constituição Tributária, aí elencados os princípios constitucionais tributários, desempenham o papel de incomensurável importância de Estatuto do Contribuinte, o que equivale a dizer, de broquel contra os abusos do poder tributante. O poder de tributar ofensivo ao conjunto principiológico esposado pelo Texto Constitucional é capaz de vergastá-lo de modo singularmente inaceitável. Permenece emblemática a advertência de Marshall, para quem “O poder de tributar é o poder de destruir. Salvo se devidamente guarnecida a cidadela dos Direitos Fundamentais do Cidadão enquanto Contribuinte.

Não nos parece, assim, impertinente, ao tempo em que se discutem reformas em nosso Sistema Tributário, sublinhar a importância maior da proteção à incolumidade do Estatuto Constitucional do Contribuinte.

Agostinho do Nascimento Netto é Procurador da Fazenda Nacional e Professor de Direito Constitucional e Direito Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito de Campos.

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[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, op. cit., pp: 243/244.

[2] BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de J. M.Cardoso da Costa. Reimpressão. Portugal. Coimbra:Almedina. 1994, 65, quando afirma aquele autor que “ … princípios não podem ser modificados à vontade, seguindo o caminho do processo de revisão regulado pela lei constitucional: …” “Uma lei de alteração da Constituição, … poderia, por conseguinte, ser inconstitucional por eventual infracção de um princípio constitutivo da República Federal …”

[3] “Los princípios generales del derecho en el pensamiento de F. de Castro”, in Anuário de Derecho Civil, t. XXXVI, fasc. 3º, outubro-dezembro /83, pp.: 1.267 e 1.268, apud, BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, op. cit., p:228/229.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo. 8ª ed..São Paulo: Malheiros Editores, 1996, pp.:545/546, apud, GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988, 4ª ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p.:78/79.

[5] CANARIS, Claus – Wilhelm, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, Tradução de ª Menezes Cordeiro, 2ª ed..Portugal. Lisboa: Serviço de Educação-Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p.:66.

[6] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Espanha. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p: 83, e MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, 2ª ed.Portugal. Coimbra: Coimbra, 1988, t. 2, p:198, apud, ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p:16.

[7] ROTHEMBURG, Wlater Claudius, Princípios constitucionais, op. cit., p:16.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de direto constitucional, op. cit., p: 265.

[9] COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1997, pp: 86/87.

[10] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, op. cit., p: 265.

[11] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, op. cit., pp: 96/97.

[12] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional, 6ª ed.. Portugal.Coimbra: Almedina, 1993, pp:170 e segs., apud, ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais, op. cit., pp.:67/68.

[13] BARROSO, Luis Roberto. Princípios constitucionais brasileiros (ou de como o papel aceita tudo).Revista Jurídica THEMIS, Curitiba, nº 7, pp: 17/39, outubro de 1991, apud, ROTHEMBURG, Wlater Claudius. Princípios constitucionais, op. cit., p.: 69/70.

[14] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar. 1995, p:35.

[15] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva. 1997, p:86.

[16] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, op. cit.,p:74..

[17] CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 12ª ed. São Paulo: Malheiros. 1999, pp: 43/322.

[18] CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. op. cit. pp:73/74.

[19] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, op. cit., p.:101.

[20] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à constituição de 1988. Sistema tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora:Forense, 1998, pp: 266 e segs.

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