Autor: João Mestieri (*)
Em primeiro lugar, tínhamos a Lei 4.357/64, que, no seu artigo 11 rezava sobre o crime de apropriação indébita no caso do imposto de renda na fonte e do IPI (antigo imposto de consumo). No entanto, nem doutrina, nem jurisprudência entendem ser esse diploma de natureza propriamente fiscal. A rigor, não definia sequer um crime novo, mas adequava o crime já previsto no Código Penal (artigo 168 do Código Penal) à matéria tributária. O Decreto-Lei 326/67, a sua vez, equiparava o não recolhimento de IPI no prazo da lei à apropriação indébita. Mas esse decreto-lei foi revogado pela Lei Complementar 70/91 (Lei do Cofins), expressamente. Desse modo, não cabe dúvida ser a Lei 8.137/90 a única vigente versando crimes fiscais.
Tanto o Governo Federal quanto muitos particulares criticam duramente o estado da tributação no Brasil e empenham-se a fundo em sua reforma. A tributação tem aspectos ordenados e outros contraditórios e absurdos. Em se tratando de termo empregado em uma norma jurídica, muitos entenderão que a expressão ordem tributária exprime uma ordem jurídica.
Seja em virtude deste entendimento seja em decorrência do princípio da hierarquia das normas jurídicas, não resta dúvida de que a constitucionalidade da lei que cria incidência tributária constitui portanto um dos requisitos essenciais para aplicação da referida Lei 8.137, de 27.12.1990. A Lei 8.137, de 27.12.1990, visa à proteção do patrimônio público contra determinados danos financeiros. A tributação deve atender a diversos objetivos, não apenas aos financeiros.
A Lei 8.137/90 determinou mudança expressiva na disciplina dos chamados delitos fiscais, antes previstos na Lei 4729/65. A lei atual, em seu artigo 1º, constrói os tipos penais protegendo a receita derivada do Estado contra ações tendentes a atingi-la substancialmente, ou seja, do dano, representado pelos dois verbos empregados: suprimir ou reduzir a receita. O resultado jurídico desses crimes fiscais deve ser, portanto, o dano ao bem jurídico que é sempre o interesse estatal na arrecadação, bem este protegido conforme a natureza e conteúdo de cada tipo penal.
Os crimes contra a ordem tributária formam parte no chamado Direito Penal Especial, ou seja, o Direito Penal Extravagante, disciplinado em leis especiais e não no corpo do Código Penal. Esta é a técnica brasileira de criação jurídica em Direito Criminal; não se acrescenta ao código a matéria nova, via de regra, mas se a justapõe de modo a que coexista com as figuras típicas codificadas. Isto não quer dizer que a matéria objeto de lei extravagante tenha a sua disciplina penal fora do Código. Essa decisão legislativa não possui apenas um aspecto formal, de decisão burocrática, mas responde a um sentido geral de interpretação do Direito Criminal que não deve ser descurado pelo intérprete. Assim, toda a produção legislativa de caráter penal respeitando a vida econômica está compreendida no chamado Direito Penal Econômico; os crimes fiscais seriam uma subdivisão desses crimes especiais.
Os delitos previstos no artigo 2º da lei sob exame são de mera conduta, ou seja, é necessário e suficiente que o agente realize o comportamento previsto no tipo penal, sem que se tenha que perquirir sobre eventual dano a interesse do Estado. Assim, o emprego de qualquer ardil ou fraude contra o fisco já implica em crime, ainda que distinto da omissão de informações ou de apresentação de informações falsas e mesmo que não haja sonegação de tributo. Destarte, se a fraude ficar caracterizada e não for possível enquadra-la nos incisos do artigo 1º, estará, desde logo, consumado o crime do artigo 2º, da Lei nº 8.137/90.
É lastimável, contudo, o vezo que, a pouco e pouco se vem insinuando em nossa prática forense diária, de magistrados decretarem prisões preventivas em crimes de colarinho branco pela simples qualidade da pessoa, de ter ela capacidade econômica expressiva, poder ou influência política
A prisão preventiva é, antes de tudo, uma excepcionalidade, uma exceção; a regra é permitir-se que o acusado responda ao processo em liberdade. A presunção, hoje regra constitucional, é de inocência. Materializada a prisão preventiva, antecipam-se os efeitos da sentença condenatória criminal, futura e apenas possível. Sendo medida atingindo o direito de liberdade, antes mesmo do momento processual de decisão da causa, é natural exigir-se extremo rigor no exame dos pressupostos para a sua concessão.
Mesmo a autorização contida na Lei do Colarinho Branco, Lei 7.492, de 1986, artigo 30, de o juiz decretar a prisão preventiva tendo em vista a magnitude da lesão, deve ser compreendida dentro desses parâmetros do artigo 312 do Código de Processo Penal e entendida de conformidade com a finalidade de condução do processo penal, ou seja, apenas se pode recorrer lícita e validamente à prisão preventiva quanto esta se mostrar indispensável ao bom termo do processo penal. Demais disso, não deve ser a magnitude da lesão entendida como novo pressuposto para a prisão preventiva, pois, repita-se, ainda aqui valem os termos do artigo 312 do Código de Processo Penal e o princípio da prevalência da liberdade individual no curso do processo.
Assim como a boa política fiscal deve incentivar, ao máximo, a voluntary compliance, a boa política penal tributária deve estimular, seja pela redução, seja pela não aplicação de pena cominada, a colaboração ou confissão da pessoa investigada, desde que obedecidos os limites impostos pelo inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura ao investigado o direito subjetivo da non self-incrimination.
Autor: João Mestieri é advogado especialista em Direito Penal/Criminal, professor de Direito Penal, Processual Penal; Criminologia e Sociologia do Direito da PUC-RJ