Por Antonio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
O Executivo e o Legislativo encontram-se carcomidos por corrupção e clientelismo. Hoje, tornou-se fato notório que ministérios e órgãos públicos pertencem a partidos, que deles obtêm proveito econômico sob a desculpa do financiamento de campanhas.
O país nunca viu tantos lobistas a sugerir influência sobre funcionários públicos, como se está a observar nos últimos dez anos. Há brokers para qualquer assunto, cada vez mais próximos do governo e do parlamento.
Inacreditável, portanto, que, no encerrar do ano de 2011, o Judiciário tenha se exposto ao público numa dialética perante os jornais que pouco esclarece as questões, mas que atinge a imagem dessa face do poder do Estado.
Mostra-se evidente, sob a perspectiva constitucional e legal, a invalidade de se usar o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), para o fim de investigar juízes, de forma generalizada. Outra vez, sai do Superior Tribunal de Justiça um conceito equivocado, uma interpretação torta quanto ao fim e o sentido do sigilo bancário.
O pouco vínculo de certos Ministros — em especial nessa matéria e na aplicação da Lei 9.613/98 — tem levado à expansão da arbitrariedade, em primeiro e segundo grau de jurisdição, a qual agora vem manchar as próprias togas dos juízes.
E, não obstante estar correta a decisão liminar de suspender as perquirições no atacado quanto aos bens de integrantes da magistratura, preferiu-se divulgar pelos jornais a conhecida falácia de que tais invasões à privacidade seriam justificáveis, para a obtenção de dados ocultados — frase feita para agradar quem se influenciou na literatura pelo Grande Irmão, supõe-se.
Tal lamentável episódio obriga a insculpir em mármore a regra de que a quebra de sigilo fiscal e bancário se exibe uma exceção no direito brasileiro, que têm causa no descumprimento da lei, em hipóteses específicas, e sempre depende de decisão judicial motivada (salvo no tocante a autoridades fiscais, consoante a previsão do artigo 6º da Lei Complementar 105).
De qualquer forma, está-se diante de problema jurídico que se resolve com o emprego de razão e argumentos, jamais por meio de um debate político no noticiário matinal, em que se vazam notas e pretensos escândalos com o fim de convencer o leitor de que o arbítrio possui algum sentido, ao menos pragmático.
Não se pode, também, seguir o mau exemplo de se adotar o estratagema de pressionar os tribunais, mediante o manejo da opinião publica. Outra vez, repita-se, a questão posta se ostenta de natureza jurídica e não se amolda ao achismo próprio de quem não conhece Direito.
Mostra-se um engano supor que a submissão desse tema ao povo seja uma demonstração de democracia. Ao contrário, isso se apresenta no caso concreto o desrespeito à legalidade (artigo 37 da Constituição da República), pilar essencial para o desenvolvimento das instituições e da sociedade.
Ora, o objeto de processos judiciais não deve ser divulgado quando isso expõe o jurisdicionado (artigo 93, IX, da Constituição da República), ou quando exigir o interesse público (artigo 20, do Código de Processo Penal; artigo 155, I, do Código de Processo Civil).
Mais do que isso, cumpre respeitar a regra da Lei Orgânica da Magistratura que veda ao magistrado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais” (artigo 36 da Lei Complementar 35).
Devem, pois, os magistrados quedarem-se silentes diante das decisões do Supremo Tribunal Federal, concedidas em caráter liminar, tocantes ao Conselho Nacional de Justiça. Do mesmo modo, os integrantes do aludido Conselho devem aguardar os julgamentos finais, posto que o foco desse importante órgão tem de ser a legitimidade dos procedimentos em que atua.
Por fim, o óbvio. Enquanto permanecer essa discussão sobre o Judiciário, os outros poderes continuarão na trilha da balburdia que vive o Estado Brasileiro, sem a imprensa poder se dedicar àquilo que realmente importa nesse momento histórico, sem as pessoas atentarem para os graves problemas de corrupção que permeiam a administração pública.
Antonio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo é advogado, mestre e doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito na USP.