Processo criminal não deveria ser fonte de espetáculo público

Autor: Ali Mazloum (*)

 

Quando organismos da persecução penal do Estado assumem o papel de acusar e colocar gente na cadeia, resta aos juízes a árdua tarefa de garantir que nela entrem somente culpados.

A repressão, exercida aos auspícios do clamor das ruas, torna indigesta a função de fiel da balança. Indivíduos em grupo são levados a reagir todos da mesma forma, ainda que não exista direção planejada. O fim pode ser trágico!

Assim, todos querem andar na direção que sopra o vento. É  o instinto de manada: se estão indo em tal direção é porque deve ser o melhor a fazer. Caminhar em bando confere segurança. Seguir a maioria, porém, não representa coragem.

Em matéria penal, o Judiciário não pode, nem deve, deixar-se contaminar pela gritaria tumultuosa de reprovação ou descontentamento. Em momentos conturbados, exige-se do juiz coragem, firmeza de espírito, para não virar ele próprio protagonista de linchamentos.

Um processo criminal não deveria ser fonte de espetáculo público. No palco da ação penal o juiz tem a obrigação constitucional de assegurar aos acusados em geral o cumprimento de princípios básicos de civilidade, respeito ao processo justo, garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa, preservar, sobretudo, a dignidade da pessoa humana.

Os atores do processo devem, cada qual a seu modo, mas dentro do quadro legal vigente, observar rigorosamente o seu papel. Deixar de seguir o roteiro constitucional conduz a odioso consórcio, uma espécie de cartelização da acusação, em que o réu, previamente condenado, é apenas um protagonista inconsciente de um arremedo de processo judicial.

Em pleno século XXI isso ainda acontece! O apelo da multidão ensandecida tem sido convincente na utilização do processo criminal como instrumento de tortura, servindo unicamente para legitimar condenações antecipadas. Não interessam os fatos, mas a pessoa. O juiz natural desaparece e cede lugar ao tartufo togado.

O Estado de Direito Democrático não tolera que a magistratura nacional seja reduzida à condição de sujeito passivo da vontade coletiva, deixe-se guiar pelo instinto, tome decisões sem consciência, relegando por completo a diretriz constitucional que a todos deveria submeter, cujo norte são os direitos e garantias fundamentais.

A chamada operação “lava jato” e seus infindáveis capítulos, sem dúvida um sucesso absoluto de público e de mídia, deve produzir o máximo de bons resultados possível, especialmente no seio dos debates da tão aguardada reforma política, mas não pode descambar para injustiças e ilegalidades

Perseverança, sim, mas com serenidade. Que as simpatias, antipatias e afinidades pessoais não determinem as crenças e ações do Poder Judiciário. Que a distribuição de justiça dome a perigosa heurística de afeto que se propaga rapidamente pelas salas de julgamento.

É sedutor andar com a maioria. É instigante fazer o que os outros esperam. Difícil é seguir com isenção o caminho do devido processo legal, especialmente quando se está só. Isso sim exige coragem!

 

 

 

Autor: Ali Mazloum  é juiz federal em São Paulo, mestre em Ciências Jurídico-criminais, especialista em Direito Penal d professor de Direito Constitucional.


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