Processo eletrônico promove o desenvolvimento sustentável

Autores: Sérgio Renato Tejada Garcia e Gabriel Wedy (*)

 

O ano de 2015 pode ser chamado o ano da luta pela sustentabilidade. É a conclusão que se chega, sem muito esforço, ao considerar-se os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável eleitos pela Assembleia Geral das Nações Unidas e insertos no emblemático documento Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável[1]; a publicação da Encíclica Laudato Sì  pelo Vaticano, de lavra do Papa Francisco, e a COP 21, em Paris, em que as nações reunidas decidiram adotar metas de controle das emissões de gases de efeito estufa e medidas de resiliência e adaptação mais abrangentes do que as adotadas no Protocolo de Quioto.

O conceito de direito ao desenvolvimento sustentável, no âmbito internacional, está moldado conjuntamente pela Declaração de Estocolmo [1972], pela Estratégia Mundial de Conservação [1980], pela Carta Mundial da Natureza [1982] e, finalmente, pelo Relatório Brundtland[2] [1987], em torno do velho conceito de sustentabilidade.[3]

Aliás, a Comissão Brundtland publicou há época o clássico relatóriodenominado “Nosso Futuro Comum” e conceituou a base do desenvolvimento sustentável como sendo “[…] a capacidade de satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer os estoques ambientais para as futuras gerações”.[4] Daí se extraem dois elementos éticos que são essenciais para a ideia de desenvolvimento sustentável: justiça ou equidade intrageracional e preocupação com o futuro, justiça ou equidade intergeracional.[5]

No Brasil existem referências claras ao desenvolvimento no Preâmbulo e nos artigos 3º, 170 e 225 da Constituição Federal de 1988,[6] dos quais se extrai o princípio constitucional do desenvolvimento sustentável que vincula entes públicos e privados.

O princípio do desenvolvimento sustentável apresenta quatro dimensões bem definidas por Jefrey Sachs: econômica, social, ambiental e de governança.[7]

Com estas dimensões é compatível e bem se enquadra o Eproc, processo eletrônico.

Muito embora o processo eletrônico seja, a partir de uma visão superficial, somente um programa de computador, na prática está provocando uma mudança profunda na prestação jurisdicional, podendo ser considerado uma revolução sem precedentes no âmbito da administração da Justiça e da governança. Com o processo eletrônico o “serviço público justiça” não é mais o mesmo. Talvez no futuro seja possível fazer uma divisão imaginária entre antes e depois do Eproc.

Os efeitos do Eproc não estão limitados à esfera interna corporis da instituição judicial ou daquela de seus operadores, pois espraiou seus efeitos para toda sociedade, diretamente para os jurisdicionados e indiretamente para a cidadania de um modo geral.

Daí que o Eproc apresenta um caráter multidimensional, impregnando seus efeitos em todos recantos da vida social, podendo ser analisado, sob as quatro dimensões da sustentabilidade: (1) dimensão humana; (2) dimensão ambiental; (3) dimensão econômica e (4) dimensão de boa-governança.

Iluminado sob o prisma da (1) dimensão humana, observa-se que o Eproc, a partir de seu objetivo inicial de atuar sobre a efetividade da justiça, passa a atender, de plano, a uma das mais veementes queixas da sociedade, qual seja, a morosidade da prestação jurisdicional e apresenta-se como o instrumento adequado para cumprir o princípio constitucional do direito fundamental à razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).

Sob a ótica do jurisdicionado, ou seja, do destinatário do serviço público judicial, há uma nova motivação e esperança na atuação do Poder Judiciário, porquanto a tão sonhada justiça deixa de ser uma quimera e se transforma numa verdadeira efetivação dos direitos, uma vez que, comprovadamente, as demandas chegam ao seu final de modo até cinco vezes mais célere.

O jurisdicionado passou, com o Eproc, a ter possibilidade de acompanhar o andamento de seu processo através da Internet, inclusive da íntegra das decisões judiciais e em tempo real. A partir dessa consulta, o jurisdicionado, por si, por um parente próximo ou pessoa de sua confiança, pode saber se “ganhou” ou se “perdeu” a ação judicial, em que termos foi sua vitória ou derrota e, se for o caso, ter conhecimento do valor do alvará de levantamento de dinheiro em seu favor, coibindo os casos, felizmente raros, de desvios de créditos dos vencedores em demandas judiciais, notadamente de segurados da Previdência Social e de classes menos favorecidas da população.

A (2) dimensão ambiental do Eproc se apresenta com soberana vantagem sobre a sistemática tradicional do processo físico, constituindo-se um verdadeiro amigo do ambiente.

A ausência de autos físicos faz simplesmente desaparecerem diversos impactos ambientais danosos que com o uso do papel, de regra, passam despercebidos, tais como corte de árvores, consumo de água, uso de produtos químicos, gasto de energia, entre outros insumos necessários para a produção do papel.

Os autos físicos necessitam ser transportados, seja quando o advogado “faz carga”, seja para transitar entre os diversos graus de jurisdição, não raro tendo que “viajar” até o Planalto Central para exame de recurso extraordinário, especial ou revista pelas Cortes Superiores, e seu retorno, depois de julgado, às instâncias originárias. E registre-se, por oportuno, que a matriz de transporte brasileira ainda está embasada em combustíveis de origem fóssil, do que decorrem os milhares de litros de diesel, gasolina, lubrificantes, pneus, estradas asfaltadas que são utilizadas anualmente só com o transporte de malotes e mais malotes de processos físicos.

De outro lado, o processo físico, enquanto em andamento, ocupa significativo espaço dos cartórios, com mesas, escaninhos e armários, o que faz demandar, dado o grande volume de processos, também, prédios grandes, com reflexos imediatos no consumo de energia elétrica, entre outros impactos ao meio ambiente. E depois de findo, o processo físico, verdadeiro “resíduo” do sistema judiciário, necessita ser arquivado em depósitos — os chamados arquivos gerais, que demandam grandes prédios, verdadeiros armazéns, causando renovado e permanente impacto ambiental de diversas ordens na sua manutenção.

E, como observado linhas acima, o processo físico se caracteriza por ser extremamente burocrático, o que faz aumentar a necessidade de mais mão de obra para seu processamento e andamento, caracterizando mais uma forma de impacto ambiental traduzida na necessidade de prédios e consumo de energia.

O Eproc, em razão dos autos judiciais serem totalmente eletrônicos, faz desaparecer ou reduz drasticamente todos os impactos do processo físico no meio ambiente.

Deixando de existir papel, muitos e muitos hectares de reflorestamento são poupados e podem ter um destino mais nobre, como a produção de alimentos. Em um Brasil que os recursos hídricos dos grandes centros urbanos e industriais estão cada vez mais escassos, toda economia de água será bem-vinda. O processo eletrônico não consome uma gota sequer de produtos químicos.

Em razão do Eproc estar hospedado na rede mundial de computadores e transitar integralmente pela internet, podendo ser acessado de qualquer lugar do mundo pela rede, em tempo real, e “viajar” entre os diversos graus de jurisdição de forma totalmente eletrônica, não consome um litro sequer de combustíveis fósseis.

Todos os processos eletrônicos da Justiça Federal podem ser armazenados em um banco de dados do tamanho de um único armário, minimizando significativamente a necessidade de espaços físicos e reduzindo drasticamente o impacto ambiental.

E considerando que no processo eletrônico a burocracia fica totalmente eliminada, reduz a necessidade de servidores e os cartórios passam a exigir menor espaço físico, o que também se transforma em vantagem para o meio ambiente.

É verdade que o processo eletrônico consome energia elétrica, mas a economia que é feita com a iluminação e condicionamento de ar de cartórios menores, já é suficiente para cobrir totalmente o consumo de energia do processo eletrônico.

Ademais, considerando que o Brasil vai precisar optar pela conversão da matriz de produção de energia elétrica para o baixo carbono e fontes renováveis, pode se concluir que num futuro muito próximo o Eproc não causará nenhum tipo de impacto ambiental, podendo tranquilamente receber o selo ISO 14000.

Na (3) dimensão econômica os benefícios do Eproc são significativos, pois consegue obter muito mais eficiência como instrumento de administração da justiça, cumprindo sua função social, ética e de equilíbrio ecológico e ainda provocando uma redução de custos sem precedentes.

A economia com os recursos orçamentários anteriormente utilizados para cobrir os custos com os insumos dos autos físicos, as despesas com malotes e transportes, manutenção predial e de mobiliário, entre outros, possibilitou a ampliação da rede de atendimento da justiça, como, por exemplo, a instalação de Unidades Avançadas de Atendimento (UAA) em pequenos municípios que até então não eram atendidos pela Justiça Federal.

Tendo em vista que todo processamento das ações é feito à distância pelo Eproc na “vara mãe”, as UAAs exigem uma estrutura predial e de servidores mínima para funcionamento, mas conseguem prestar todos os serviços que uma unidade completa prestaria, porém com custo “n” vezes menor.

O Eproc também tem permitido que servidores de unidades ocasionalmente com menor volume de trabalho possam ser “lotados” remotamente em outras varas mais congestionadas, otimizando o serviço sem necessidade de remoções ou pagamento de diárias. Os chamados mutirões de sentença, que são situações em que juízes federais se oferecem para auxiliar colegas com um volume muito grande de processos que aguardam sentença, também são feitos pelo Eproc, sem necessidade de qualquer deslocamento, seja do magistrado, seja do processo. Já há um movimento no sentido da criação de secretarias centralizadas para atender simultaneamente diversos gabinetes de magistrados, otimizando os recursos humanos e reduzindo custos.

Com o Eproc os prédios da justiça podem ser menores e mais eficientes, pois não necessitam mais suportar toneladas e toneladas de papel e armários para seu armazenamento.  E, com isso, os móveis podem ser mais ergonômicos, melhorando as condições de saúde dos operadores.

Esses são apenas alguns exemplos dos benefícios econômicos proporcionados pelo Eproc, mas com certeza muitos outros custos, diretos e indiretos, advindos da justiça tradicional, foram extintos, ou reduzidos, com a introdução do processo eletrônico.

Advogados também são beneficiários diretos da economia proporcionada pelo Eproc pois não necessitam comparecer à sede da justiça para protocolar novos processos e petições, para tomar conhecimento da íntegra de sentença ou despachos, para examinar laudos periciais, etc, pois podem fazer tudo isso pela Internet, sem sair do escritório, direcionando o tempo inútil e muitas vezes arriscado “perdido” com deslocamentos para atividades mais eficientes e produtivas.

E o advogado economiza mesmo nas situações em que o deslocamento se faz necessário para comparecimento a audiências ou sustentação oral no tribunal, pois pode praticar tais atos em qualquer unidade da Justiça Federal por videoconferência. No futuro esses atos poderão ser praticados, inclusive, do escritório do advogado.

Reduzindo o custo para o advogado, naturalmente reduz-se o custo para o jurisdicionado.

Como se pode concluir, a análise do custo-benefício do Eproc é superavitária, atacando diretamente no combate às despesas inúteis e ao desperdício, totalmente afeiçoado à responsabilidade fiscal, sem se descurar de sua função social, ética e de equilíbrio ecológico.

Examinado à luz da (4) governança, o Eproc elevou a Justiça Federal da 4ª Região à realidade republicana e democrática nos padrões que a coletividade tanto reclama das instituições públicas.

O jurisdicionado agora pode ter acesso à integra do “seu processo”, passando a ter controle não só da atividade jurisdicional, como também de seu próprio procurador ou representante, mediante uma breve pesquisa na Internet e com a “chave de acesso” fornecida por seu advogado ou pela Justiça Federal.

De outro lado, o interesse público à informação assegurado pelo artigo 93, IX, da Constituição Federal passou a ter atenção toda especial, pois o Eproc permitiu que todos julgamentos e atividades judiciais sejam publicados em tempo real na íntegra e automaticamente na internet, exceto nos casos em que a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo assim o determina. O mesmo deve ser dito em relação às sessões de julgamento do tribunal, desde a sustentação oral dos advogados e a leitura de votos dos julgadores, que podem ser acompanhadas em tempo real pelo sistema destreaming de multimídia (som, imagem e dados) via Internet, acessível a partir de qualquer computador ligado à rede desde qualquer lugar do mundo.

Por fim, a total transparência das informações e julgamentos tem possibilitado os órgãos de defesa da sociedade, como o Ministério Público, Defensoria Pública, sindicatos, associações e até organismos internacionais, entre outros, a exercitarem com mais eficácia suas prerrogativas na defesa das liberdades públicas e privadas, direitos sociais e laborais, tanto individuais como coletivos, constituindo-se o Eproc, também, numa ferramenta de resguardo dos direitos previstos nos artigos 5º, 6º e 7º da Constituição Federal.

O Eproc veio para ficar e evoluir em benefício das presentes e futuras  gerações, sendo um sistema que promove o desenvolvimento sustentável nos seus aspectos econômico, humano, ambiental e de governança.

Talvez, por isso, tenha sido estudado, nos últimos anos, por Poderes Judiciários e Universidades dos mais diversos países, inclusive, com níveis de sustentabilidade bem mais elevados que os brasileiros.


[1] United Nations. Transforming Our World: The 2030 Agenda for Sustainable Development. Fonte: sustainabledevelopment.un.org. Acesso em: 01.10.2015.

[2] A Assembléia Geral das Nações Unidas, por meio da A/RES/38/61, no ano de 1983, constituiu uma Comissão para elaborar um relatório sobre questões atinentes ao meio ambiente [Comissão Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente], incluindo o desenvolvimento sem o comprometimento dos recursos naturais. Esta foi a origem do Relatório Brundtland.

[3] BOSSELMANN. Klaus. The Principle of Sustainability: Transforming Law and Governance. Farnham: Ashgate, 2009. P. 40.

[4] World Commission on Environment and Development [1987], Our Common Future, Brundtland Report. Oxford and New York: Oxford University Press, P. 13.

[5] BOSSELMANN. Klaus. The Principle of Sustainability: Transforming Law and Governance. Farnham: Ashgate, 2009. P. 97.

[6] Ver: ANJOS FILHO, Robério Nunes. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. P. 269.

[7]  Ver: SACHS, Jeffrey. The Age of Sustainable Development. New York: Columbia University Press, 2015.

 

 

 

 

 

Autores: Sérgio Renato Tejada Garcia é juiz federal. Idealizador do EPROC. Mestre em Direito. Ex- Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça.

Gabriel Wedy é juiz federal, é ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) [2010-2012]. ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (Ajufergs) [2008-2010]. Doutorando e Mestre em Direito. Visiting Scholar pela Columbia Law School.


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