Mário Antônio L. de Paiva
Em um dos sebos que frequentamos aqui em nossa cidade de Belém do Pará podemos encontrar raridades que pouco estudiosos do direito tem o prazer de conhecer e, muito menos, ler. Falamos da obra de Georges Ripert intitulada O Regimen Democrático e o Direito Civil Moderno editada pela Saraiva & Cia Editores. Nela podemos encontrar subsídios importantes e atuais para o pensamento.
Já naquela época Ripert dizia que “Se há hoje falta de interesse pelo nosso direito secular, é menos pelo facto de não corresponder às necessidades provenientes das condições materiais da vida nova, do que pelo desacôrdo com as nossas idéias modernas sobre a organisação social. Dizemos que a evolução do direito é fatal e repetimos que ela é imposta pelos factos. Na realidade desejamos realmente um direito novo, e, se afirmarmos a necessidade da reforma, é pelo receio de nos julgarmos reformadores voluntários. Assim como aquêle que ama as viagens as julga uteis à saúde, o democrata que quer um direito novo afirma-o indispensável ao desenvolvimento da civilisação” [1].
Vivemos hoje a necessidade de um direito novo tal qual Ripert almejava para resolver um dos maiores problemas da história do direito que é a morosidade na tramitação de processos nos juízos e nas Cortes de todo o país. Propostas legislativas, modificações na estrutura do judiciário e outras medidas tem se apresentados pouco eficazes na solução deste problema. A eternização das causas gera conseqüências graves a todos os profissionais do direito. Os advogados perdem clientela pois em causas de pequena monta, muitas vezes é mais interessante que a parte arque com os prejuízos dos que gastar mais dinheiro com o pagamento de custas, honorários advocatícios, tempo e paciência para esperar o deslinde de um processo que pode levar anos. Para juízes e promotores a situação não é diferente pois a demora enseja conseqüências ainda mais negativas como a desconfiança na própria justiça e o descrédito no Poder Judiciário como um todo.
Diante desse quadro desesperador de lentidão da máquina jurídica acreditamos que a solução passa necessariamente pela informatização de todo o sistema desde o ajuizamento da petição a satisfação da pretensão.
Mas como implantaríamos esta estrutura eletrônica ?
A nosso ver precisaríamos mais do que nunca da união de todos esquecendo as diferenças e peculiaridades de membros da Ordem dos Advogados e suas seccionais, Poder Judiciário e Ministério Público.
Após este ajuste o procedimento idealizado por nós seria assim:
Acontecendo algum fato em que o jurisdicionado entenda ter sido lesado ou preterido em algum ou vários direitos e deseje reivindicá-los perante o judiciário o mesmo deverá procurar um advogado para pleitear por intermédio de ação competente aquela pretensão resistida.
Se o lesado não tiver advogado poderá procurar na respectiva Seccional da OAB onde seriam informados os nomes e breves currículos dos advogados inscritos e regulares constantes em seus cadastros que poderiam ser disponibilizados no site da instituição permitindo a escolha criteriosa e paciente aqueles que tivessem computador do causídico de sua preferência.
Dependendo da complexidade da questão a conversa com o advogado poderia ser feita através do correio eletrônico onde o futuro cliente enviaria sua questão para análise. Em seguida o advogado encaminharia a solução legal, sua proposta de pró-labore e honorários advocatícios ao cliente.
Entendendo justo o valor solicitado o cliente encaminharia os documentos reproduzidos no scanner, procuração assinada eletrônicamente e cópia do recibo de pagamento ou transferência para a conta do advogado do valor cobrado.
Mediante o acordo prévio o advogado elaboraria a petição e através de peticionamento eletrônico encaminharia ao Tribunal que já disporia deste serviço de protocolo notificando o recebimento e informando a conta para o depósito das custas do processo. Logo em seguida o funcionário responsável repassaria os dados ao cartório que reencaminharia conclusos ao juiz tudo pela via eletrônica.
Chegada a petição ao gabinete virtual do juiz o mesmo analisaria a petição e verificaria sua regularidade. Verificando sua adequação aos pressupostos legais exararia despacho opondo sua assinatura digital ordenando o cite-se do réu encaminhando ao cartório para a feitura do mandado. A intimação se daria pelo e-mail do advogado e do cliente e no Diário Oficial veiculado no site da Instituição.
Feito o mandado este seguiria pelo correio com aviso de recebimento através de convênio entre a Empresa de Correios e Telégrafos e os Tribunais de todo o país. Feita a citação o Correio informaria via e-mail ao cartório o comprimento da ordem legal momento em que passaria a contar o prazo para contestação. No mandado constaria o e-mail do tribunal onde deverá ser protocolada a peça contestatória.
Se o réu informar seu e-mail passará a ser intimado pela via eletrônica dos atos processuais. Recebida a contestação o cartório repassa conclusos ao juiz que via de regra marcará a audiência de conciliação. As partes poderão no dia informar a sua recusa em conciliar onde o juiz abrirá ata de audiência virtual informando que não houve proposta ou a mesma foi recusada intimando as partes para o comparecimento na audiências de instrução onde serão ouvidas as partes e testemunhas. A intimação das partes seria feita por e-mail e das testemunhas por aviso de recebimento pelos Correios utilizando o mesmo sistema de pagamento de custas e informações sugerido na citação.
A audiência de instrução seria o primeiro contato vivo entre o juiz, as partes, os advogados e as testemunhas. De preferência seria interessante que fosse marcado em um único dia. Assim, relatado os depoimento na audiência de instrução e julgamento os envolvidos leriam a ata em computador comum no centro das mesas de audiência e fariam sua assinatura digital recebendo cópia no e-mail que indicassem sendo intimados em audiência do prazo para alegações finais que seriam feitas da mesma forma da petição inicial acima descrita.
Feitas as peças o processo seguiria conclusos para sentença que seria publicada no Diário Oficial eletrônico e encaminhada para o e-mail indicado pelas partes no processo. No caso de recurso e execução o procedimento seria semelhante modificando alguns detalhes como por exemplo a sustentação oral que poderia ser feita por vídeo conferência e a na execução a penhora on line de créditos e bens que poderia ser feita diretamente em órgãos como o Detran, Banco Central, Cartório de Registro de Imóveis e em todos os bens que tivessem registro governamental.
Os leilões poderiam ser feitos por sites especializados na internet e, em sendo apurado os valores com venda do bem os mesmos seriam transferidos para a parte beneficiada, para pagamento dos honorários advocatícios e para a quitação das custas. O acompanhamento processual poderia ser feito pelas partes e interessados que tivessem o número do processo através da site do Tribunal na internet.
Acima descrevemos um processo comum sem seus vários incidentes, para não elastecer de forma cansativa e desmedida o ensaio, que porém, em várias situações podem ser resolvidos pela via eletrônica
Acreditamos que as idéias aqui colocadas podem ser implementadas em curto espaço de tempo dependendo apenas da boa-vontade do governantes pois muitos desse recursos já estão disponíveis e são pouco utilizados ou padecem do maior impecílio que identificamos para o avanço e aplicação dessa teconologia que é o próprio homem.
Deixamos claro que o avanço aqui esperado deve ser acompanhado necessariamente pela promulgação de normas (regras) específicas sobre o assunto pois como dizia Capitant: “é incontestável que se impõe a modificação de certas regras gerais quando as condições da vida material variam. Não se podem aplicar as regras do transporte rodado por estradas aos transportes pela via férrea, nem esta últimas regras à aviação; não se podem empregar as regras da propriedade imobiliária aos títulos de bolsa; se há grandes bancos de depósito é preciso inventar o chéque; se é necessário estabelecer o crédito para os comerciantes, crear a quitação e o warrant. Um grande número de regras novas correspondem por esta fórma às novas necessidades económicas” [2]
Queremos deixar ao leitor não um pensamento fechado e alheio a críticas e sim uma pequena chama de esperança para que essa construção seja realizada efetivamente para que nós, profissionais do direito, não nos tornemos, ainda mais, as figuras desacreditadas que todos os dias é vilipendiada seja pelo humilde cliente que não entende absolutamente nada de direito mas já tem a concepção distorcida de nossa atividade, seja pelos nossos próprios colegas pelo desestímulo que encontram na atividade, seja pelos órgãos da imprensa que em sua grande maioria denigrem a imagem e esclarecem muito pouco as mazelas existentes dando ênfase apenas as os piores acontecimentos.
Em resumo entendemos que a informática é seguramente o maior aliado de nossa atividade devendo ser levada a sério e implementada o quanto antes como forma de minimizar o sofrimento de todos que necessitam de uma Justiça célere e eficaz trazendo de volta o sentimento primordial a cada cidadão de que a lei deve ser obedecida e respeitada e que o seu descumprimento será impreterivelmente penalizado através de um processo virtual e veloz que imobilize economicamente e socialmente o indivíduo que desrespeita ou lesiona o direito de seu semelhante.
(1) RIPERT, Georges. O Regimen Democrático e o Direito Civil Moderno, Editora Saraiva, pág 45
(2) A. Capitant, Cours de droit civil, 8º ed., t.I, nº 18.
Mário Antônio Lobato de Paiva é advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Professor (pós-graduação em Direito de Informática) da Universidade Estácio de Sá em Minas Gerais; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista; e-mail: malp@interconect.com.br.