Processo virtual não pode impedir a ampla defesa

Por Wadih Damous

O julgamento do CNJ acerca da competência para estipular o traje dos advogados continua rendendo reflexões importantes acerca do Poder Judiciário.

Conforme noticiado por este veículo, a OAB-RJ e o Conselho Federal da OAB pediram a anulação do referido julgamento, por ter sido patentemente violado o princípio da publicidade das sessões de julgamento (artigo 93, inciso IX).

Àquela altura, o que se sabia era que o recurso da OAB-RJ havia sido julgado pelo expediente denominado “julgamento célere”. Muito embora não tenha ficado claro à época no que consistia precisamente tal procedimento, o certo é que sua adoção fez com que até mesmo alguns conselheiros afirmassem publicamente que não tinham consciência do que estavam julgando, e que nunca votariam no sentido da decisão supostamente unânime.

Mas a decisão do relator revelou no que verdadeiramente consiste o tal expediente. Segundo o conselheiro, “foi instituído neste Conselho o rito do julgamento célere, para os processos que possuam expressiva maioria nas manifestações “de acordo” pelos demais conselheiros no sistema do processo eletrônico. No caso em discussão, houve 8 manifestações favoráveis ao voto do relator, disponibilizado para os demais conselheiros 5 dias antes da realização da sessão plenária”.

Ficou claro, dessa forma, que o Conselho Nacional de Justiça também vem adotando a sistemática de sessões de julgamento virtuais, as quais, naturalmente, não ocorrem em sessão pública, tal como determina a Constituição da República, de forma expressa, em seu artigo 93, inciso IX.

Sistemática semelhante foi originariamente instituída pelo Supremo Tribunal Federal para análise da presença da repercussão geral, requisito de admissibilidade do recurso extraordinário instituído pela Emenda Constitucional 45. Essa atitude pioneira parece ter encorajado outros tribunais a adotarem procedimento congênere, eis que, espelhando-se no próprio guardião final do texto constitucional, não deveria haver espaço para questionamento acerca de sua inconstitucionalidade.

Além do CNJ, como já referido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por meio de Resolução Administrativa, instituiu o julgamento virtual dos agravos internos e regimentais, o qual já foi objeto de questionamento por parte da OAB-RJ perante o próprio tribunal. Recentemente, o TJ-SP manifestou a intenção de criar expediente semelhante.

Mas, não é bem assim.

Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, nega a aplicação do “plenário virtual” ao julgamento do mérito dos recursos, limitando-se análise da existência de repercussão geral. E, muito embora tal argumento não ilida, por si só, a inconstitucionalidade dessa sistemática, há de se reconhecer que sua instituição tem uma razão prática inegável.

É que, muito embora a competência para julgamento do recurso extraordinário seja, de regra, de uma das Turmas do Supremo Tribunal Federal, são necessários os votos de oito ministros para que se reconheça a inexistência de repercussão geral em determinada hipótese. Assim, o STF se viu diante de duas situações, igualmente indesejáveis: submeter todos os Recursos Extraordinários ao Plenário ou permitir que o requisito da repercussão geral simplesmente deixasse de existir na prática.

Vê-se, portanto, que a instituição do “plenário virtual” no STF tem duas “atenuantes”: ter sentido sistêmico e aplicar-se apenas para a aferição de um dos requisitos de admissibilidade do recurso.

Já as sistemáticas adotadas pelo CNJ, pelo TJ-RJ e a pretendida pelo TJ-SP têm um único e claro propósito: diminuir o trabalho de desembargadores e conselheiros.

Não há nada, portanto, que salve tais procedimentos de sua evidente inconstitucionalidade. A professora Teresa Arruda Alvim Wambier, relatora do Projeto de Novo Código de Processo Civil em tramitação do Congresso Nacional, costuma afirmar, com total acerto, que qualquer procedimento criado única a exclusivamente para diminuir a carga de trabalho do Poder Judiciário é ilegítimo por vício de origem.

A publicidade das sessões de julgamento é fundamental para o correto exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como para a fiscalização social da atividade do Poder Judiciário. A tendência à virtualização dos processos e o ímpeto de diminuir o trabalho dos tribunais não podem acarretar violação de tais garantias fundamentais.

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