Profissional não pode se tornar instrumento do crime

João Paulo Nery dos Passos Martins *

Em recente reportagem intitulada “Ponta da Língua”, a revista Consultor Jurídico do dia 20 de junho transcreve matéria do Jornal da Tarde em que advogados de criminosos contam os expedientes utilizados por eles para livrar seus clientes da prisão.

Embora seja sabido que há profissionais da área que emprestam concurso a atividades criminosas, as declarações emitidas pelos advogados na reportagem não deixam de ser chocantes e nos leva a refletir sobre o papel que a advocacia deve desempenhar perante a sociedade.

A Constituição Federal de 1988 erigiu a advocacia à qualidade de função indispensável à administração da Justiça. No mesmo sentido, a Lei nº 8.906/94 expressa que o advogado, no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social e prescreve em seu art. 1º, parágrafo2º, que “no processo judicial, o advogado contribui, na postulação favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem ‘munus’público”.

Na seara penal, a importância da presença do advogado se apresenta como corolário da ampla defesa, sendo, inclusive, nulo o processo em que o réu não seja assistido por advogado (defesa técnica).

Contudo, o fato de o advogado ter o direito e o dever de postular de modo favorável ao seu cliente não o autoriza a se utilizar de meios ilegais ou imorais para obter a vitória judicial, em virtude da função social que o advogado exerce.

Com efeito, a advocacia, embora sendo atividade privada, possui caráter eminentemente público, sendo que, quando o advogado atua na defesa do indivíduo, em última análise, ele está atuando na defesa dos interesses sociais, da Justiça e do estado democrático de direito, pois sua atuação deve ser considerada em conjunto com a dos demais atores processuais (Juízes, Promotores, etc).

Destarte, constitui um sofisma crer que o advogado pode se utilizar de todos os meios para defender seu cliente. Em verdade, o causídico deve empregar todos os meios lícitos e que não sejam contrários à moral na defesa de seu cliente.

Se a advocacia se resumisse simplesmente a um negócio particular, um contrato, não haveria óbice ao fato de o advogado mentir, forjar provas e testemunhas e subornar agentes públicos, pois ele estaria atingindo o fim para o qual foi contratado: a condição mais benéfica para seu cliente.

Todavia, tendo em vista que a advocacia não é um comércio e diante do serviço público e da função social que ela exerce, os advogados são impedidos, legal e eticamente, de utilizar expedientes que, embora possam favorecer seu cliente, ofendam a lei e a moral.

É nesse sentido que o Código de Ética e Disciplina da OAB estabelece que “é defeso ao advogado expor os fatos em juízo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé” (art. 6º) e é dever do causídico abster-se de “emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana” (art. 2º, inc. VIII, alínea “d”).

No mesmo diapasão, o art. 34 da Lei nº 8.909/94 estabelece ser infração disciplinar, punível com suspensão de até doze meses, o ato do advogado de “prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la” (inc. XVII), bem como o ato de “solicitar ou receber de constituinte qualquer importância para aplicação ilícita ou desonesta” (inc. XVIII).

O direito à defesa é um direito sagrado, de modo que o advogado tem o direito e o dever de defender a pessoa acusada de cometer um crime, pouco importando se realmente é culpada ou a crueldade do crime. E é dever do advogado empregar todos os esforços a fim de obter a decisão mais favorável ao seu cliente, desde que sua atuação encontre respaldo na lei e na sua ética profissional. Contudo, tal dever não decorre do fato de o cliente estar lhe pagando honorários, ainda que vultosos, mas sim de sua missão constitucional e seu compromisso com a Justiça.

Destarte, o advogado deve defender o criminoso, mas não pode se tornar um instrumento do crime. Com efeito, o advogado deve se empenhar para que o seu cliente tenha uma sentença justa, isto é, que seja absolvido se inocente e que receba uma condenação justa se culpado.

A violência é um problema difuso, que atinge a todos e que demanda o esforço de cada um em seu combate: o traficante que fica impune é o mesmo que vende drogas ao filho do advogado, é o mesmo que troca o toca-fitas furtado por drogas, é o mesmo que viciou o assaltante que rouba e mata nos sinais de trânsito.

Portanto, o advogado que serve ao crime, apesar do apelo imediatista do dinheiro fácil que tal atividade lhe fornece, está, na verdade, cavando sua própria sepultura e pondo em risco a vida e a segurança de todas as pessoas que ama.

João Paulo Nery dos Passos Martins é co-autor do livro Ética na Advocacia, da Editora Forense, membro do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Paranaense (Unipar).

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