Progressividade do IPTU

Gilberto Marques Bruno

O Imposto Predial e Territorial Urbano e a Questão da Cobrança Conforme os Critérios da Progressividade

Ilegalidades Apresentadas:

(i) CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

Não é de hoje que a sociedade brasileira tem suportado o pesado fardo de arcar com a elevada carga tributária que lhe é imputada pelos entes governamentais, com o intuito de amealhar recursos destinados ao suprimento das atividades financeiras do Estado.

Com o advento da “Constituição Cidadã”, acreditava-se que o texto supremo seria efetivamente respeitado e, via de regra os seus preceitos ensejariam a uma nova realidade voltada apenas e tão somente, a observância da legalidade, como marca distintiva para alavancar o desenvolvimento nacional.

Contudo o tempo passou, e a Carta de Regência ainda que aviltada em grande parte dos seus mandamentos, sobreviveu sob os auspícios de um regime democrático em fase de crescimento e consolidação, para que assim, fosse preservado efetivamente o Estado de Direito.

Obviamente o Brasil avançou muito ao longo deste tempo, todavia a questão da tributação, continuou sendo vislumbrada como a grande fonte de geração de recursos para a manutenção do aparelho estatal. Nos termos do sistema tributário nacional, atualmente encontramos nada mais nada menos, que 60 (sessenta) tributos diferentes, distribuídos entre impostos, taxas e contribuições, instituídos nos termos da competência que a própria Constituição Federal outorga a União, aos Estados Membros, ao Distrito Federal e aos Municípios.

Cada ente federado, valendo-se da competência constitucionalmente distribuída, estabelece as formas e critérios para tributar os contribuintes, de acordo com as necessidades localizadas, e como tais, elevando o ônus da carga tributária a patamares insustentáveis, impedindo assim, o crescimento das atividades comerciais e industriais, obstaculizando pois, o desenvolvimento livre e justo da sociedade brasileira.

(ii) COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL OUTORGADA AOS MUNICÍPIOS:

A Carta Constitucional de 1988, ao cuidar do Sistema Tributário Nacional, procedeu à repartição de competências tributárias aos entes federados, outorgando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, poderes para a instituição de tributos.

Evidentemente, a discriminação constitucional das competências tributárias, conferida aos Municípios, no âmbito das suas atribuições impositivas assegurou o poder de instituir imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), repetindo os termos de uma tradição expressamente consagrada pelo constitucionalismo republicano desde a promulgação da Constituição Federal de 1934.

Sob este prisma, ao delinear o esquema normativo pertinente ao IPTU, a Decana Carta Constitucional contemplou a possibilidade desta espécie tributária adquirir o caráter progressivo, de modo a assegurar, o fiel cumprimento da função social da propriedade (CF, art. 156, § 1.º, e art. 182, § 4.º, II).

Logo, é de se dizer que, aos Municípios, fora delegada competência tributária para a instituição do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), nos termos expressos do Inciso I, do artigo 156.

Contudo, ao discriminar a competência municipal, o legislador constituinte estabeleceu nos termos do § 1.º, do referido artigo que:

…” Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, § 4.º, Inciso II, o imposto previsto no Inciso I, poderá: I – ser progressivo no tempo em razão do valor do imóvel; e

II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.”…

Neste diapasão, é de se entender que o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) poderá ser progressivo no tempo, desde que se tome como referência, o valor atribuído ao imóvel, ensejando o estabelecimento de alíquotas diferentes, quantificadas conforme a localização territorial e suas respectivas formas de uso e ocupação.

Isto é, a Carta Constitucional admite que a municipalidade adote o princípio da progressividade do IPTU, tomando como referência o valor atribuído ao imóvel, mas para tanto, mister se faz a existência de uma planta de valores devidamente aprovada pela administração municipal, após ampla discussão e debate para com a sociedade.

E mais, permite ainda, que sejam estipuladas alíquotas diferenciadas, ao amparo de critérios previamente estabelecidos, que levem em conta requisitos atinentes a localização e a forma de utilização, uso e ocupação do imóvel.

Neste caso, subentende-se a existência de um “plano diretor”, (nos termos dos §§ 1.º e 2.º, do artigo 182 da C.F.), voltado a estabelecer as diretrizes básicas da cidade, especialmente quanto aos mecanismos relativos ao planejamento, a organização e ao desenvolvimento urbano, de sorte a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e, assegurar o bem estar dos seus habitante.

(iii) PROGRESSIVIDADE NO TEMPO:

A questão da progressividade no tempo, se consolidou historicamente em face da tributação relativa ao imposto sobre a renda, incidente sobre a receita auferida pelas físicas e/ou jurídicas, na medida em que se observa o crescimento do patrimônio do contribuinte.

O que vale dizer, trata-se de uma das premissas e/ou características deste tipo de tributo, o qual, nos termos da Decana Carta de Regência, deverá ser informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade (§ 2.º do artigo 153 da C.F.), sempre levando em conta a capacidade contributiva de cada ente tributado.

No caso específico do imposto predial e territorial e urbano (IPTU), a figura da progressividade, originou-se da necessidade de instituição e aplicação de sanção de natureza punitiva, de caráter eminentemente extrafiscal, que se encontra intimamente vinculada a questão da “Política Urbana”, (Título VII, do Capítulo da Ordem Econômica e Financeira na C.F.).

(iv) PROGRESSIVIDADE DO IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (IPTU):

Para efeitos de legalidade, o imposto só poderá ser considerado de natureza progressiva, quando assegurar ao Fisco, autorização expressa para ampliar o ônus da tributação com base no crescimento da riqueza do contribuinte, hipótese que se verifica apenas e tão somente quanto ao imposto sobre a renda.

Isto é, na adoção da progressividade, se estabelece uma forma crescente de quantificação da alíquota, tomando-se como referência a elevação da capacidade contributiva do ente tributado. Em outras palavras, “ quanto maior a riqueza a ser tributada, maior será a incidência da alíquota ”.

A doutrina e até mesmo os Tribunais tem se posicionado no sentido de afirmar que a questão da progressividade para fins tributários, nada mais é que um refinamento do princípio da capacidade contributiva, que se encontra consubstanciado no § 1.º, do artigo 145 da C.F., cujo teor abaixo se transcreve:

…” Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(omissis)

§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. “…

Trata-se de dogma constitucional, cuja premissa maior está lastreada no respeito a capacidade econômica do contribuinte, sendo pois, dever expresso do Fisco, identificar se o contribuinte poderá ou não, ser tributado para mais ou para menos.

Contudo o princípio constitucional da capacidade contributiva, há que ser analisado em perfeita simetria com o disposto no Inciso II, do artigo 150, da C.F., onde se encontram inseridas as “ limitações do poder de tributar”. Diz o artigo 150, Inciso II que:

…” art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; “…

Evidenciada está, portanto, que a idéia da progressividade há que ser verificada com base na capacidade econômica do contribuinte, e também na forma de tratamento igualitário, entre aqueles que deverão ser tributados.

Se levada ao pé da letra, a questão da progressividade do IPTU, deve ser considerada como a forma de tributar de maneira diferenciada, aquele que detiver maiores riquezas, gravando-lhe de maior ônus tributário, levando em conta em especial, a sua condição econômica. Mas desde que sejam observados os seguintes aspectos:

Daí se dizer que, que a progressividade do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), lastreada no artigo 145, § 1.º e também no artigo 156 § 1.º da C.F., é considerada de natureza simples, onde o Fisco adota alíquotas proporcionais a base de cálculo do imposto.

Contudo, não podemos esquecer que a Carta Constitucional cuida de outra modalidade de progressividade, denominada temporal cuja previsão encontra respaldo nos exatos termos do art. 182 § 4º, inciso II, cujo teor abaixo se transcreve:

…” Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor,exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. ”… (grifos e destaques nossos)

Neste caso, tem-se que a progressividade temporal do IPTU, funciona como uma forma de penalidade imposta ao proprietário de imóvel urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, sempre que o contribuinte se negar a conferir o uso e o aproveitamento adequado ao seu imóvel, em total descumprimento ao disposto no “ Plano Diretor”.

Tal penalidade é aplicada por lei, após a imposição da penalidade de parcelamento ou edificação compulsória e, nos termos de lei federal, embora entendam alguns que, no caso do IPTU progressivo no tempo, sendo um tributo de competência municipal, não haveria por que lei federal traçar-lhe qualquer limite, estando, portanto, apto o Município a criar o IPTU progressivo segundo seu próprio Poder Legislativo.

(v) PRECEDENTES QUANTO A ILEGALIDADE DA PROGRESSIVIDADE DO IPTU:

O Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 153.771-0-MG (julgado pelo Plenário do STF em 20.11.1996, nove votos a um, com acórdão publicado no DJU, Seção 1, em 05.09.1997), marcou o entendimento da Corte Suprema no que pertine aos limites previstos na Carta Constitucional destinados à instituição do IPTU com lastro no princípio da progressividade, cujo teor abaixo se transcreve:

…”EMENTA: – IPTU. Progressividade. – No sistema tributário nacional, o IPTU inequivocamente é um imposto real. – Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real, que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com arrimo no art. 156, § 1º (específico). – A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. – Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal.

Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o subitem 2.2.3. do setor II da Tabela III da Lei nº 5.641, de 22.12.1989, no Município de Belo Horizonte.”… (grifos e destaques nossos)

Entendeu, portanto, o STF que a progressividade expressa no art. 156 § 1º estava vinculada à progressividade temporal prevista nos termos do § 4º, do artigo 182 da Carta Constitucional.

Ainda nesta linha, convém mencionar julgamento proferido a unanimidade aos 25 de março de 1997, pela Colenda Segunda Turma do Egrégio Supremo Tribunal Federal, em exame de Recurso Extraordinário n.º 167.654-0-MG, que teve como Relator o Ministro Maurício Corrêa, assim descrito:

…” IPTU. Progressividade. Capacidade econômica. Imposto de natureza real. Impossibilidade. 1. A progressividade do IPTU, que é imposto de natureza real em que não se pode levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte, só é admissível para o fim extrafiscal de assegurar o cumprimento da função social da propriedade, obedecidos os requisitos previstos na Constituição Federal (art. 182, §§ 2.º e 4.º). 2. Precedente do Plenário. Recurso Extraordinário conhecido e provido ” … (STF, 2.ª Turma, RE 167.654-0-MG, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 25.03.1997, v.u., DJU 18.04.1997, p. 13.786). (grifos e destaques nossos)

Da mesma forma encontramos o precedente firmado em julgamento do Recurso Extraordinário n.º 204827-5-SP, havido em 12.12.1996, pelo Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal, que teve como relator o Min. Ilmar Galvão, e fora publicado no D.J.U. 25.04.1997. Ocasião em que a Corte Suprema, declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 10.921/90, que instituiu alíquotas progressivas ao IPTU em razão do valor do imóvel.

(vii) CONCLUSÕES:

Por todo o articulado, entendo que a progressividade do imposto predial e territorial urbano (IPTU), só poderá ser objeto de admissibilidade no sistema jurídico brasileiro, na medida em que os municípios tenham após amplo debate e discussão para com a sociedade, elaborado um plano diretor, destinado a reorganizar as cidades e também, com base neste, procedam a confecção de uma planta genérica de valores, revendo os valores dos imóveis possíveis de tributação.

Enquanto isto não ocorrer, evidentemente a instituição de alíquotas progressivas ao imposto predial e territorial urbano (IPTU), terá o condão de produzir efeitos de ordem confiscatória, ferindo frontalmente preceitos constitucionalmente consagrados, que facilmente poderão ser atacados através do Poder Judiciário!

Gilberto Marques Bruno é Advogado Tributarista e especialista em Direito Empresarial, Direito Público e Direito sobre Internet. Advogado sócio de MARQUES BRUNO Advogados Associados em São Paulo, ele foi Diretor da Quarta Turma do TRF- 3ª Região (SP). Pós-Graduado em Direito Empresarial e Direito Tributário pelo Centro de Estudos e Extensão Universitária das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU); Membro Efetivo da Comissão de Defesa do Consumidor da Secção de SP da OAB e Coordenador da Subcomissão de Serviços Públicos; Membro Colaborador da Comissão Especial de Informática Jurídica da Secção de SP da OAB; Membro da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico; Membro do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário; Membro do Instituto Jurídico da Associação Comercial de SP; Membro da Associação dos Advogados de SP; Professor do Curso de Pós-Graduação em E-Business do Instituto Brasileiro de Pesquisa em Informática da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É conferencista do Institute International Research do Brasil (IIR), possui inúmeros ensaios de direito tributário e direito sobre internet publicados em revistas especializadas nacionais e internacionais, websites especializados em direito tributário e direito sobre internet, tecnologia e segurança de informações nacionais e estrangeiros. Colabora com a Revista Electrónica de Derecho Informático – R.E.D.I. (América Latina e Espanha) gmbruno@aasp.org.br

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