Proibição de interpor recurso especial contra turma recursal viola isonomia

Autor:  Assis de Sousa Silva (*)

 

1. Nenhuma mudança com o advento do Novo CPC

Um dos princípios que mais se fala nos mais variados âmbitos é a isonomia. No Direito Constitucional, Administrativo, Eleitoral, Civil etc. Todos abordam e utilizam o princípio da isonomia para nortear as decisões que os jurisdicionados necessitam para compor uma lide.

Desse modo, por que alguns processos são analisados pelo STJ e outros não, sendo que o caminho escolhido para propor a demanda não partiu do interessado?

O novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei 13.105/2015, deveria ter inovado nesse sentido, com relação ao eecurso especial, no sentido de que pudesse ser interposto junto ao Superior Tribunal de Justiça, a fim de se poder reformar uma decisão das turmas recursais.

A criação dos juizados especiais deu-se por vontade do poder constituinte originário, quando, na Constituição de 1988, aprimorou o disposto na Lei 7.244/1984, que previa o juizado especial de pequenas causas.

A implementação desses órgãos desafogou substancialmente o trâmite de processos nas varas, porque deu celeridade e simplificação aos procedimentos até então adotados.

Com o advento da Lei 12.153/2009, foram criados os Juizados Especiais da Fazenda Pública, que, conforme rege seu Art. 2º, “É  de  competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos”.

Desse modo, deve-se reconhecer o inegável papel dos juizados especiais na difusão da justiça entre as camadas mais necessitadas.

Quando o poder constituinte originário utilizou o termo “tribunal”, ninguém imaginava que fosse seguido tão ao pé da letra, umas vez que as turmas recursais são partes integrantes dos tribunais.

Como não se chegava a um termo, o próprio STJ editou a Súmula 203, de 23 de maio de 2002: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”. O enunciado positivamente serviu para desamparar grande número de jurisdicionados que esperavam ter sua situação revertida.

2. Há dissenso no STJ

Muito se debateu sobre o verbete tribunal, pois essa palavra citada na Constituição Federal fez com que toda a corte superior negasse provimento aos recursos especiais advindo das turmas recursais, por não possuírem algumas prerrogativas elencadas no artigo 96 da CF.

O relator Ministro Athos Carneiro, voto vencido no REsp 21.664-7/MS, brilhantemente aduziu em seu relatório:

“Já sob o aspecto formal, que pode ser considerado o realmente fundamental, as Turmas Recursais, embora integradas por juízes de primeiro grau, desempenham função absolutamente idêntica à dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais de Alçada: apreciam as causas em segundo de jurisdição e em  colegiado, e suas decisões adquirem a mesma eficácia de coisa julgada formal e material”.

3. E as garantias constitucionais?  

Dois incisos do artigo 5º da Constituição relembram o direito de qualquer cidadão de ter seu pleito apreciado pelo poder jurisdicional que o Estado detém, auferindo-lhe todas as possibilidades de provar o alegado:

“XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”;

Desse modo, há uma omissão do Estado, no seu grau máximo de jurisdição, em não querer receber os litígios oriundos refutando decisões das turmas recursais, em virtude de tal procedimento sobrecarregar as funções do tribunal superior, incumbido das decisões que se embasam na afronta aos dispositivos infralegais.

Conforme reza a norma mandamental, o recurso especial, bem como o recurso extraordinário, é um recurso indispensável para assegurar o contraditório e a ampla defesa na sua totalidade.

4. A competência absoluta do Juizado Especial da Fazenda Pública

Quando foram criados os juizados especiais, pensava-se em desafogar a justiça comum, dando celeridade a causas de menor potencial ofensivo.

O tempo passou e não se pensou em mudar também os trâmites processuais no que diz respeito às decisões dos juizados especiais, em especial, às decisões das turmas recursais.

Tem-se um caso interessante em que um cidadão chamado José impetrou uma demanda a fim de obter do DF a quantia de pouco mais de treze mil reais (processo 2015.01.1.077109-5). O interessante no caso é que a 6ª Vara da Fazenda Pública declinou da competência, alegando ser o processo de competência exclusiva dos juizados especiais da Fazenda Pública. Veja-se parte da sentença:

“[…] Com efeito, o declínio da competência é a medida que se impõe, tendo em vista, sobretudo, a consequência perversa da prolação de uma sentença por Juízo absolutamente incompetente, que é sua futura cassação”.

Neste sentindo, confira-se a decisão proferida pela Instância Recursal deste tribunal:

“APELAÇÃO CÍVEL – VALOR ATRIBUÍDO A CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS – COMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DE FAZENDA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL. 1. O valor atribuído à causa deve ter por base o proveito econômico buscado pelas partes, o qual, reconhecido pelos autores como inferior a sessenta salários mínimos. 2. A competência dos Juizados Especiais de Fazenda Pública do Distrito Federal é absoluta, nos termos do art. 2º, §4º da Lei n. 12.153/2009 (dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.) 3. A sentença proferida por Juízo absolutamente incompetente é nula, devendo ser cassada. 4. Deu-se provimento ao apelo do Distrito Federal cassar a r. sentença e determinar a remessa dos autos a um dos Juizados Especiais de Fazenda Pública do Distrito Federal. (Acórdão n.600370, 20100111862912APC, Relator: SERGIO ROCHA, Revisor: CARMELITA BRASIL, 2ª Turma Civel, Publicado no DJE: 03/07/2012. Pág.: 38) (meus grifos).”

Nesse sentir, considerando o proveito econômico indicado pela própria parte autora no valor dado à causa e para evitar que sejam considerados nulos os atos decisórios proferidos por este juízo, por se tratar de competência absoluta, DECLARO A INCOMPETÊNCIA para o conhecimento e processamento do presente feito, conforme artigo 113 do CPC. Brasília – DF,  09/07/2015, às 14h42″.

Desse modo, caso seja alguma demanda alvo de decisão que viole dispositivo infralegal, então há de se concluir que esse cidadão não terá seu pleito analisado pelo STJ, ao qual foi destinada a competência para avaliar tais decisões.

Conclui-se, portanto, que o principio constitucional da isonomia está sendo violado, ao não se permitir que o cidadão tenha seu pleito analisado em todas as instâncias, uma vez que não lhe é assegurada a possibilidade de declinar-se da competência que é atribuída aos juizados especiais, em virtude de algumas delas serem absolutas, não restando outra opção.

Outro caso interesse ocorreu com relação a consumidora, lesada por companhia aérea, que teve sucesso em sua empreitada judicial. Como não poderia recorrer ao STJ por se tratar de sentença de turma recursal, a companhia impetrou RE junto ao Supremo.

Ao analisar o RE 351.750-RJ, e após efusivo debate, a corte decidiu não conhecer do recurso interposto pela companhia, alegando tratar-se não de transgressão de dispositivo constitucional, mas de ofensa a norma infraconstitucional, no caso, ao CDC.

Desse modo, pode-se por fim afirmar que a prestação jurisdicional não se completou, uma vez que instância superior abstém-se de analisar os litígios demandados.

 

 

 

Autor:  Assis de Sousa Silva é professor de Língua Portuguesa da Secretaria de Educação do DF e estudante de Direito do 6º semestre da Universidade de Brasília.


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