Projeto burocratiza e dificulta o registro de domínios no Brasil

Omar Kaminski*

A Comissão de Economia, Indústria, Comércio e Turismo (CEICT) da Câmara dos Deputados aprovou no dia 4 de junho, por unanimidade, parecer do deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), relator do projeto de lei nº 256/03, de autoria do senador Waldeck Ornelas (PFL-BA), que impõe requisitos e condições para o registro de nomes de domínio na Internet do Brasil.

Trata-se do mais rápido trâmite de um projeto de lei sobre Internet que se tem notícia até agora. Foi proposto no Senado em 9 de outubro do ano passado, aprovado por unanimidade na Comissão de Educação (CE), pela lavra do relator, senador Juvêncio da Fonseca (PMDB-MS), e já recebeu decisão terminativa do Plenário. Sujeito à revisão da Câmara dos Deputados, a teor do art. 65 da Constituição Federal, tramita em regime de prioridade e aguarda prosseguimento na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI).

De acordo com a proposta, nome de domínio é “o conjunto de caracteres, que identifica um endereço na rede de computadores internet” (art. 2º). A concessão do registro se dá ao primeiro interessado que o requerer – atendidos os requisitos estabelecidos pela proposição (art. 4º). As pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras que não tenham domicílio ou sede no Brasil poderão registrar domínios por meio de constituição de procurador domiciliado no País, com poderes específicos (parágrafo único do art. 3º).

Não há imposição de limite quantitativo para os nomes que podem ser registrados pela mesma pessoa física ou jurídica, e nem regras técnicas quanto ao número de caracteres ou categorias de domínio. Mas houve uma sensível ampliação nas condições de “nome não registrável”, já previstas no art. 2º, I, “b” do Anexo I da Resolução 001/98 do Comitê Gestor.

Segundo o art. 6º, são nomes não registráveis: I – palavras ou expressões de baixo calão ou ofensivas à moral e aos bons costumes, à dignidade das pessoas, bem como as que incentivem o crime ou a discriminação em função de origem, raça, sexo, cor ou credo; II – palavras ou expressões decorrentes de reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimos, de nome de domínio já registrado, ou das hipóteses previstas no art. 7º, capazes de induzir terceiros em erro; e III – os nomes que o órgão ou a entidade responsável pelo registro de nomes de domínio considerarem prejudiciais à conveniência, segurança ou confiabilidade do tráfego de informações na rede internet”. São critérios subjetivos, muitas vezes regionais ou vinculados a um determinado contexto, que podem acabar favorecendo julgamentos arbitrários e tolhendo a liberdade de expressão, em especial diante da ausência de concorrência no setor.

E pelo art. 7º, como prerrogativa de “respectivo titular” ou “legítimo interessado”, a existência de: VI – nome comercial e denominação registrada de pessoa jurídica; VII – marca registrada, e VIII – indicações de procedência e denominações de origem, tal como definidas nos arts. 177 e 178 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Ao que parece, o proponente procurou cercar todas as hipóteses, e acabou por sufocar as possibilidades de expansão natural e desvinculada de razões comerciais, do registro de marca como requisito assecuratório – e obrigatório, já que existem tantas outras opções e categorias de domínios além do popular “com.br”, inclusive internacionais, bem como das diversas classes de marcas.

A questão dos nomes “notoriamente conhecidos” revelou-se um verdadeiro imbróglio jurídico, quem dirá se transferida para nomes e apelidos de indivíduos, até então objeto de poucas disputas. Neste caso, o projeto de lei não levou em consideração a existência de um domínio específico para pessoas físicas em geral, o “nom.br”, que inteligentemente comporta dois níveis ou subdomínios. Pelo artigo 7º, temos como não registráveis, entre outros: I – nome civil, nome de família ou patronímico; e II – nome artístico, singular ou coletivo, pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos. Para a prova de “respectivo titular” ou de “legítimo interessado”, no caso do inciso I, por acaso será necessário consultar todos os Cartórios de Registro Civil? Ou os nomes próprios tornar-se-ão uma espécie de marca, em que a notoriedade poderá suplantar até mesmo a antigüidade?

São tantos “nãos” apostos no projeto que, mesmo diante de uma recente política pública de telecomunicações do governo que pretende “garantir o acesso a todos os cidadãos à Rede Mundial de Computadores (Internet)” (art. 4º, II do Decreto nº 4733/03), irão sobrar muito poucas opções ao postulante comum.

Poderá cada cidadão brasileiro possuir o seu, ou o registro restará vinculado a ditames contrários à inclusão social? Terá ele que que se contentar com emails “grátis”, fornecidos ou vinculados a terceiros, para que seja considerado um cidadão digital – apesar do registro de domínios brasileiro ser considerado um dos mais baratos do mundo – ?

Os domínios, hoje em dia, podem ser considerados extensões da soberania no Governo Eletrônico. O preceito do art. 1º, de domínio como “endereço”, resta totalmente descaracterizado diante de tantas regras, que escondem situações claramente conflitantes e sujeitas a resultados parciais.

Situações estas contrárias ao desenvolvimento e à liberdade e que, na contramão da agilidade trazida pela Internet, irão dificultar e burocratizar a sistemática de registro de nomes de domínio no Brasil. Um verdadeiro desserviço.

Omar Kaminski é editor de Internet e Tecnologia da Revista Consultor Jurídico, advogado especializado em Direito da Informática e responsável pelo site InternetLegal.

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