por Paulo Sérgio Restiffe
O sistema de franquia empresarial brasileiro, que propicia a distribuição e a comercialização por larga escala de produtos e serviços, é bastante complexo, compreendendo uma pluralidade de direitos e obrigações, entre as quais vale destacar: (i) outorga de direito de uso de marca ou de exploração de invenção tecnológica patenteada; (ii) utilização de obras literárias e layout arquitetônico (interno e externo); (iii) direito de uso de tecnologia de implantação e administração; (iv) direito de distribuir e comercializar produtos ou serviços específicos de uma rede de franquia; e (v) orientação e suporte operacional.
A maneira encontrada para organizar e disciplinar essa plêiade de direitos e obrigações é o contrato de franquia empresarial, que deve ter respaldo na Lei 8.955, de 15/12/1994, que regula essa modalidade de negócio.
Os instrumentos jurídicos do sistema de franquia empresarial são, basicamente, os seguintes: (i) Circular de Oferta de Franquia (COF); (ii) Pré-Contrato; e (iii) Contrato.
O interessado na implantação de sistema de franquia deve, antes da assinatura do pré-contrato ou do contrato e independentemente de qualquer pagamento, fornecer ao futuro parceiro a Circular de Oferta de Franquia (COF), por escrito, que contenha, obrigatoriamente, e em respeito ao princípio do disclosure, todas as informações essenciais e relevantes sobre o empreendimento. Observe-se que, consoante já decidido pelos Tribunais brasileiros, a COF que não atender às determinações legais por ser incompleta ou falaciosa enseja indenização ao franqueado por quebra de fidúcia. A COF, assim, é vinculativa para o franqueador, mas não o é para o franqueado.
Aceita a COF pelo franqueado, as partes podem estabelecer as condições gerais de contratação por meio de pré-contrato de franquia ou, se já estiverem certas dos termos da relação jurídica, o próprio contrato de franquia. O contrato de franquia empresarial, em linhas gerais, deve tratar dos seguintes pontos: (i) objeto da franquia; (ii) concessão de direitos de propriedade industrial e intelectual; (iii) território de atuação do franqueado; (iv) obrigações pecuniárias das partes; (v) prazo da concessão da franquia; (vi) direitos e obrigações do franqueador e do franqueado; (vii) causas e conseqüências da rescisão; (viii) sucessão das partes; (ix) hipóteses e conseqüências da cessão ou transferência da franquia; (x) cláusulas de confidencialidade e de não-concorrência; (xi) cláusula de mediação ou arbitragem.
Exige-se, ainda, que o contrato de franquia seja firmado na presença de duas testemunhas, não sendo necessário, porém, para a sua eficácia, o registro em nenhum órgão público ou privado, salvo em se tratando de contratos de franquia empresarial que impliquem transferência de tecnologia, para que produzam efeitos em relação a terceiros, e que devem ser registrados junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Em que pese a observância dessas linhas básicas para a formulação do contrato de franquia empresarial, é certo também que cada rede de franquia possui suas peculiaridades, de forma que cada franqueadora possui formato próprio de negócio e estipula condições contratuais neste sentido, inclusive no que se refere à remuneração, que é realizada de acordo com as suas regras, e utilizando-se muitas vezes até de nomenclatura específica.
A franquia empresarial, seja para o franqueador, seja para o franqueado, apresenta vantagens e desvantagens. As vantagens para o franqueador são as seguintes: (i) segurança e eficácia para a ampliação das suas operações empresariais; e (ii) baixo investimento para operacionalização. Para o franqueado, a principal vantagem é a possibilidade ensejada pela franquia de exploração de produto ou marca de sucesso, propiciando-lhe a oportunidade de ser proprietário do próprio negócio e a segurança de aliar-se a marca conhecida e amplamente difundida.
Entretanto, a franquia empresarial apresenta algumas desvantagens, em especial quanto aos franqueados que se sentem desamparados e desprotegidos pela atual legislação, a qual consideram abstrata, pouco descritiva e, ao deixar diversas brechas, enseja acirradas discussões judiciais.
No Congresso Nacional tramita Projeto de nova Lei de Franquia Empresarial. As propostas de reforma da atual lei de franquia empresarial são as seguintes: (i) transparência e equilíbrio nos direitos e deveres entre franqueadores e franqueados; (ii) segurança ao investidor brasileiro; (iii) preparo e experiência por parte do franqueador ao franquear; (iv) expansão do sistema de franquia para outros setores, inclusive para o setor público; (v) descaracterização da formação de grupo econômico e vínculo empregatício; (vi) maior controle no registro de marcas e patentes; (vii) indicação de regras de não-concorrência entre franqueador e franqueado na COF e fixação de território; (viii) informações ao franqueado de todas as pendências judiciais do franqueador que possam impossibilitar ou inviabilizar a operação; (ix) clareza nas informações ao franqueado sobre a existência de penalidades, multas ou indenizações contratuais por infração de obrigações, inclusive aquelas resultantes de perda e danos por rescisão contratual sem justa causa; (x) participação do franqueado através do conselho ou associação nas decisões sobre (a) política de preço da rede, (b) administração da taxa de franquia e programa de marketing, (c) fiscalização da aplicação dos recursos de fundo de publicidade e (d) quotas mínimas de compra e possibilidade de recusa; e (xi) fortalecimento das franquias como rede de negócios.
Em suma, esse Projeto de Nova Lei de Franquia Empresarial busca o seguinte: (i) forma pela qual os atuais franqueadores, e os franqueadores em potencial, possam planejar melhor o futuro de suas redes; (ii) maior proteção aos franqueados; e (iii) maior responsabilidade dos franqueadores.
Cabe ressaltar agora algumas questões relativas ao sistema de franquia empresarial que já foram decididas pelo Poder Judiciário, entre as quais as seguintes: (i) possibilidade de revisão judicial de contratos de franquia empresarial em caso de abusividade das cláusulas a que o franqueado adere e desde que se trate de hipossuficiente, debatendo-se ainda se as regras de defesa do consumidor aplicam-se ou não à relação de franquia empresarial; (ii) dever da franqueadora de prestar a devida fiscalização, supervisão e assistência ao franqueado, sob pena de, em caso de ocorrer prejuízos, ensejar a rescisão culposa do contrato e a correspondente responsabilidade indenizatória; e (iii) possibilidade de resilição unilateral do contrato de franquia empresarial por iniciativa do franqueado em caso de mora do franqueador.
Deve-se frisar, enfim, a recente alteração no aspecto tributário que envolvia o sistema de franquia empresarial. As autoridades fiscais brasileiras, equiparando o contrato de franquia empresarial ao contrato de licenciamento de marcas, que, em última análise e por interpretação analógica extensiva, seria um contrato de locação de bem móvel, em que há prestação de serviços, sujeitavam-no à incidência de tributação, no caso, ISSQN, imposto cobrados pelos Municípios e pelo Distrito Federal e relativos a prestações de serviços.
Os Tribunais pátrios sempre vinham decidindo pela não-incidência de ISSQN no contrato de franquia empresarial pelos seguintes motivos: (i) não-caracterização do contrato de franquia como atividade de prestação de serviços, mas sim como atividade empresarial de cessão de uso de marca e autorização para a sua comercialização, bem como (ii) não-tipificação de incidência desse tributo sobre o contrato de franquia empresarial, em obediência, inclusive, ao princípio da legalidade.
No entanto, posteriormente a essas decisões judiciais, houve a edição da Lei Complementar 116, de 31/07/2003, que estabeleceu a incidência desse tributo (ISSQN) sobre as remunerações decorrentes do sistema de franquia empresarial, cuja alíquota pode variar entre 2% e 5%, e cujo sujeito passivo principal é o franqueador, na qualidade de prestador do serviço, mas que, por substituição tributária, pode ser cobrada diretamente dos franqueados do sistema. Essa legislação, embora ainda sujeita a questionamentos judiciais por parte das entidades privadas representantes dos interesses dos franqueadores e dos franqueados, ainda depende de regulamentação específica pelos entes municipais e do Distrito Federal, que são os sujeitos ativos da exação tributária. No Município de São Paulo, foi editada a Lei 13.701, de 24/12/2003, que, alterando a legislação sobre ISSQN, fez incidir a cobrança desse tributo nas operações de franquia.
Diante de tudo isso, e ressaltados os aspectos práticos envolvidos, pode-se concluir que a indústria da franquia no Brasil é um mercado consolidado, em constante evolução, e com grandes expectativas de crescimento, sendo, portanto, uma excelente opção de investimento, além, é claro, de ser ótima alternativa para geração de negócios, emprego, renda e exportação.
Revista Consultor Jurídico, 20 de Outubro de 2004