Autor: Randolfe Rodrigues (*)
Esta semana, o Senado Federal deve votar o PLC 101/2015, que tipifica o terrorismo. O projeto é de autoria do Poder Executivo, que o justificou como necessário para atender às exigências do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI).[1]
No entanto, trata-se, no nosso entendimento, de uma demanda ilegítima, tendo em vista que a legislação penal brasileira já criminaliza as condutas que o referido projeto pretende punir.
Podemos citar três importantes leis, duas delas recentes, que já cuidam de combater o terrorismo: a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990) e a recém aprovada Lei do Conselho de Segurança da ONU (Lei 13.170/2015).
Nestas leis estão previstos respectivamente: instrumentos para a colaboração premiada e infiltração para identificação de organizações terroristas; a impossibilidade de aplicação de graça, anistia ou indulto, o cumprimento da pena em regime fechado desde o início e maior rigidez para a progressão de regime; e o perdimento de bens, valores e direitos que pertençam à pessoa física ou jurídica punida por participação comprovada no financiamento ou na prática de ações terroristas.
Estão aí, portanto, mecanismos para facilitar a investigação, para tornar mais gravoso o cumprimento da pena e para reprimir o financiamento das ações de terroristas.
O que mais é preciso? “Conceituar o terrorismo”, alegarão os defensores do projeto.
Porém, o conceito de terrorismo é de difícil definição. A Organização das Nações Unidas – ONU, vem tentando desde os atentados de 11 de setembro de 2001 avançar nessa definição sem sucesso. Já foi editada mais de uma dezena de atos normativos sobre o tema e ainda não há consenso universal sobre quais elementos são elementares do tipo penal “terrorismo”.
Por essa razão, temos que qualquer projeto de lei antiterrorismo carrega em si alto potencial lesivo à atuação dos movimentos sociais.
O texto em pauta para votação no plenário do Senado, de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSBD-SP)[2], ao tentar definir o tipo “terrorismo”, no artigo 2º, traz três pontos a serem observados: 1) a conduta em si (violência premeditada); 2) o efeito (terror generalizado); e 3) a motivação (extremismo político, intolerância religiosa ou de preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo).
Neste último ponto, encontra-se o que julgamos o maior problema do projeto. Ao incluir como um dos elementos caracterizadores do tipo penal a expressão “extremismo político” o relator abre espaço para a criminalização dos movimentos sociais.
Em que pese o esforço do autor do projeto em delimitar tal conceito (artigo 5º, inciso II), parece-nos que o resultado ainda é vago demais. Conceituar “terrorismo por extremismo político” como “o ato que atentar gravemente contra os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito”, é o mesmo que não conceituar, dada a amplitude da definição.
Hoje, sem essa lei, a atuação dos órgãos de Estado em relação aos movimentos sociais tem sido notadamente repressora. Deixar a cargo do aparato policial, do Ministério Público e do Judiciário a delimitação do que deve ou não ser considerado ação terrorista, é extremamente temerário.
Ressalte-se que já há exemplo na América Latina da aplicação desse tipo de legislação contra movimentos sociais legítimos. Em julho de 2014, o Chile foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em razão de sua má sucedida tentativa de tipificação do crime de terrorismo. Após a edição da “Ley Anti-Terrorista”, o judiciário chileno, com base na tipificação prevista naquela lei, condenou membros do povo indígena Mapuche que protestaram pela propriedade de terras ancestrais. A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou essa condenação uma violação à Convenção Americana de Direitos Humanos.[3]
O Brasil é reconhecido internacionalmente como um país com boas relações diplomáticas com o mundo todo, bem posicionado geopoliticamente e com baixo risco de ações de grupos terroristas.
Na verdade, o histórico latino americano demonstra haver um risco muito mais acentuado de “Terrorismo de Estado”, do que do terrorismo por parte da sociedade civil.
No Brasil, ainda estamos buscando curar as feridas da ditadura militar. Somos uma sociedade ainda lutando para consolidar os direitos e garantias individuais contra arbitrariedades do Estado. São inúmeros os exemplos: desde a resistência na apuração dos crimes cometidos pelos militares durante a ditadura, até a persistência da prática da tortura, execuções e desaparecimentos forçados pelas polícias nacionais e a vergonhosa atuação de membros destas em milícias e grupos de extermínio.
Vale destacar que a Constituição Federal de 1988 é resultante desse intenso processo de mobilização social do povo brasileiro contra a ditadura militar, daí seu viés garantista dos direitos individuais em face dos abusos perpetrados pelo Estado contra o cidadão.
Qualquer projeto que, como este, possa prejudicar direitos fundamentais de participação social e livre expressão do cidadão deve ser considerado materialmente inconstitucional.
[1] O GAFI é uma organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. (http://www.coaf.fazenda.gov.br/backup/atuacao-internacional/participacao-no-gafi)
[2] Disponível em: http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=181494&tp=1
[3] Nota disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/comunicados/CP_10_14.pdf
Autor: Randolfe Rodrigues é senador pela Rede (Amapá), bacharel em História e em Direito, mestre em Políticas Públicas (UECE) e Professor de Processo Constitucional do Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP)