Proposta de Lei sobre ICMS é prejudicial para empresas

por Raul Haidar

O Confaz (Conselho Nacional de Administração Fazendária), que reúne os órgãos de Fazenda ou Finanças dos Estados e do Distrito Federal, criou um Grupo de Trabalho para elaborar um ante-projeto de Lei Complementar que deverá ser encaminhado ao Congresso Nacional para uniformizar a legislação do ICMS.

Esse Grupo de Trabalho é formado por representantes das cinco diferentes regiões econômicas do País: Norte, Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, bem como representantes da Coordenação do Confaz e do Ministério da Fazenda.

Examinando tal ante-projeto, contendo 267 artigos e 6 anexos, distribuídos em 96 páginas, ficamos estarrecidos com seus inúmeros equívocos. Se tal matéria vier a ser transformada em Lei Complementar, os contribuintes do ICMS, os consumidores e toda a sociedade brasileira serão seriamente prejudicados.

Unificar a legislação — Os primeiros cinco artigos cuidam dos aspectos gerais de abrangência do ICMS , proibindo que as unidades da Federação criem leis próprias para sua regulamentação e pretendem definir as operações interestaduais. Há nesse aspecto uma perigosa ameaça ao princípio federativo, na medida em que os Estados perdem a possibilidade de legislar sobre tributo estadual.

Fato gerador — Nos artigos 6º ao 10, ao regular a hipótese de incidência (ou fato gerador) do imposto, começam os primeiros absurdos. A própria redação deixa a desejar quando pretende especificar os tipos de mercadorias sujeitas à tributação.

Pretende-se, por exemplo, tributar até mesmo serviços de correspondência, telegramas, serviços postais e de correio (artigo 6º, inciso IX, letra b).

Já o artigo 8º afirma que se pode cobrar o imposto por presunções, inclusive no caso de suposição de passivo fictício, suprimentos de caixa e mesmo nas hipóteses de venda por preço abaixo de custo. Tais situações têm sido historicamente repelidas pela Justiça, pois não se pode fazer lançamento tributário sem que haja prova de fato gerador. O ante-projeto, porém, quer transferir o ônus da prova para o contribuinte. Ou seja: o Fisco não precisará mais provar que houve compra e venda de mercadoria. Bastará um equívoco contábil para que se possa presumir fraude e exigir o ICMS.

Até com base em suposto aumento patrimonial não justificado da pessoa física que seja sócia de uma empresa, poderá justificar uma exigência de ICMS, caso prevaleça o que está no § 1º do artigo 8º do ante-projeto.

Exportações podem ser prejudicadas — Ao tratar da não incidência, o artigo 9º acaba prejudicando os exportadores, pois o § 2º, inciso II, diz que o imposto pode ser cobrado quando a mercadoria exportada vier a ser industrializada pelo destinatário. Assim, em tese, as exportações de produtos agro-pecuários, hoje muito importantes em nossa economia, poderão ser prejudicadas.

O inciso VIII do artigo 12 prevê cobrança do ICMS sobre água canalizada!

Consumidores — No artigo 21 a questão da responsabilidade tributária é tratada de forma confusa. Pretende-se até que consumidores sejam responsáveis pelo imposto quando não recebam a nota fiscal (inciso XV).

Contadores — Até mesmo contadores ficariam responsáveis pelo não pagamento do imposto, quando ocorrerem erros na escrituração, sem que o projeto se preocupe em saber se tais profissionais possam ter conhecimento da falha ou mesmo se dela tenham se beneficiado.

Infrações — No campo das infrações, os artigos 105 a 128 ampliam exageradamente as possibilidades de autuação, além de aumentarem as multas. Muitas infrações que hoje são apenadas em alguns Estados com multas de 50% ou 75% do valor do imposto, passam a sofrer multas de 150%.

O aumento exagerado de multas impede que o contribuinte, que muitas vezes pratica infração por erro ou ignorância, possa regularizar sua situação com o pagamento. Isso de um lado estimula a corrupção, pois outorga ao agente fiscal um poder muito maior sobre o contribuinte, e de outro lado pode levar o contribuinte a sofrer um processo criminal que poderia ser evitado.

Microempresas — Outro exagero é a proibição para que micro-empresas ou empresas de pequeno porte possam ser administradas por procuradores. Essa proibição , contida no artigo 134, II, pode prejudicar as pequenas empresas, quando eventualmente seus titulares possam ter dificuldades para geri-las pessoalmente. Não se pode impedir que alguém se faça representar por procurador para administrar seu negócio.

Processos fiscais — Uma das falhas do ante-projeto, no trato do processo fiscal, é a que pretende impedir que o contribuinte, ao defender-se, questione a constitucionalidade ou validade da legislação. Isso está no artigo 190 do ante-projeto e, se aprovado, pode inviabilizar a defesa administrativa, provocando uma avalanche de processos judiciais. Outro retrocesso é tentar impedir a retirada de processos administrativos da repartição por advogados, assim violando prerrogativa consagrada pela lei 8906, já amplamente reconhecida pela jurisprudência.

A criação do Conat — O ante-projeto pretende criar o CONAT – Conselho Nacional de Administração Tributária, que teria o que se denomina de “capacidade processual” e teria diversas funções, muitas delas relacionadas com atos de legislar. Tal órgão seria de duvidosa constitucionalidade, pois seria transferir para funcionários do Poder Executivo atividades que pertencem às Assembléias Legislativas.

Conclusões — O ante-projeto é uma monstruosidade jurídica. Não se parece em anda como uma proposta de legislação tributária, assemelhando-se mais a um ato inquisitorial, ou mesmo um regulamento de disciplina anti-democrático, que dá excessivo poder ao Fisco e transforma todos os contribuintes em presumidamente culpados, sem a possibilidade de tentarem fazer prova em contrário!

O fato de não estar sendo divulgado o estudo, é mais um motivo de desconfiança. Parece-nos que está se mantendo segredo, para tentar, no apagar das luzes de um ano legislativo, tentar fazer com que o Congresso possa, distraidamente, sem qualquer discussão, empurrar tal monstrengo pela goela abaixo da sociedade brasileira.

Caso essa matéria seja aprovada como está, certamente inibirá os novos investimentos de que o País tanto necessita e poderá até mesmo desmotivar os empresários que já estão investindo.

Revista Consultor Jurídico, 9 de Novembro de 2004

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