Autor: Eli Alves da Silva (*)
Muito tem se buscado em termos de alternativas de meios para solução das pendengas trabalhistas por meio da mediação e conciliação, porém, nenhuma exclui a necessidade inicial de apresentação ou instalação do conflito via Poder Judiciário. Isso porque o nosso sistema processual trabalhista não traz alternativa de solução sem que antes o conflito seja instalado, pois as alternativas extrajudiciais apresentadas na área trabalhista, como a Comissão de Conciliação Prévia, a arbitragem, etc., não trazem segurança jurídica, principalmente para o empregador, que apesar de conciliar, não se livra de um eventual processo judicial onde o empregado poderia reivindicar algo mais além do que foi recebido.
Acredito que o próprio Poder Judiciário trabalhista, através de seus tribunais, sejam regionais ou superiores, poderiam contribuir para a agilidade na solução dos conflitos trabalhistas, na medida em que passassem a admitir a autocomposição na Justiça do Trabalho.
Fundamento legal
Considerando que a CLT é omissa em relação à autocomposição, recorrer-se-á subsidiariamente ao Código de Processo Civil, para sua aplicação, nos termos do artigo 769, que determina:
Artigo 769
“Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título.”
Assim sendo, é perfeitamente possível a aplicação na Justiça do Trabalho da autocomposição, prevista no artigo 725, inciso VII, do Código de Processo Civil:
Artigo 725
“Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o pedido de:
VII: homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor.”
Desta forma, considerando que a autocomposição é compatível com as normas determinadas pela Consolidação das Leis do Trabalho, e que, ao mesmo tempo, vem ao encontro das normas celetistas que buscam a conciliação para solução dos conflitos trabalhistas instalados, bem como está em consonância com todas as orientações dos nossos Tribunais, assim como do próprio Conselho Nacional de Justiça, nada justifica a não adoção da autocomposição na Justiça do Trabalho. Por qualquer ângulo que se analise essa sistemática é possível verificar a sua compatibilidade aos princípios que buscam minimizar os conflitos judiciais em nossa sociedade.
Proposta preliminar
Por amor ao debate e ao aperfeiçoamento das ideias, tomo a liberdade da apresentação, em linhas gerais, de proposta para o procedimento da autocomposição, nos seguintes termos:
a) As partes devidamente representadas por seus respectivos advogados apresentariam ao Juízo do Trabalho competente, por petição, constando breve relato dos fatos, bem como os elementos, direitos conciliados e forma de cumprimento, com a discriminação das verbas e valores a serem pagas, tanto salariais como indenizatórias. Após a homologação, com os recolhimentos das eventuais custas e encargos fiscais, os autos seriam arquivados;
b) Eventual decisão do Juiz de primeiro grau pela não homologação, caberia recurso ordinário para o Tribunal Regional respectivo. Atualmente, mesmo no transcurso do processo judicial, havendo recusa do juiz de primeiro grau em homologar o acordo, não é cabível recurso para a instância superior;
c) Em caso de haver qualquer irregularidade ou ilegalidade em prejuízo a uma das partes, poderia ser questionada a autocomposição homologada judicialmente, através de ação anulatória, perante o Juízo responsável pela homologação, com a possibilidade de recurso ao tribunal correspondente, no prazo de 6 meses.
d) O autor da ilegalidade responderia nos termos da Lei Civil e Penal e, no caso de ato praticado por advogado, também responderia junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB.
Abrangência política
Ademais, nem só no aspecto legal tem-se o amparo para aplicação da autocomposição na Justiça do Trabalho, mas também no que diz respeito ao âmbito político, pois essa alternativa prestigiaria todos os envolvidos, ou seja: as partes, através de suas respectivas manifestações de vontade; os advogados, pois cada uma das partes estaria representada e assistida tecnicamente; os magistrados, pois a proposta de autocomposição seria submetida ao Judiciário que representado por um de seus membros poderia apreciar e decidir quanto à sua homologação, que teria efeito de coisa julgada. Sendo que, nos casos em que estiver demonstrada eventual divergência ou inconsistência teria a oportunidade de não efetivar a homologação, cabendo recurso dessa decisão ao tribunal regional respectivo.
Portanto, a autocomposição é uma forma segura para todas as partes, pois envolve todos os profissionais e técnicos indispensáveis nessa relação, contribuindo e dando condições para que os conflitos possam ser minimizados, já que haveria uma alternativa para solução de eventual conflito futuro, sem que fosse imposta a instalação do litígio para só depois se buscar a conciliação. Com isso, em um primeiro momento, não haveria necessidade de movimentar toda a máquina judiciária trabalhista.
No sistema atual, mesmo com as alternativas de conciliação no processo do trabalho, onde o juiz tem a obrigação de tentar, bem como utilizar do seu poder de persuasão para obter sucesso, conforme previsto no artigo 764 da CLT, não se consegue evitar que o conflito seja instalado. A autocomposição, com uma regulamentação efetiva e objetiva será um meio eficaz para acelerar a solução dos eventuais conflitos individuais trabalhistas, dando maior celeridade para atender o objetivo das partes que é a segurança jurídica.
Extinção da burocracia processual
Hodiernamente, mesmo que as partes tenham interesse em se autocompor, se faz necessário propor a reclamação trabalhista, que será distribuída, juntando todos os documentos que terão por objetivo a realização das provas documentais, com toda a movimentação da maquina judiciária com expedição de notificações e publicações, mesmo que através do Processo Judicial Eletrônico (PJe). A reclamada, por sua vez terá que elaborar sua defesa, com juntada de documentos. Por uma questão de segurança processual, as partes terão a necessidade de apresentação e deslocamento das respectivas testemunhas. Ou seja, além das partes dependerem de todos esses atos burocráticos desnecessários, também causa prejuízos à própria economia do país, na medida em que as testemunhas de ambas as partes, bem como o reclamante e o representante da reclamada, terão que se deslocar para comparecimento em juízo.
Estrutura insuficiente e monstruosa demanda
Todos os envolvidos direta ou indiretamente com a Justiça do Trabalho sabem da grande demanda de litígios existente nesse ramo do Poder Judiciário. Muito pode ser analisado e debatido sobre as razões do aumento dos litígios levados diariamente para serem solucionados. Não é necessário muito esforço e nem mesmo concentração para se chegar à conclusão que, cada vez mais o cidadão brasileiro está tomando consciência e exercendo a cidadania, o que passa, obviamente, pela exigência de seus direitos, Nesse contexto, o trabalhador, de maneira geral, tem tido cada vez mais conhecimento dos seus direitos e, com isso, vem associado o espírito reivindicatório.
Na medida em que grande parte das empresas não cumpre espontaneamente suas obrigações oriundas da relação de trabalho, assim como a fiscalização, que poderia ter uma atuação preventiva ou corretiva deixa a desejar, principalmente em razão da sua falta de estrutura material e de recursos humanos, o destino de todas essas irregularidades passa a ser o Poder Judiciário trabalhista — última alternativa e esperança de quem vê o seu direito se esvair. Para que esses conflitos possam ser solucionados entram em ação vários personagens: as partes, os advogados, o Ministério Público do Trabalho, os servidores públicos e os magistrados.
Ninguém ignora que o número de conflitos nessa área que envolve a relação entre capital e trabalho tem crescido permanentemente. Sabemos que o maior Tribunal Regional do Trabalho é o da 2ª Região, cuja jurisdição envolve a cidade de São Paulo, Guarulhos e região, Osasco e grande São Paulo, região do ABCDMR, além dos municípios da Baixada Santista, atendendo uma população de mais de 20 milhões de habitantes em 2014, uma das dez regiões metropolitanas mais populosas do mundo, com 39 municípios e 177 varas do trabalho.
Sabe-se que essa estrutura é insuficiente para suportar a monstruosa demanda. Não se tem dúvida que a tendência é o aumento cada vez maior do descumprimento das obrigações trabalhistas e, consequentemente, o número desses conflitos.
O aumento das ações trabalhistas exigirá o crescimento da estrutura material e contratação de recursos humanos. Essa situação se agrava com a crise econômica que o país enfrenta e que tem reflexos negativos nas empresas, independente de seu porte. Por outro lado, em razão da falta de recursos financeiros, o governo federal impôs um corte orçamentário de 90% nas despesas em investimentos e 30% nas de custeio do Poder Judiciário trabalhista. A manutenção desse corte levaria ao fechamento das portas da Justiça do Trabalho já em agosto ou setembro de 2016.
Felizmente, atendendo as pressões e reivindicações apresentadas por todas as classes envolvidas com o Poder Judiciário: trabalhadores, empresários, advogados, servidores, magistrados e outros, o Governo Federal, por meio de Medida Provisória 740, de 13, suplementou o orçamento destinando crédito extraordinário de R$ 353,7 milhões, com o que segundo previsões será possível manter a duras penas a atividade do Judiciário trabalhista, sem qualquer investimento adicional.
Esse estado de coisas que se apresenta à Justiça do Trabalho é muito perigoso, pois faltando recursos faltará ainda mais agilidade na solução dos conflitos, o que já acontece hoje, levando a um maior descontentamento principalmente à classe trabalhadora. Em consequência atingirá o agravamento do conceito da Justiça do Trabalho. Verifica-se muita discussão sobre a tentativa de precarização do direito do trabalho no Brasil, porém, não se pode descuidar das ações que silenciosamente buscam precarizar a própria Justiça do Trabalho.
Nesse contexto, assistimos constantemente esforços objetivando meios para agilizar a soluções dos conflitos trabalhistas, porém, todos sabem que através do meio tradicional de se fazer justiça, com respeito aos princípios constitucionais do amplo direito de defesa, ao devido processo legal e outras indispensáveis garantias constitucionais, o processo será sempre lento.
Portanto, chegou a hora e a vez de desburocratizar o processo trabalhista, principalmente, nos casos em que haja possibilidade de autocomposição.
Autor: Eli Alves da Silva é advogado especialista em Direito Empresarial. Conselheiro da OAB-SP, presidente da Comissão de Direito Material do Trabalho e da Comissão de Direito Antibullyng. Ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo.