Autor: Victor Cavalcanti Couto (*)
O mês de abril é conhecido por ser um mês movimentado para os advogados empresariais da área societária, visto que é quando se encerra o prazo de muitas empresas para realização da reunião dos sócios das sociedades limitadas, estabelecido no artigo 1.078 do Código Civil. Por tal razão, é praxe surgirem diversos questionamentos sobre o assunto por parte dos clientes. Inicialmente, destaca-se que, conforme previsto no CC, é obrigatória a realização da reunião dos sócios nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, para tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico, dentre outros.
Nessa perspectiva, a Lei 11.638/2007, que estendeu a todas as sociedades de grande porte as disposições relativas à escrituração e elaboração de demonstrações financeiras estabelecidas na Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.), provocou impactos consideráveis na rotina das sociedades limitadas. O parágrafo único do artigo 3º do referido diploma legal define como sociedade de grande porte a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240 mil ou receita bruta anual superior a R$ 300 mil. Dessa maneira, depreende-se que as sociedades limitadas de grande porte devem observar o estabelecido na Lei das S.A. no que tange à escrituração e elaboração das suas demonstrações financeiras.
Aspectos controversos da Lei 11.638/2007
Surgiram, assim, duas principais controvérsias com a entrada em vigor da Lei 11.638/2007. A primeira delas diz respeito à necessidade de publicação das demonstrações financeiras em órgãos da imprensa oficial. Já a segunda, é referente à prova, por parte das limitadas de pequeno e médio porte, de que não se encaixam nos parâmetros de sociedade de grande porte estabelecidos no diploma legal.
Primeiramente, destaca-se a batalha judicial a que a redação do art. 3º da Lei 11.638/07 deu início. Ao estabelecer a obrigatoriedade de escrituração das demonstrações financeiras, o legislador silenciou quanto à obrigatoriedade de publicação das referidas demonstrações, o que deu abertura para uma série de interpretações divergentes, instalando um ambiente de instabilidade, tendo em vista que diversas Juntas Comerciais, por meio de instruções normativas, passaram a exigir a efetiva publicação das demonstrações como requisito para o registro dos respectivos atos societários.
A Jucesp, por exemplo, estabeleceu em sua Deliberação 2/2015 a referida obrigatoriedade de publicação do balanço das sociedades de grande porte em órgão da imprensa oficial, sob pena de indeferimento do registro do ato.
Concomitantemente, começaram a ser impetrados diversos Mandados de Segurança, a fim de garantir o registro das atas de assembleia das sociedades limitadas cujos balanços não foram publicados na imprensa oficial, tendo em vista que a Lei não trata expressamente da obrigatoriedade de publicação. Os argumentos mais utilizados no mérito das ações são os de que, apesar de constar na ementa do diploma legal o termo “divulgação”, o seu art. 3º não trata da obrigatoriedade de publicação.
Dessa maneira, levando-se em consideração a independência entre os atos de escrituração, elaboração e publicação das demonstrações financeiras — incluindo a independência com a qual são tratados na própria Lei das S.A., que reserva seção separada para tratar da publicação —, não deveria haver obrigatoriedade de publicação das demonstrações das sociedades limitadas.
Ocorre que, apesar de todos os esforços, o assunto ainda não é pacífico nos tribunais do país, muito menos na prática diária das Juntas Comerciais. Consequentemente, muitas sociedades limitadas são levadas a terem gastos com publicações, que seriam desnecessários, caso o art. 3º da Lei 11.638/07 fosse aplicado de forma mais realista e contextualizada com a Lei das S.A.
Dentre os precedentes sobre o assunto, destaca-se o posicionamento dominante do TRF da 3ª Região, como representação daquela que nos parece ser a correta interpretação da legislação em comento:
MANDADO DE SEGURANÇA. SOCIEDADE DE GRANDE PORTE. JUNTA COMERCIAL. PUBLICAÇÃO DE DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. OBRIGATORIEDADE AFASTADA.
I – O mandado de segurança é remédio constitucional destinado a proteger direito liquido e certo sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade. II – A Lei nº 11.638/2007, ao ampliar o alcance das normas de contabilidade das companhias, menciona exclusivamente a escrituração e a elaboração de demonstrações financeiras (artigo 3º). As sociedades que não sejam anônimas ficam obrigadas a preencher livros específicos e a desenvolver, além do balanço patrimonial e do resultado econômico, o de lucros ou prejuízos acumulados e o de fluxos de caixa (artigos 176 e 177 da Lei nº 6.414/1976). Não existe qualquer referência à publicação. Como a contabilidade tradicional das sociedades civis e limitadas não prevê a divulgação das demonstrações financeiras pela imprensa oficial e por jornal de grande circulação, a alteração deveria ter sido explícita. III – A impetrante, como sociedade limitada de grande porte, não está obrigada aparentemente a publicar as demonstrações financeiras pela imprensa oficial e por jornal de grande circulação. IV – Apelação provida. (TRF-3 – AMS: 00233345220154036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, Data de Julgamento: 01/02/2017, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/02/2017)APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE EMPRESA. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. SOCIEDADES DE GRANDE PORTE NÃO CONSTITUÍDAS SOB A FORMA DE S/A. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
I. O artigo 3º da Lei 11.638/07 limitou-se a estender às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, apenas no que tange à “escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários”. II. Deste modo, exorbita da referida legislação (art. 3º da Lei 11.638/07), impor, por meio da Deliberação JUCESP nº 02/2015, às sociedades de grande porte, não sujeitas ao regime da Lei nº 6.404/76, a obrigatoriedade de publicação Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício, em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado. III. Dessa forma, não havendo menção no artigo 3º, da Lei nº 11.638/07 quanto à publicação destes, inviável a ampliação da norma por parte da JUCESP. IV. Apelação a que se nega provimento. (TRF-3 – AMS: 00126867620164036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, Data de Julgamento: 07/02/2017, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/02/2017)
Já com relação ao segundo ponto a ser tratado, destaca-se que caso a sociedade não se encaixe no conceito de sociedade de grande porte, as Juntas Comerciais têm regulado o procedimento a ser seguido pela sociedade, a fim de que não lhe sejam aplicadas as exigências estabelecidas na Lei 11.638/07. A Jucesp, por exemplo, na mesma Deliberação 2/2015, estabeleceu em seu artigo 2º que será dispensada a apresentação da publicação do balanço mediante a apresentação de “declaração” de que não se trata de sociedade de grande porte nos termos da Lei 11.638/2007, firmada pelo administrador, conjuntamente com contabilista, devidamente habilitado.
Depreende-se, portanto, que a análise de cada caso específico demanda, além da conformidade dos procedimentos com o estabelecido na Lei 11.638/2007, diligências junto às Juntas Comerciais às quais as sociedades limitadas se submetem, para que seja verificado, especificamente, se há algum ato, instrução normativa ou deliberação que trate do assunto e estabeleça regras diversas das já estabelecidas na Lei vigente.
Apesar de nos parecer flagrante a ilegalidade da exigência de publicação das demonstrações financeiras das sociedades limitadas de grande porte nos órgãos de imprensa oficial, enquanto não se pacifica a questão no judiciário, não há alternativa senão se submeter às interpretações peculiares das juntas comerciais, sob pena de paralisação da vida das sociedades, o que pode trazer ainda mais prejuízos que os que já são provocados com a exigência da publicação.
Autor: Victor Cavalcanti Couto é advogado especialista em Direito Empresarial.