Punição x Recuperação: o verdadeiro interesse social por trás das sanções penais

Já estamos habituados a acompanhar, quase que diariamente, rebeliões sangrentas, resgates audaciosos, e fugas em massa de presídios, casas de detenção, delegacias e inclusive instituições penais para menores infratores.

Será que as autoridades policiais, bem como os responsáveis em garantir a segurança e a ordem em tais institutos carcerários não estão cumprindo com o seu dever adequadamente, deixando que indivíduos perigosos retornem à sociedade assim, pulando um muro, cavando um túnel ou até mesmo saindo pela porta da frente impunemente? Talvez esse não seja o questionamento primordial a ser feito, mas sim um que buscasse os verdadeiros fatos geradores dessa crescente e aterrorizante revolta por parte da população carcerária.

Apenas uma razão muito forte e real levaria pessoas a subir em um telhado, quebrar todas a telhas de um lugar que, pelo menos naquele instante, é o seu teto, e ainda atear fogo aos colchões que são suas próprias camas. Ah, é porque são animais; essa é uma justificativa freqüentemente utilizada. Mas acontece que por mais que tentem desumanizá-los e revesti-los em “pele de lobo”, se tratam de seres humanos, e em sua grande maioria perfeitamente racionais. A resposta verdadeira, na realidade, é bem simples e já conhecida: os maus-tratos e a violência despropositada aos quais são submetidos enquanto sobrevivem nesses locais. E realmente é uma questão de sobrevivência, pois muitos que entram não saem com vida.

É impossível não reconhecer que a violência apenas gera mais violência; é como tentar apagar um incêndio utilizando querosene.

A legislação e todo o sistema penal foram concebidos – e evoluíram até hoje – com o intuito de aperfeiçoar a vida em sociedade, protegendo bens jurídicos fundamentais, como a vida, a integridade física e a propriedade privada, dentre vários outros.

As sanções penais representam o caráter punitivo das leis; são previsões expressas pelo legislador para serem aplicadas em caso de ameaças ou ataques efetivos aos bens jurídicos protegidos, com a intenção fundamental de, primeiramente, reprimir e penalizar o transgressor, e, consecutivamente, reabilitá-lo para seu retorno à sociedade.

Imperioso reconhecer que esse último estágio – a reabilitação – faz parte do processo geral, e, caso não ocorra ou seja mal executado, então o processo como um todo estará severamente prejudicado, pois de nada adianta a eficiência das autoridades em prender e condenar um criminoso para, depois, devolvê-lo à sociedade do mesmo jeito que entrou, ou, às vezes, bem pior. Portanto, não se pode nunca esquecer que, independentemente da ofensa criminal e da penalidade aplicada, o condenado, mais cedo ou mais tarde, retornará ao convívio social.

Um indivíduo que, além de ter cumprido a pena legal imposta em face do crime que cometeu em um local sem infra-estrutura e condições básicas, ainda foi alvo de torturas, abusos e humilhações, fatalmente retornará à mesma vida criminosa anterior, desta vez com ainda mais ódio e rebeldia, e suas vítimas, entregues à própria sorte, podem ser qualquer um de nós.

Não se pode cair na ilusão de que a cada criminoso preso ou a cada quadrilha desmanchada estamos mais seguros, vivendo num mundo melhor, apenas pelo fato da prisão em si, afastando-os da sociedade, mas, com certeza, naquele mesmo momento outros estarão fazendo o caminho oposto, de volta, ao nosso redor, como depois farão esses.

Faz-se necessário, lógico, que sejam tratados com rigidez e severidade, em consonância com a condição momentânea em que se encontram – de detentos do sistema carcerário – o que não deve ser confundido com abuso e violência, como geralmente acontece. É essencial que recebam um tratamento digno, humano, e se dadas as devidas oportunidades de estudo e aprendizado profissional, como oficinas, hortas e afins, a própria sociedade será a maior beneficiada. É um investimento com retorno garantido: um preso não significa um infrator a menos; um indivíduo recuperado sim. Esse é o verdadeiro interesse social por trás das sanções penais.

* Alexandre Sampaio Guizardi
Advogado graduado pela Universidade Federal do Ceará, sócio do escritório Guizardi Advocacia em Fortaleza-CE

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