Punições contra a corrupção ganham visibilidade

Por Ivette Senise Ferreira

Sabem todos os que se interessam por história, particularmente a do Brasil, que a corrupção é uma moléstia endêmica no país, atribuindo-se a sua existência aos primórdios de nossa formação política e institucional. Mas o seu agravamento nos últimos tempos atingiu níveis inimagináveis, no entender das próprias autoridades encarregadas da manutenção da ordem pública. Os meios de comunicação diariamente nos deixam estarrecidos com novas revelações sobre a descoberta de desmandos no setor público e uma enormidade de infrações, legais ou éticas, que, felizmente, começam agora a sofrer a merecida punição e o repúdio de uma sociedade que se tornara apática pela sucessão de episódios mal resolvidos e pela impunidade dos envolvidos. Aplausos merecidos são concedidos às iniciativas que visam à apuração dos fatos praticados por bandos de malfeitores que se instalaram nas altas esferas do poder, ameaçando a governabilidade no início deste novo governo — situação delicada que devemos contribuir para evitar.

A corrupção é geralmente definida pela ciência política como “o procedimento contrário às normas legais e aos princípios morais, adotado por quem visa a obter proveito ilícito para si ou para outrem”. Pode ocorrer tanto nas atividades da vida privada quanto nas da vida pública, e manifesta-se por enorme variedade de atos passíveis de serem classificados como tal.

Esses atos extravasam, e muito, a previsão legal instituída no Código Penal, no Título dos Crimes contra a Administração Pública, para o tipo denominado “corrupção”, nas suas duas formas — ativa (art. 333) e passiva (art. 317) —, cujo rigor da pena, que é de reclusão de dois a 12 anos, jamais cumpriu sua função intimidativa e inibitória para agentes despudorados, certos de sua impunidade, na melhor tradição brasileira.

O legislador chegou a fazer um esforço para coibi-la, com outras previsões legais inseridas em leis especiais, criminalizando as condutas mais gritantes que representam ações lesivas à administração pública nos diferentes setores, abarcando os casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função, os ilícitos contra a ordem tributária, a tramitação de licitações e os contratos da administração pública, e também os procedimentos eleitorais, a prática do tráfico de influências etc.

O problema, que diga-se de passagem não é exclusivo do Brasil, agravou-se a tal ponto que para enfrentá-lo foi realizada pela OEA – Organização dos Estados Americanos, em 29 de março de 1996, uma “Convenção Interamericana contra a Corrupção”, a que o Brasil aderiu, tendo sido aqui promulgada em 07 de outubro de 2002 pelo Decreto 4.410.

Esse documento internacional estabelece recomendações aos signatários para adotarem medidas repressivas e preventivas com o fim de detectar, punir e erradicar a corrupção, considerando que a mesma solapa a legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos. Afirmando que o combate à corrupção reforça as instituições democráticas e evita distorções na economia, vícios na gestão pública e deterioração da moral social, o preâmbulo da Convenção ressalta a importância de gerar na população dos países da região a consciência da existência e da gravidade dessa questão e da necessidade de reforçar a participação da sociedade civil na prevenção e na luta contra a corrupção.

O fato é que existem normas na legislação brasileira, as quais, em grande parte, atendem às exigências da regulamentação das condutas para o estabelecimento de uma sociedade mais justa e equitativa. Assim, é na sua aplicação, na prática, que reside a carência de sua eficácia, que leva, em geral, à impunidade dos corruptos e corruptores e ao consequente descrédito na Justiça .

Para isso, contribuem também a ausência de uma consciência ética dos cidadãos, anulada ou obstruída pela esperança, ou quase certeza, da sua impunidade, cegos pela ambição de poder ou de riquezas, mas também o mau exemplo que vem de cima, na família ou na sociedade, que também é responsável, em grande parte, pelo enfraquecimento dos valores éticos a serem respeitados, contribuindo para a atonia no comportamento moral. Cabe lembrar aqui o conhecido verso de Camões, antevendo a realidade: “O fraco rei faz fraca a forte gente”…

Por outro lado, os crimes de responsabilidade previstos para o exercício de qualquer função pública, que abrangem os atentados contra o livre exercício dos poderes constitucionais, os atentados contra o emprego dos dinheiros públicos, a gestão fiscal e outros procedimentos destinados à preservação do patrimônio público no exercício do poder, fazem parte de um amplo espectro de proteção legal da ordem pública, destinada a servir de profilaxia contra a corrupção e ao fortalecimento da lisura e moralidade na condução dos negócios da Nação, em seus vários níveis, que há décadas existe na nossa legislação, mas que não produziu ainda os efeitos esperados no tratamento da doença que corrói a fé e a esperança na Justiça, e que os recentes acontecimentos neste país conseguiram reativar.

Em boa hora, porém, anuncia-se uma mudança de mentalidade, quando a mais alta dirigente da nação se diz disposta a realizar uma “faxina ética” em seu governo, enfrentando os dilemas e os perigos de uma anunciada ingovernabilidade. É a oportunidade de intensificar-se a profilaxia necessária ao saneamento do atoleiro em que nos encontramos — provocado pela deletéria corrupção que contaminou todas as estruturas de poder neste país.

Todavia a tarefa não se afigura muito fácil, dada a extensão e profundidade da moléstia, que exige a contrapartida de um extenso número de medidas preventivas, algumas de difícil execução, em virtude do gigantismo e intervencionismo estatal, as práticas burocráticas e a excessiva carga tributária que favorecem o suborno e a advocacia administrativa, o sistema de representação política, que facilita o nepotismo, o clientelismo o fisiologismo, os financiamentos eleitorais que promovem os interesses de grupos privilegiados etc.

Considerando, porém, que o maior fator de incentivo à corrupção é a impunidade, vamos aplaudir as intervenções que, respeitado o direito de defesa dos acusados e o devido processo legal na sua apuração, começam a mudar o cenário político e a administração pública, simplesmente ao dar às leis já existentes a aplicação devida com a rapidez necessária.

Vamos, então, conceder à presidente Dilma um crédito de confiança pela atitude assumida, com coragem e determinação, nessa cruzada pelo reerguimento moral iniciado nos seus ministérios e que, esperamos, não esmoreça diante das dificuldades a enfrentar, e que se dissemine onde for necessário, contando, para isso, com o apoio e o incentivo de todos os que almejam um Brasil melhor.

Ivette Senise Ferreira é presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

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