Qualificação profissional, layoff e clubes de futebol

Nos últimos anos, ante à irrefreável necessidade de modernização das relações trabalhistas em nosso país, iniciou-se cadenciado processo de flexibilização da legislação laboral, o qual tem revelado, com justificados propósitos, especial cautela na preservação dos direitos fundamentais dos empregados.

Com efeito, a sexagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), assim como a legislação ordinária, têm sofrido alterações em alguns de seus aspectos, destacando-se a introdução de novas modalidades de contrato de trabalho por prazo determinado (Lei 9.601/98), o modelo dilatado de compensação de jornada por meio do banco de horas (CLT, artigo 59, § 2º), a regulamentação da “Participação nos Lucros e Resultados – PLR” (Lei 10.101/2000), a inauguração do trabalho em regime de tempo parcial (CLT, artigo 58-A), o impulso à contratação de cooperativas (CLT, artigo 442, parágrafo único), além da permissão do trabalho aos domingos no comércio, da ampliação das modalidades de terceirização, entre outras.

O presente estudo versará sobre a adoção, em nosso ordenamento jurídico, do instituto do layoff — suspensão temporária do contrato de trabalho para qualificação profissional. Mais particularmente, a pretensão é demonstrar que o novo mecanismo, além de se aplicar aos mais tradicionais ramos de produção, como montadoras de automóveis, pode ser utilizado no meio esportivo, como é o caso das relações de trabalho mantidas entre atletas profissionais e clubes de futebol.

O enfoque pretendido encontra razão de ser. É de notório conhecimento a crise enfrentada pelos clubes brasileiros de futebol. Salários de atletas inconexos com a realidade, multas contratuais superestimadas, instrumentos fraudulentos de cessão e uso de imagem, disputas judiciais acerca dos vínculos federativos de atletas, entre outras questões, têm aniquilado a capacidade financeira dos clubes de futebol.

A crise anunciada, muitas vezes, parece não evidenciar saída, e certas vozes apocalípticas, as quais não se preocupam em colaborar, optando pela simplória via da mera crítica à conduta de dirigentes desportivos, insistem em estreitar a discussão. Abandonam a necessária busca de soluções possíveis, contribuindo, tão somente, para o acirramento de idiossincrasias. A crise do futebol não decorre apenas de condutas isoladas. Tem origem muito mais complexa, como a própria retração das economias brasileira e mundial. Tal, no entanto, é tema para um extenso debate, inoportuno por ora.

Acredito que a ciência jurídica tem muito a contribuir para a superação das dificuldades hoje percebidas, proporcionando o aprimoramento das entidades de administração e prática desportiva, tão relevantes ao desenvolvimento social sustentado e à qualidade de vida da população.

Partindo, propriamente, em direção ao cerne da questão proposta, temos que o layoff, regulado, no Brasil, pelo artigo 476-A da CLT (Medida Provisória n.º 2164-41, de 24/08/2001), pode ser definido como uma hipótese legal de suspensão temporária do contrato de trabalho de empregados, deixando, o instrumento referido, de produzir seus efeitos apenas transitoriamente. Durante o período destinado ao layoff, não são devidos salários, tampouco ocorre a prestação de serviço. Os trabalhadores, desta forma, esperam ser chamados, em um momento seguinte, a ocupar seus antigos postos de trabalho. Essa prática está associada a uma tentativa, por parte dos empregadores, de adaptar seus custos às flutuações de demanda e receita que ocorrem nos meios produtivos, de modo a permitir maior flexibilidade de ajuste aos ciclos econômicos.

No contexto específico do debate apresentado, o incentivo aos clubes de futebol, no sentido de promoverem layoff, encontra-se, exatamente, na possibilidade de ficarem desobrigados quanto ao pagamento de salários e encargos em períodos de mais alongada inatividade, fato comum ante os critérios utilizados para a definição do calendário brasileiro de competições.

Verbi gratia, as agremiações que disputaram a serie “B” do Campeonato Brasileiro 2003, e foram eliminadas na fase inicial, permanecerão, na maioria dos casos, sem atividades oficiais durante 5 meses. Ao longo deste período, terão que arcar com os elevados custos da folha salarial do departamento de futebol, sem a atuação plena dos atletas a elas vinculados. Centenas de milhares de reais são gastos sem que receitas compatíveis com as despesas sejam geradas. Em situações como estas, a economia propiciada pela utilização do layoff pode significar a sobrevivência da entidade, ou, ao menos, garantia maior de pagamento tempestivo de salários e de preservação de empregos.

Nos Estados Unidos, tal prática tem se mostrado comum entre os empresários e os trabalhadores desde os anos 30 do século passado, principalmente nos setores sindicalizados. Os trabalhadores negociam com seus patrões, através de um acordo informal ou formal, podendo ou não ser chamados a reassumir seus postos de trabalho.

No Brasil, por força do regramento jurídico aplicável ao novo instituto, não poderá o empregado ser dispensado durante o layoff ou nos três meses subseqüentes ao término do período de suspensão, sob pena de ter o empregador de pagar, além das verbas rescisórias usuais, multa e sanções adicionais estabelecidas na negociação com o sindicato. O mecanismo prevê que os trabalhadores, em lugar de ser despedidos, entram em disponibilidade por um tempo razoável, até que o empregador recupere sua forças, retornando, então, ao trabalho.

O layoff, enquanto modalidade de suspensão do contrato, exige, para sua implementação legal, a formalização de negociação prévia com o sindicato. Permitida pelo sindicato, a suspensão deverá ser, após, negociada diretamente com os empregados, aos quais caberá o direito de recusar a proposta. Avençada a suspensão, dela haverá de ser comunicado o sindicato, com, ao menos, 15 dias de antecedência.

A suspensão perdurará por um período de 2 a 5 meses, podendo ser alterado mediante negociação com o sindicato, com o assentimento dos empregados.

A empresa, durante o período em que o empregado deixa de trabalhar, deverá propiciar cursos de qualificação profissional, arcando com todas as despesas decorrentes. Poderá, demais, oferecer, além de benefícios como vale-refeição, ajuda compensatória, em montante a ser definido na negociação com o sindicato, não apresentando natureza salarial o valor que vier a ser pago, não incidindo encargos de quaisquer espécies. Além disso, o empregado receberá, durante o período de suspensão de seu contrato, benefício correspondente ao seguro-desemprego, custeado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A suspensão contratual não poderá ocorrer mais de uma vez, no período de 16 meses. O layoff, para todos os efeitos, é considerado como ausência justificada do empregado, não afetando a normal aquisição das férias, a apuração do 13.º salário devido, entre outros direitos.

Ao término da suspensão, restabelece-se o contrato e volta o empregado ao trabalho, fazendo jus, inclusive, a todos os direitos conferidos à categoria durante o afastamento, como reajustes salariais (CLT, artigo 471).

A suspensão realizada em desacordo com o artigo 476-A da CLT, ou a prestação de trabalho durante o período respectivo, ainda que em jornada reduzida ou de modo não contínuo, tornará exigíveis todos os salários do período, além de sujeitar o empregador a autuação, por infração das normas legais relativas ao contrato de trabalho. O prolongamento da suspensão fora dos limites estabelecidos na negociação com o sindicato, enseja a rescisão imotivada do contrato de trabalho, nos termos do artigo 474 da CLT, sendo devidas todas as verbas rescisórias estabelecidas em lei.

É evidente que a questão proposta suscitará diversos tipos de contestação, como a dúvida quanto à aceitação das condições citadas pela maioria dos atletas, cuja carreira é mais breve em comparação com profissões comuns.

O fato concreto, cujo conhecimento se exige, é o da existência do mecanismo do layoff na legislação brasileira. É preciso ter em mente que o universo do futebol brasileiro não se restringe à realidade dos 24 clubes que disputam a série “A” do Campeonato Brasileiro. Ele é muito mais amplo e, no mais das vezes, envolve o emprego de dezenas e, até mesmo, centenas de funcionários da área social das entidades esportivas. O futebol brasileiro só alcançou o nível técnico atual por conta da massificação. Assim, os grandes clubes dependem da existência dos pequenos.

O mecanismo apresentado poderá, sem dúvida, revelar-se valioso ao equilíbrio econômico-financeiro dos clubes de futebol e à preservação de inúmeros empregos.

Marcos César Amador Alves é advogado, especialista em Direito do Trabalho e em Direito Desportivo e sócio do escritório Amador Alves Advogados.

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