Gilberto Marques Bruno
Breves considerações
As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, Estados, Distrito Federal e Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes às contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária (artigo 6.º e § único da Lei Complementar n.º 105 de 10 de janeiro de 2001).
De acordo com o Decreto n.º 3.724 de 10 de janeiro de 2001, que regulamenta o artigo 6.º da Lei Complementar n.º 105, de 10 de janeiro 2001, o exame das informações que caracterizam a quebra de sigilo, só poderão se realizar quando houver procedimento de fiscalização em curso, e, quando tais exames forem considerados indispensáveis.
De outra parte, o procedimento de fiscalização somente terá início em face de ordem expressa constante em Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), por auditor fiscal da Receita Federal. Contudo, nos casos de flagrante constatação da prática de infração à legislação tributária, que venha a colocar em risco os interesses da Fazenda Nacional, o procedimento fiscalizatório deverá ser iniciado imediatamente, e, no prazo de cinco dias, contados de sua data de início, será expedido MPF especial, no qual, será oficializada a ciência ao sujeito passivo.
Prevê ainda o indigitado Decreto, que o MPF não será exigido nas hipóteses de procedimentos de fiscalização que:
a) seja realizado no curso do despacho aduaneiro;
b) interno de revisão aduaneira;
c) de vigilância e repressão ao contrabando e descaminho, realizado em operação ostensiva;
d) relativo ao tratamento automático das declarações (malhas fiscais).
Quanto à competência para expedição do MPF, apenas e tão somente a autoridade fiscal ocupante do cargo de Coordenador Geral, Superintendente, Delegado ou Inspetor, integrante da estrutura de cargos e funções da Secretaria da Receita Federal.
Do excesso de poderes outorgados:
O exame de informações relativas a terceiros, que se encontra previsto no caput do artigo 2.º do Decreto n.º 3.724/01, serão considerados indispensáveis nas seguintes hipóteses:
a) sub – avaliação de valores de operações (inclusive de comércio exterior); de aquisição e/ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes valores de mercado;
b) obtenção de empréstimos de pessoas jurídicas não financeiras ou de pessoas físicas, quando o sujeito passivo deixar de comprovar o efetivo recebimento dos recursos;
c) prática de qualquer operação com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em país enquadrado nas condições previstas no artigo 24, da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996;
d) omissão de rendimentos ou ganhos líquidos, decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa ou variável;
e) realização de gastos ou investimentos em valor superior à renda disponível;
f) remessa a qualquer título, para o exterior, por intermédio de conta de não residente, de valores incompatíveis com as disponibilidades declaradas;
g) nos casos previstos no artigo 33, da Lei n.º 9.430/96;
h) as pessoas jurídicas enquadradas no CNPJ, quando a situação cadastral estiver cancelada, ou inapta nos casos previstos no artigo 81, da Lei n.º 9.430/96;
i) pessoa física sem inscrição no CPF ou com inscrição cancelada;
j) de negativa pelo titular da conta, da titularidade de fato ou da responsabilidade pela movimentação financeira;
k) presença de indício de que o titular de direito, é interposto pessoa titular de fato.
Quando as diferenças apuradas não excederem a dez por cento, dos valores declarados ou de mercado, nos casos previstos nas alíneas “ a “ a “ f”, não será aplicada a possibilidade de quebra de sigilo.
Para caracterização da presença de indício de interposição de pessoa, no sentido de que o titular de direito, é interposto por titular de fato, considerar-se-á ocorrência de indício quando:
(i) as informações disponíveis, relativas ao sujeito passivo, indicarem movimentação superior a dez vezes a renda disponível declarada, ou na ausência de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, o montante anual da movimentação for superior ao estabelecido no inciso II, do § 3.º do artigo 41, da Lei n.º 9.430/96;
(ii) a ficha cadastral do sujeito passivo, na instituição financeira ou ela equiparada, contenha:
a) informações falsas quanto ao endereço, rendimentos ou patrimônio; ou
b) rendimento inferior a dez por cento do montante anual da movimentação.
Evidentemente, tais disposições tornam os contribuintes extremamente vulneráveis diante da condição assegurada em lei, que outorga aos agentes públicos, sob a forma de procedimento fiscalizatório, a possibilidade de examinar os registros de movimentações financeiras.
Desta feita, ainda que se tenha em conta que a quebra no sigilo das operações de instituições financeiras, guarda na essência, o escopo do Governo Federal, em coibir a sonegação fiscal, é inadmissível o fato de que uma Lei de Natureza Complementar venha a conferir competência às autoridades fiscais integrantes da estrutura de cargos e funções da Secretaria da Receita Federal, e lhes assegurando poderes de verificação de informações e dados sigilosos, que até então só poderiam ser quebrados, mediante a intervenção e o crivo do Poder Judiciário, em total desrespeito ao Princípio da Inviolabilidade do Sigilo de Dados, consubstanciado no Inciso X, do artigo 5.º da Decana Carta Constitucional.
Mais do que um instrumento governamental destinado a coibir a sonegação fiscal, o texto traduzido na Lei Complementar n.º 105/01, e, regulamentado pelo Decreto n.º 3.724/01, tende a se transformar em mecanismo de arbítrio para satisfazer a voracidade arrecadatória do Fisco, instituindo verdadeiro terrorismo na vida dos contribuintes.
Resta saber, se a mais alta Corte de Justiça do País, ao se pronunciar sobre a legalidade da indigitada lei e seu decreto regulamentador, decidirá pela declaração de inconstitucionalidade, fazendo valer a sua função precípua de zelar pela Carta Constitucional, preservando assim, o equilíbrio dos Poderes Constituídos, que nada mais são, que os mandamentos essenciais para a sobrevivência das Instituições Democráticas e do Estado de Direito!
* Gilberto Marques Bruno é Advogado Tributarista e especialista em Direito Empresarial, Direito Público e Direito sobre Internet. Advogado sócio de MARQUES BRUNO Advogados Associados em São Paulo, ele foi Diretor da Quarta Turma do TRF- 3ª Região (SP). Pós-Graduado em Direito Empresarial e Direito Tributário pelo Centro de Estudos e Extensão Universitária das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU); Membro Efetivo da Comissão de Defesa do Consumidor da Secção de SP da OAB e Coordenador da Subcomissão de Serviços Públicos; Membro Colaborador da Comissão Especial de Informática Jurídica da Secção de SP da OAB; Membro da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico; Membro do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário; Membro do Instituto Jurídico da Associação Comercial de SP; Membro da Associação dos Advogados de SP; Professor do Curso de Pós-Graduação em E-Business do Instituto Brasileiro de Pesquisa em Informática da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É conferencista do Institute International Research do Brasil (IIR), possui inúmeros ensaios de direito tributário e direito sobre internet publicados em revistas especializadas nacionais e internacionais, websites especializados em direito tributário e direito sobre internet, tecnologia e segurança de informações nacionais e estrangeiros. Colabora com a Revista Electrónica de Derecho Informático – R.E.D.I. (América Latina e Espanha) gmbruno@aasp.org.br