Muita gente que ouviu falar da proposta de emenda constitucional que extingue a separação judicial prévia para a obtenção do divórcio fica surpresa quando lhes digo que, por enquanto, o divórcio no Brasil ainda ocorre da maneira tradicional. Isto é, o casal deve estar separado judicialmente há pelo menos um ano ou separado de fato há dois anos para que possa se divorciar. Ocorre que, devido ao grande destaque dado pela mídia à emenda, algumas pessoas entenderam que a modificação já estava em vigor. Mas não está.
Mudanças na Constituição Federal são assunto dos mais sérios. A separação judicial está prevista na Constituição e, por isso, para modificá-la, é necessário percorrer um longo caminho. Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) deve passar por comissões da Câmara e do Senado, para que sua constitucionalidade seja rigorosamente analisada. Depois disso, ainda é necessário que ela seja votada pelas duas casas, em dois turnos. Somente após todos esses procedimentos é que a emenda é enviada para ser sancionada pelo presidente da República e publicada no Diário Oficial, quando então entrará em vigor.
Em novembro, a emenda que extingue a separação judicial foi aprovada em primeiro turno pelo Senado. Portanto, resta esperar que ela seja aprovada em segundo turno e sancionada pelo presidente para que comece a vigorar.
A vantagem da emenda é agilizar o processo de divórcio. A legislação atual estabelece que, para se divorciar, o casal deve estar separado judicialmente há no mínimo um ano. Isso significa que os cônjuges devem recorrer aos procedimentos jurídicos necessários para obter a sentença da separação judicial. Eles também podem se divorciar se já estiverem separados de fato há dois anos – ou seja, separados sem qualquer formalidade legal. Mas, nesse caso, eles também precisam recorrer à Justiça para provarem que estão separados de fato.
Contudo, se analisarmos a fundo essas exigências, surge a pergunta: porque elas existem? Será que, ao estabelecer prazos e procedimentos burocráticos, o legislador espera que o casal tenha mais tempo para “pensar melhor” e talvez até mudar de ideia quanto ao divórcio? Se for esse o caso, trata-se de uma ingerência indevida e inútil na vida do cidadão. Afinal, quem tem responsabilidade para casar também deve ter responsabilidade para se separar. Trata-se de uma questão de foro íntimo, que não vai ser solucionada por meio da imposição de uma “quarentena” legal.
O que tenho visto ocorrer na prática, em meus anos de experiência como advogada especializada em Direito de Família e Sucessões, é que os casais realmente dispostos a se separar simplesmente se separam. E as exigências de prazos e condições para o divórcio, que em tese serviriam para proteger a família, na verdade exercem o efeito oposto. Muitas pessoas passam a viver com outras tão logo se separam, mas estão impedidas de contrair novas núpcias porque o divórcio ainda não foi obtido. Ou seja, o relacionamento anterior já foi dissolvido na prática, mas a nova relação ainda não pode ser oficialmente legalizada.
Conforme observou o senador Demóstenes Torres em seu parecer como relator da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania encarregada de analisar a emenda, “o que se observa é que a sociedade brasileira é madura para decidir a própria vida. Portanto, não é a existência do instituto do divórcio que desfaz casamentos, nem a imposição de prazos ou separações intermediárias que o impedirão”.
Ivone Zeger é advogada militante, especialista em Direito de Família e Sucessão.