Quando se mudou para uma casa própria em um bairro de classe média, com mulher e dois filhos novos, Alberto tratou imediatamente de se proteger a si e à família adquirindo uma arma de fogo – um revólver calibre 38. Quase toda madrugada, ele acordava assustado sempre que ouvia um barulho qualquer e, de arma em punho, vasculhava o jardim e o quintal à procura de um possível invasor. Por pouco, não chegou a fazer uma asneira com um parente que lhe visitava em hora imprópria. A situação chegou a tal ponto que ele preferiu trocar a casa por um apartamento e logo depois livrar-se da arma de fogo.
Este é apenas um relato, dentre tantos outros semelhantes, ouvidos no rádio, na TV, em delegacias de polícia, em entidades que defendem os direitos humanos, igrejas, ou postos da Polícia Federal, que recolhem armas da população, após a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em dezembro de 2003. São tantas histórias parecidas a essa que hoje é razoável afirmar que o porte de arma, seja em que circunstância for, não protege o cidadão contra qualquer ato de violência vindo de terceiros. Não há como alguém, que porta uma arma de fogo para se proteger, possa prever algo que estará sempre do lado daquele que tem a intenção de praticar um crime: o fator surpresa.
Por outro lado, a posse de uma arma de fogo, numa terra como a nossa, que está mais para o Texas americano do que para a Califórnia, dá uma tal sensação de onipotência ao indivíduo, que uma simples batida de carro ou um xingamento qualquer por parte de um motorista que passa ao lado, é suficiente para desencadear uma tragédia urbana (vide o caso do Juiz Percy, em Sobral, no Ceará). Isto seria evitado – embora os socos e pontapés possam também causar um bom estrago – se a arma de fogo não estivesse ali, ao alcance das mãos do valentão. Além disso, a presença de uma arma de fogo em casa ocasiona tragédias familiares no dia-a-dia, envolvendo irmãos, pais e filhos e marido e mulher.
De acordo com os dados coligidos pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH),dos 1.047 homicídios ocorridos em Mato Grosso do Sul, no período de 2002-2004 – o que representa em torno de 18 casos para cada 100 mil habitantes – uma média de 62% deles foram ocasionados por arma de fogo, contra 22% por arma branca; do total, 45% dos crimes ocorreram em vias públicas e 25% no interior das residências, envolvendo uma ou duas pessoas e causados, em geral, por conflitos interpessoais (35%).
O desarmamento, ao contrário do que afirmam os seus opositores, não pretende acabar com o problema da violência urbana ou rural no Brasil. Não tem a intenção de desarmar o cidadão e armar o bandido, como apregoam alguns políticos. Ele constitui, apenas, um instrumento a mais no sentido de reduzir os índices alarmantes de criminalidade que nos fazem campeões de mortes por armas de fogo em todo o mundo. As verdadeiras raízes da violência em nosso País, como se sabe, estão nas desigualdades sociais, na fome, na miséria, no inchaço das grandes cidades e na impunidade, dentre outros fatores.
É claro que existem aqueles que se opõem à campanha do desarmamento, especialmente no meio político. É a chamada “bancada da bala” existente no Congresso Nacional, que constitui um poderoso lobby a favor das empresas fabricantes de armas – e que delas recebem benesses –, que são contra todo e qualquer controle sobre a produção e comercialização de armas de fogo no Brasil. Estes políticos devem ser denunciados e cobrados em praça pública pela população brasileira e barrados nas eleições do próximo ano.
É vital, portanto, que a população brasileira esteja plenamente mobilizada e consciente sobre a importância da campanha do desarmamento por ocasião do plebiscito que irá acontecer em outubro deste ano. Neste sentido, está programado para o dia 21 de maio próximo, o Mutirão Nacional de Entrega de Armas, promovido pela CNBB, o Conic, a Visão Mundial e o Viva Rio e, outras entidades, no qual haverá postos de coleta de armas, com a presença da Polícia Federal, durante todo o dia, nas catedrais e igrejas cristãs nas 27 capitais brasileiras e em outras cidades estratégicas. Vá lá e entregue sua arma, em nome da paz.
Hermano de Melo*
Escritor e professor