Realidade para poucos, sonho para muitos

Por Marcos Vinicius Souza Mamede

O grande problema e também a maior fonte de crítica do Judiciário brasileiro é, sem dúvida, o tempo de duração de uma dada demanda judicial até a sua solução final, dito de outro modo, a morosidade judicial quanto à prestação jurisdicional.

É dentro deste contexto, e, sobretudo, de atendimento ao princípio da duração razoável do processo, que se buscou no processo eletrônico um meio de se atingir o objetivo de maior celeridade na administração da Justiça.

Com o advento da Lei 11.419/2006, primeiro passo para a implantação do processo eletrônico no Brasil e a partir de quando efetivamente muito se passou a discutir e pensar sobre como efetivamente utilizar estas inovações tecnológicas de modo a assegurar a celeridade da prestação jurisdicional, de um lado e, de outro, assegurar o amplo acesso às informações, dados, decisões etc, por todos os advogados.

De início, pode-se imaginar que o processo eletrônico contribui positivamente para uma maior (i) publicidade das informações, (ii) velocidade de comunicação dos atos processuais e (iii) facilidade na realização das rotinas cartorárias (juntada de petições, atos ordinatórios, despachos de mero expediente, etc).

Mas há desvantagens também.

Talvez a mais grave seja a dos excluídos do mundo digital, excluídos esses que não necessariamente o sejam em razão de ordem econômica, mas simplesmente porque não acompanharam a evolução quase que diária deste campo virtual.

Muito embora, não podemos desconsiderar que o fator econômico poderá sim ser uma causa de exclusão de determinados advogados em face dos custos inerentes à integração ao processo digital.

Esta situação é ainda mais preocupante quando determinados tribunais decidem administrativamente que a partir de tal momento somente se receberão petições eletrônicas/digitalizadas. O advogado menos habituado com este mundo digital se vê, de uma hora para outra, impedido de exercer sua atividade profissional e, em dadas situações, para não dizer na sua maioria, esta constatação se dá diante de um prazo fatal!

Para este intento (processo eletrônico), o Estado deve garantir às partes e disponibilizar nas sedes dos tribunais e foros em geral um serviço de informatização capaz de possibilitar atender o amplo exercício ao direito de defesa e de petição, sob pena do processo não poder ser exclusivamente eletrônico, como pretendem alguns.

Mas não é só. Outra desvantagem contundente do processo eletrônico, nos dias de hoje, está ligada diretamente à questão da segurança dos documentos digitais, sendo que, de um lado, há de se ter o cuidado para se garantir a inviolabilidade de tais documentos e, de outro, o livre acesso a esses mesmos documentos pelas partes e advogados em geral.

Atualmente, coexistem dois sistemas de identificação que parecem ser utilizados pelos tribunais em geral. Um deles é o de certificação digital, utilizado, por exemplo, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. O outro é o de credenciamento dos advogados diretamente no Tribunal, como por exemplo, acontece no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e na Justiça Federal do Distrito Federal.

É de se ressaltar, contudo, que a utilização de novas ferramentas no campo do Direito não é tarefa fácil, seja porque estamos diante de um ambiente absolutamente formal e ritualístico, seja porque toda inovação traz consigo uma necessidade de adaptação por parte de seus operadores, tais como investimento em infraestrutura, aparelhamento tecnológico, treinamento de pessoal etc.

O inusitado, no entanto, para não dizer tragicômico, é que, mesmo aquilo que seria vantajoso no processo eletrônico (velocidade de comunicação dos atos processuais, facilidade na realização das rotinas cartorárias, juntada de petições etc) às vezes se mostra absolutamente contraproducente.

Os advogados, mais cautelosos, devem sempre que despachar determinado caso com o magistrado, levar consigo o processo eletrônico impresso (a famosa pasta de arquivo), pois, do contrário, pode se esperar o pior.

Ou o julgador poderá não conseguir acessar os autos eletrônicos no momento da audiência e, assim, tal solenidade se mostrará pouco frutífera, ou, até mesmo sob o ponto de vista prático, o despacho sobre determinado ponto da demanda se mostrará totalmente ineficaz, pois a falta de estrutura dos tribunais em geral e até mesmo de traquejo, neste ponto, dos próprios operadores do direito (imaginem a seguinte cena: o magistrado de um lado da mesa, com seu computador, visualizando o processo, e, do outro lado da mesa, o advogado, sem acesso à tela, tendo que reproduzir de cabeça ou, quando muito, indicar ao magistrado na tela de seu computador o trecho que pretende esclarecer, enaltecer ou refutar) impossibilitarão a plena cognição do ponto que se visava esclarecer ou debater.

Isso sem falar em tantas outras dificuldades do dia-a-dia cibernético que a princípio não deveriam mais ocorrer como, por exemplo, a demora tanto na juntada de petições urgentes como na conclusão do processo ao magistrado (isto ainda deve causar espécie em se tratando de processo eletrônico).

Não se pode negar, no entanto, que é preciso utilizar cada vez mais as vantagens tecnológicas de nosso tempo para o campo do Direito e que estes primeiros passos, na seara do processo eletrônico, ainda que derrapantes aqui e acolá se mostrarão de fundamental importância no futuro. Não há dúvidas, também, de que a utilização das inovações tecnológicas no campo do direito será facilitadora, catalisadora, de uma marcha processual mais ágil.

No entanto, essa alteração significativa nos usos e costumes do trato das lides perante o Judiciário deveria ocorrer de maneira mais gradual, não podendo, sobretudo, ser imposta pelo Poder Judiciário como se este fosse o único responsável pela administração da Justiça, olvidando-se o comando constitucional que claramente assegura que o advogado é indispensável à administração da justiça.

Neste sentido, inclusive, há que se ter sempre presente que outros pontos[1] exigem igual reflexão dentro deste cenário desanimador e carente de mudanças para que tenhamos uma administração efetivamente mais célere da Justiça e ao alcance de todos no futuro breve.

É importante, contudo, que as soluções eventualmente apresentadas e adotadas se dêem sem atropelos e, sobretudo, sem prejuízo das garantias constitucionalmente já asseguradas e que são tão caras aos cidadãos em geral.

Nossa tábua de salvação é mais uma vez a Ordem dos Advogados do Brasil, que vem atuando, desde o início[2], fervorosamente na defesa das nossas prerrogativas, demonstrando sempre uma enorme preocupação com os atropelos e, porque não, açodamentos, com as implantações dos diversos sistemas de processo eletrônico nos Tribunais do Brasil.

A luta é árdua. E às vezes parece desigual, pois, apesar de todas as críticas já manifestadas pela Ordem e de tantos outros (magistrados, advogados, servidores etc) a respeito do assunto e, ainda, da recente conclusão do Colégio de Presidentes da Entidade no sentido de que da forma como está, o processo eletrônico judicial exclui o cidadão da Justiça brasileira, o Conselho Nacional de Justiça lançou, há poucos dias, em 21 de junho de 2011, a criação do Processo Judicial Eletrônico (PJe), e o fez à total revelia das opiniões, críticas e contribuições da Ordem dos Advogados do Brasil.

Temos a certeza, no entanto, de que a OAB não permitirá o desrespeito das nossas prerrogativas profissionais e permanecerá vigilante quanto aos abusos eventualmente existentes.

[1] Para citar apenas alguns dos mais relevantes temos: (i) necessidade de investimentos constantes na infraestrutura dos Tribunais, (ii) necessidade de aparelhamento físico e tecnológico adequado à disposição dos julgadores, (iii) capacitação constante dos servidores, e, sobretudo, (v) uma racionalidade administrativa (THEODORO JÚNIOR, Humberto Theodoro, 2005, p. 70 In Comentários a lei do processo eletrônico. Coordenação José Eduardo de Resende Chaves Júnior – São Paulo: LTr2010, p. 81 In Um Contexto Multiforme de Acesso à Prestação Jurisdicional: Art. 2º, a Tramitação Processual Eletrônica de Wesley Roberto de Paula legislando, dada a possibilidade de competência concorrente para legislar entre a União e os Estados.

[2] Ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.880, no Supremo Tribunal Federal.

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