por Jorge Lobo
A nova “Lei de Recuperação da Empresa” prevê, taxativamente, que a decisão da assembléia geral, convocada, instalada e realizada de acordo com as prescrições legais, se torna obrigação a todos os credores sujeitos à ação de recuperação judicial. Inclusive aos que não compareceram ao conclave, aos que, embora presentes, se abstiveram de votar e aos dissidentes.
Entre os principais efeitos da deliberação da assembléia geral, poderão estar, dependendo do plano de reestruturação aprovado pelos credores: (a) perdão parcial e/ou concessão de condições especiais e/ou dilação de prazos de pagamentos de dívidas da empresa em crise; (b) cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral ou cessão de cotas ou ações; (c) alienação do poder de controle; (d) substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos de gestão; (e) concessão aos credores de direito de eleição em separado de membros do conselho de administração e da diretoria e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; (f) aumento do capital social; (g) trespasse ou arrendamento de estabelecimentos; (h) redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; (i) dação em pagamento e novação de dívidas; (j) constituição de sociedade de credores; (l) venda parcial de bens do devedor; (m) equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza; (n) usufruto da empresa; (o) administração compartilhada; (p) emissão de valores mobiliários; (q) constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor; etc.
Como explicar que tantas e tão graves conseqüências possam afetar os direitos e interesses dos credores contra a sua expressa manifestação de vontade ou sem a sua formal aquiescência?
Como justificar, por exemplo, a autêntica e notória “desapropriação” dos direitos dos credores no caso de perdão parcial de dívidas? E a frustração de suas legítimas expectativas de receberem o que lhes é devido no prazo contratado ou terem alteradas, à sua revelia, as condições pactuadas originalmente? E o risco de a devedora ser cindida, incorporada, fundida ou transformada em sociedade diversa?
E a imposição de pagamento através de dação, sem os credores concordarem, expressamente, em receber bem diverso do contratado e/ou de novação modificativa do objeto ou do sujeito passivo da obrigação? E a constituição de sociedade de credores em flagrante violação do artigo 5º, XVII, da Constituição Federal, que garante ao indivíduo o direito fundamental de só participar de qualquer tipo de sociedade quando quiser e bem entender? E a venda de bens do devedor, inclusive de seu principal estabelecimento, em detrimento das garantias dos credores representadas por bens imóveis, móveis e semoventes, que compõem o seu ativo permanente e realizável?
A explicação e a justificativa estão na teoria do esforço compartilhado (para salvar a empresa em estado de crise econômico-financeira) e no princípio da eqüidade (que demanda igual sacrifício para todos os credores com o fim precípuo de beneficiar o devedor comum e permitir a sua reestruturação, saneamento e recuperação).
A teoria do esforço compartilhado aplica-se àquelas situações que reclamam e impõem a revisão das obrigações pecuniárias em pleno vigor, decorrentes de atos jurídicos perfeitos e acabados, que fazem “lei entre as partes” desde os romanos, em virtude de finalidades que determinam a intervenção do Estado no domínio dos contratos privados, por razões de ordem política, social, econômica, financeira, administrativa, cambial, etc.
O princípio da equidade tem sido, desde a antigüidade, ampla e eficazmente utilizado na busca de soluções justas e adequadas a cada caso concreto, tratando, no dizer de PERELMAN, de idêntica forma “os seres que fazem parte de uma mesma categoria essencial”, “categoria essencial” da qual fazem parte, numa situação de crise empresarial, por ambos serem afetados, devedor e seus credores.
Revista Consultor Jurídico, 4 de Março de 2005