Recuperação judicial não deve impedir contratação com o poder público

Autor: José Murilo Procópio de Carvalho (*)

 

O ano de 2016 se encerrou com um recorde nos pedidos de recuperação judicial: 1.863. Um aumento de 44,8%, o maior desde a entrada em vigor da Nova Lei de Falências, em 2005. Não bastassem as dificuldades encontradas pelas empresas diante do cenário econômico-financeiro adverso de nosso país, as empresas em recuperação judicial que tem sua atividade principal ligada à contratação com o poder público encontram mais uma barreira: a obrigatoriedade da apresentação da Certidão Negativa de Recuperação Judicial para participação em processos licitatórios.

As dificuldades enfrentadas por uma empresa em Recuperação Judicial são muitas e, quando sua principal atividade é a prestação de serviço ao poder público, é fundamental que ela possa participar de processos de licitação a fim de permitir novas fontes de receita que atendam aos interesses dos credores, mantenham o quadro de funcionários, possibilitem sua preservação e, consequentemente, contribuam para o estímulo à atividade econômica e o cumprimento de sua função social.

O artigo 47, da Lei de Falência e Recuperação Judicial (Lei 11.101/05) congrega em si o verdadeiro espírito do legislador, ou seja, a preservação da empresa. Com base nessa premissa, extrai-se do artigo 52, II, que, estando a empresa em Recuperação Judicial em situação tributária e fiscal regular, está apta a contratar com o poder público. Essa regularidade fiscal se comprova através das negativas fiscais exigidas, meramente.

Paralelamente, a Lei 8.666/93, reúne as normas gerais sobre licitações e contratos com o poder público e estabelece os documentos a serem apresentados com vistas na qualificação econômico-financeira de empresa para fins de participação em certame licitatório, dentre eles, a Certidão Negativa de Falência e de Concordata.

Neste tocante, importa frisar que as próprias orientações da jurisprudência do Tribunal de Contas da União sinalizam no sentido que não é permitido exigir, como critério de habilitação/contratação, certidões não arroladas pela referida legislação.

Mas a questão vai além! Ainda que o legislador cogite a modificação na Lei 8.666/93, estaremos diante de um grave impasse, posto que, a exigência de apresentação de Certidão Negativa de Recuperação Judicial traduz-se no decreto de impossibilidade de empresas, nesta condição jurídica, participarem de processo licitatório, o que afronta o princípio norteador da Lei 11.101/2005, qual seja, a preservação da empresa, célula essencial da economia que cumpre relevante função social, gerando empregos e receitas tributárias.

Tal princípio conduz à necessidade da viabilização de procedimentos que permitam auxiliar a empresa em Recuperação Judicial a reestruturar-se, de forma a superar o momento de crise, preservando-a, sendo inegável que essa, passageira e temporária, condição jurídica não altera, por si só, a qualificação econômico-financeira da empresa em Recuperação, que deverá demonstrar dispor da estrutura operacional adequada para a execução do objeto do certame.

Ora, a Lei de Falências estabelece os fatores a serem observados para a manutenção da função social da empresa a fim de possibilitar uma recuperação judicial eficaz: sua preservação, proteção aos trabalhadores e dos interesses dos credores.

Portanto, a exigência, insuprível, de apresentação de Certidão Negativa de Recuperação Judicial, que vem sendo incluída nos editais de licitação, é incoerente, contraditória e ilegal, posto que exclui, decisivamente, da empresa em Recuperação Judicial (i) a possibilidade de formalizar a contratação com o poder público, (ii) impacta diretamente no procedimento de reestruturação da empresa, (iii) fragiliza a manutenção da viabilidade econômica da empresa em tal condição jurídica e, por fim, (iv) impede que o resultado útil do seu processo de recuperação judicial seja alcançado.

 

 

 

 

 

Autor: José Murilo Procópio de Carvalho é advogado.


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