A indiscutível qualificação técnica dos membros da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) infelizmente não foi suficiente para superar sem grandes traumas um episódio de grande relevância no mercado da aviação civil nacional envolvendo a marca Varig.
Durante cerca de seis meses a mídia retratou o drama enfrentado pela empresa que adquiriu em leilão judicial, na forma do artigo 60, parágrafo único, da nova Lei de Recuperação de Empresas, uma unidade produtiva isolada responsável por parte das operações que anteriormente eram realizadas pelo Grupo Varig.
A expectativa inicial era a de que as autorizações necessárias para a nova empresa iniciar suas operações fossem emitidas em curto espaço de tempo, uma vez que nada das operações que seriam por ela realizadas era novidade para a Anac.
A própria agência havia sinalizado nesse sentido nas manifestações que encaminhou ao processo de recuperação judicial, antes do leilão mencionado. Até porque a situação era muito diferente e, por isso mesmo, não poderia ser comparada à de uma nova companhia que pretende iniciar as suas atividades e apresenta à agência aeronaves e estrutura operacional absolutamente desconhecidas.
Ao impasse gerado pela frustração de todos os prazos previstos —possíveis e imagináveis— para a emissão das autorizações em relação a esse caso excepcional, a Anac adicionou outro desalento: a tentativa de distribuição das rotas da Varig durante esse período, antes dos prazos determinados pela Justiça ao disciplinar o leilão mencionado e antes mesmo da própria adjudicação do leilão.
Para atingir esse objetivo a Anac travou com o Poder Judiciário do Rio de Janeiro um duelo poucas vezes visto pelos mais experientes profissionais do direito, estimulado por constantes divulgações, no site oficial da agência, das mais inusitadas diatribes.
Os resultados desse cenário ainda são muito sentidos pela companhia, evidenciando os danos causados durante o período acima. Num mercado extremamente globalizado como o da aviação civil, os embates travados pelo poder concedente no âmbito judicial e, principalmente, na mídia, como fruto de açodadas, para dizer o mínimo, publicações no site oficial da Anac trouxeram relevantes prejuízos para a nova companhia.
Será que uma agência reguladora pode utilizar os seus canais oficiais de comunicação com a sociedade para expor a desgaste apenas um agente do mercado por ela regulado?
A questão, embora de grande relevância, não precisaria merecer nesta oportunidade novas reflexões não fosse a tentativa da Anac de perpetuar o procedimento e, o pior, tendo em mira uma única companhia aérea.
Realmente, a Varig passou a ser uma vez mais alvejada pela Anac com divulgações apressadas, para dizer o mínimo, envolvendo a derrapagem de uma aeronave no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
A agência, ao invés de assumir a postura de um órgão regulador nessa oportunidade, buscando tomar providências para esclarecer os reais motivos desse incidente —já ocorrido com outras companhias aéreas recentemente sem qualquer alarde ou mesmo divulgação por parte da agência—, preferiu divulgar em seu site oficial um verdadeiro libelo acusatório.
O pior é que no dia seguinte, aeronave de outra companhia envolveu-se em situação muito similar no Aeroporto de Viracopos, em Campinas. Desta vez, todavia, o site da Anac não fez qualquer referência ao assunto.
Mais recentemente, o site oficial da Anac noticia que a Agência promoveu o “cancelamento de vôos” da Varig no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Mas não há qualquer outra notícia no site a respeito do assunto que envolva outras companhias.
Seja como for, além de incorreta, a divulgação ora enfocada sobre a Varig não é atualizada, uma vez que a agência foi intimada na sexta-feira, 26 de janeiro de 2007, a respeito de decisão judicial que determina a inclusão, na malha oficial da empresa, de 22 slots “cancelados” da Varig.
Esclareça-se que a Anac terá todo o direito de questionar na Justiça a decisão proferida, com ou sem êxito. Isto é irrelevante para o tema ora enfocado. O que não se pode admitir é que a Anac permaneça se utilizando de um espaço público, como é o caso do seu site oficial, para alvejar uma determinada companhia aérea.
Essa conduta, além de incompatível com o princípio constitucional da impessoalidade (CF, artigo 5º) que deve reger a administração pública, é contrária aos preceitos legais que determinam que a Autoridade Aeronáutica Nacional tem o dever de zelar pela concorrência saudável no setor (Código Brasileiro de Aeronáutica, artigo 193).
Enfim, é chegada a hora de a Anac utilizar os seus excelentes quadros e o seu site oficial para aprimorar ainda mais a aviação civil, tratando a nova empresa que ostenta o símbolo Varig como uma concessionária com os mesmos direitos e deveres em relação às demais. É um primeiro passo para se evitar um novo “apagão aéreo”.
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Cristiano Zanin Martins é sócio do escritório Teixeira, Martins & Advogados e atua como advogado da VRG Linhas Aéreas S/A
Valeska Teixeira Zanin Martins é sócio do escritório Teixeira, Martins & Advogados e atua como advogado da VRG Linhas Aéreas S/A