por Jorge Maurique
Desde o momento em que o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, lançou a idéia de se criarem Juízos Agrários na Justiça Federal, com a finalidade de julgar as ações coletivas que envolvam a posse da terra, muitas têm sido as críticas e pressões contrárias.
Alguns, que acusam a medida de concentrar o poder de decisão sobre o tema nas mãos de menos juízes, chegaram a sugerir como alternativa a criação de uma Justiça Agrária no Brasil, com Varas, Tribunais e juízes agrários, que julgasse exclusivamente essa matéria.
No entanto, a criação de uma nova especialidade de Justiça exigiria a formação de estrutura e pessoal próprios. E tão gigantesca teria de ser essa estrutura num país de dimensões continentais com o Brasil e tão altos os custos para mantê-la que a Assembléia Nacional Constituinte que votou a Carta de 1988 rejeitou essa proposta.
Ademais, essa proposta implica uma profunda alteração, pois atrairia, segundo seus defensores, até mesmo as questões trabalhistas, desde que referentes a trabalho no campo, as quais exigem amplos e exaustivos estudos para verificação de sua viabilidade e necessidade.
O que se pretende, nesse momento, com as Varas Agrárias é algo bem diferente. Menor e mais eficiente. O que a Justiça Federal está propondo ao buscar ampliar sua competência para julgar conflitos coletivos agrários é colaborar para agilizar os processos que envolvem a Reforma Agrária no país.
Atualmente, a Justiça Federal julga apenas parte dessa historicamente polêmica questão – as ações judiciais sobre desapropriação por interesse social para fins de Reforma Agrária, por envolverem um órgão federal, o Incra. Cabe à justiça estadual apreciar as ações de reintegração de posse, as indenizações e várias outras decorrentes de litígios no campo, o que implica muitas vezes que ações que tenham por objeto o mesmo pedaço de terra estejam tendo tramitação em duas justiças, com decisões nem sempre harmônicas entre si.
Separar essas várias fases de um mesmo fato só contribui para estender ainda mais os conflitos pela terra, confundir os envolvidos e facilitar as pressões políticas locais sobre os magistrados.
A atuação da Justiça Federal na matéria será muito importante justamente porque se dará longe dos interesses regionais e da pressão das partes envolvidas, em especial o grande latifúndio. Além disso, a proposta aprovada pelo Conselho da Justiça Federal prevê também que os juízos serão itinerantes, deslocando-se ao local do conflito, que vão permitir um acompanhamento mais próximo da realidade por parte do juiz.
Ao contrário do que defendem outros segmentos da magistratura, não haverá a tendência de se estratificar a visão do problema, pois a Justiça Federal, pela proposta que será encaminhada ao Congresso, atuará somente na solução de conflitos que constem no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA).
Os crimes decorrentes de ocupação de terra e as ações individuais continuam na esfera estadual. Não pretendemos, de forma alguma, esvaziar a justiça estadual, mas sim inserir a Justiça Federal numa discussão fundamental para a União como é a da reforma agrária e os conflitos agrários.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) há anos vem se dedicando a buscar soluções para o impasse, tendo, por exemplo, organizado um evento inédito em 2002, em que reuniu em Ribeirão Preto (SP), pela primeira vez no país, juízes, procuradores, representantes do Incra e do MST para debater saídas para a Reforma Agrária.
Também, organizamos no 3º Fórum Social Mundial, realizado em 2003 em Porto Alegre (RS), uma movimentada oficina sobre o tratamento da Reforma Agrária pelo Judiciário brasileiro, que atraiu mais de 200 pessoas e contou com a presença de membros do Poder Executivo e do MST.
Portanto, não é de hoje a preocupação dos juízes federais com a causa que, defendemos, precisa ser julgada com sensibilidade social. É esse elemento, junto com a agilidade e maior distanciamento das pressões locais, que buscamos inserir com a criação das Varas Agrárias Federais.
Essa discussão deve ser efetuada dentro do espírito fraterno e democrático que caracteriza a magistratura, como, aliás, foi efetuada no seio da Justiça Federal, já que discutimos a proposta com integrantes do Poder Legislativo e Executivo.
A necessidade histórica de uma reforma agrária é indiscutível. A sua construção significa o pleno respeito aos direitos humanos. E para isso devemos nos despir de preconceitos e tabus, cientes que toda a discussão que possa ser travada em benefício da população deve ser efetuada, pois a verdadeira Justiça deve ter os olhos bem abertos para a desigualdade, a opressão e a miséria.
Jorge Maurique é presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).