Luiza Nagib Eluf*
O chamado “risco Brasil” está caindo. O noticiário comemora euforicamente os índices aferidos por organismos internacionais que, teoricamente, favorecem a aplicação de recursos estrangeiros no país. Ocorre que a ótica do chamado “risco Brasil” é, fundamentalmente, de banqueiros (leia-se do Fundo Monetário Internacional) e de outros representantes do poder absolutista do capital. Esses índices não significam que a vida dos brasileiros melhorou, ao contrário, demonstram que o arrocho salarial, os impostos e a retirada de investimentos da área social aumentaram. Bom para eles, nossos credores. Pior para nós, o povo.
Diz o governo que a reforma da previdência é urgente; que, sem ela, não poderá haver crescimento econômico. Com certeza, essa reforma também será útil para manter o “risco Brasil” no caminho da retração. Nova comemoração dos banqueiros, etc. E a população, como fica?
Existe um outro tipo de risco que precisa ser avaliado. Pena que não haja organismos internacionais interessados em aferi-lo: é o risco social brasileiro. A reforma da previdência precisa ser bem pensada para não gerar mais empobrecimento, mais violência, mais degradação ambiental, mais doenças.
Um país que despreza o funcionalismo público não consegue prestar, condignamente, os serviços que lhe são essenciais. O melhor exemplo disso é o aumento vertiginoso da criminalidade no país – não por falta de legislação punitiva, mas por deficiências sociais e dos serviços públicos. A Polícia se degradou a partir do brutal achatamento dos salários de seus funcionários.
Para enfrentar o crime, correr risco de vida, resistir às altas somas oferecidas pelas quadrilhas de traficantes de drogas ou de armas, é preciso poder viver com um mínimo de decência. O Estado brasileiro menosprezou a função dos policiais e muitos deles mudaram de lado. Ao invés de trabalhar para a população, tornou-se mais interessante servir aos bandidos. Para reverter esse quadro, seriam precisos investimentos e esforços tão grandes que nenhum governante conseguiu cumprir a tarefa até o momento. O crime está ganhando terreno, com larga vantagem em relação às providências da administração pública. Destruído o funcionalismo, o Estado sucumbe, a criminalidade agradece.
As aposentadorias integrais, garantidas pela Constituição Federal aos servidores do povo, sempre foram um grande atrativo para que pessoas bem preparadas, capazes de enfrentar e vencer concursos públicos dificílimos, mas sem ambições de riqueza, se dedicassem a fazer carreira nas Universidades públicas, no Judiciário, no Ministério Público, na Procuradoria do Estado, nas Polícias, nas Forças Armadas. Embora fossem ganhar menos do que os corajosos que se aventuram na iniciativa privada, grandes valores da intelectualidade brasileira optaram pelo serviço público por duas razões fundamentais: estabilidade e aposentadoria integral.
A mencionada reforma da previdência, apresentada, hoje, como única saída para garantir a continuidade dos pagamentos devidos aos seus beneficiários, pretende acabar com um desse pilares: a aposentadoria especial. Irá, sem dúvida, enfraquecer o Estado, tornando vulneráveis os seus funcionários. Pode acontecer com a Justiça o que aconteceu com a Polícia, e um país sem Justiça apodrece.
Os marajás do funcionalismo, perseguidos pela primeira vez por Collor de Mello, são pouquíssimos. Tornaram-se mais bem pagos do que os seus colegas em razão de legislação que permitiu isso. Não foram os “marajás” que escreveram as leis que os criaram, mas os políticos, que hoje transferem-lhes todas as culpas. Para esclarecer melhor, exemplifico. Quando a nova Capital do Brasil foi construída no meio do Estado de Goiás, poucos eram os funcionários públicos dispostos a trocar suas cidades pelo cerrado.
A equipe de Juscelino Kubitschek, então, criou uma lei que possibilitava o pagamento do salário em dobro para aqueles que se dispusessem a mudar para a Capital Federal. Hoje em dia, esse expediente não é mais necessário. É fácil acabar com os marajás. Basta eliminar as leis que os criaram, impossibilitando o surgimento de novos funcionários super pagos, mas não é justo sacrificar o conjunto dos servidores públicos invocando a situação excepcional de meia dúzia deles.
Dentre outras ilusões que alguns itens da reforma estão propondo, está o sub-teto do fucionalismo, tendo como parâmetro máximo o salário do Governador do Estado. Ora, o Governador não ganha somente o que consta de seu holerite. O povo também lhe paga um palácio para morar, carros oficiais pessoais e familiares, comida, empregados residenciais, transporte aéreo, diárias. O salário total do chefe do executivo é sempre muito maior do que se alega. Nenhum funcionário público tem as mesmas vantagens.
Por fim, há a cobrança previdenciária dos inativos. Por que nossa sociedade acharia correto empobrecer ainda mais os idosos, ou seja, os aposentados, quando na velhice é que mais se precisa de recursos? Afinal, há listas e listas de empresários e instituições bancárias devedores da previdência, publicadas nos jornais. É justo cobrar a conta de quem sempre contribuiu para o INSS, regularmente?
Se a previdência está endividada, será mais inteligente procurar formas humanas de reformá-la, cobrando de quem deve muito e pode pagar, do que penalizando as classes média e baixa, já tão espoliadas, e desqualificando o funcionalismo público. Essa reforma tem de se preocupar com a redução do nosso risco social.
Luiza Nagib Eluf é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do governo FHC