Reforma encerra discussão com Fisco sobre natureza de convênio médico

Autor: Vinicius Riguete Rigon (*)

 

A concessão de planos médicos e/ou odontológicos pelos empregadores como forma de atração e retenção de bons profissionais tornou-se prática comum no mercado de trabalho, integrando os “pacotes de remunerações”. Como em toda estrutura organizacional piramidal, diferentes categorias de trabalhadores percebem remunerações distintas em razão das obrigações que lhes incumbem os seus cargos. Dito isto, é de se compreender que as empresas passaram a ofertar planos de saúde diferenciados de acordo com cada categoria profissional.

Por um longo período tais benefícios foram objeto de diversos embates entre contribuintes versus Fisco, sendo que por vezes o caráter assistencial e social do benefício era descaracterizado pelas autoridades administrativas no intuito de auferir tributação previdenciária e fundiária com base na interpretação lato sensu do artigo 28, parágrafo 9º, alínea “q” da Lei 8.2.12/1.991 combinado com o art. 15, parágrafo 6º da Lei 8.036/1.990.

Referidos dispositivos, ainda em vigor, determinam que não integram o salário de contribuição o valor relativo a assistência médica, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa. Note, o legislador não impôs outros critérios que não a abrangência à totalidade dos empregados, ou seja, não restou claramente evidenciado que a concessão do benefício de forma distinta entre categorias de empregados configuraria salário de contribuição estando, portanto, sujeito a tributação.

Como dito, as autoridades fiscalizadoras, visando auferir tributação, consideram que quando há a concessão de planos superiores, para diferenciadas categorias profissionais, parte deste benefício perde tal caráter social/assistencial e ganha caráter remuneratório, devendo assim compor o salário de contribuição.

Listamos abaixo dois acórdãos proferidos, um em sede administrativa no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e outro no judiciário pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que demonstram o atual entendimento jurisprudencial acerca do tema:

ASSUNTO: Contribuições Sociais Previdenciárias
ASSISTÊNCIA À SAÚDE. DIVERSIDADE DE PLANOS E COBERTURAS.
Os valores relativos a assistência médica integram o salário de contribuição, quando os planos e as coberturas não são igualitários para todos os segurados. (Acórdão 9202003.846 – 2ª Turma – CARF – Março de 2016).
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PLANO DE SAÚDE COM DIVERSAS COBERTURAS. NÃO ISENÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO. ARTIGO 28, CAPUT, INCISO I, E §9º, ALÍNEA “Q” DA LEI Nº 8.212/91, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 9.528/97.
A isenção concedida pela legislação alcança apenas os valores pagos a título de assistência médica com cobertura abrangente à totalidade dos empregados. A impetrante contratou plano de saúde com três modalidades diversas de cobertura. Apenas a cobertura básica é oferecida a todos os empregados, sendo que se algum empregado optar pela cobertura mais cara, deverá arcar pessoalmente com os custos. Diretores, gerentes e coordenadores recebem as coberturas mais caras, sem qualquer desconto. A assistência médica não abrange a todos os empregados de maneira igualitária. A existência de várias modalidades de planos em que apenas alguns se beneficiam da melhor opção sem qualquer desconto adicional fere a ideia da norma. A hipótese de isenção quando o plano abrange a totalidade de empregados e dirigentes traz em sua razão o tratamento uniforme entre uns e outros. Apenas o valor pago pela cobertura abrangente a todos os empregados encontra-se ao alcance de norma isentiva, como corretamente entendeu a fiscalização e a r.sentença apelada. (Apelação Cível Nº 0058458-58.1999.4.03.6100/SP – TRF 3º Região – novembro/2010)

A jurisprudência atual, que nunca chegou a ser pacificada acerca da natureza do benefício quando da concessão da assistência médica e odontológica apenas para diferenciados cargos, possui entendimento majoritário, tanto na esfera administrativa quanto na judicial, de que a diferença monetária verificada pelo plano comumente oferecido aos empregados e aquele “superior” ofertado somente a alguns cargos constitui de fato salário contributivo e, portanto, deve sofrer tributação previdenciária e fundiária.

Assim, em eventual procedimento fiscalizatório pelas autoridades administrativas a empresa estaria sujeita aos recolhimentos previdenciários e fundiários em atraso acrescidos de juros e multa, bem como aplicação de multa administrativa de R$20 para cada grupo de 10 informações incorretas e/ou omitidas em Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social – GFIP, de acordo com o art. 32A, I da Lei 8.212/1.991.

A promulgação da Lei 13.467/2.017, também denominada por reforma trabalhista, no entanto, deverá colocar um ponto final em toda a discussão. A nova legislação tratou de incluir em um e alterar noutro dois principais dispositivos que passarão a valer sobre o tema, um no âmbito trabalhista e outro no âmbito previdenciário. Primeiramente, no âmbito trabalhista, houve a inclusão do parágrafo 5º ao artigo 458 da CLT que passará a ser assim redigido:

“Art. 458 – Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações “in natura” que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.(…)
§5º O valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio ou não, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares, mesmo quando concedido em diferentes modalidades de planos e coberturas, não integram o salário do empregado para qualquer efeito nem o salário de contribuição, para efeitos do previsto na alínea q do § 9o do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991”.

Já no âmbito previdenciário houve alteração à redação do artigo 28, parágrafo 9º, alínea “q” da Lei 8.2.12/1.991, de forma a ser suprimida sua parte final que estabelecia como critério de isenção que “a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa”, vejamos:

“Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
(…)
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:
(…)
q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares; (…)”

Como visto o atual e principal argumento adotado pelo Fisco de que a concessão da assistência médica diferenciada por categorias é encarada como salário de contribuição e, portanto, deve estar inserta na base de cálculo das contribuições previdenciárias e fundiárias acabará por ser totalmente descartado com a nova leitura dos referidos dispositivos.

Pelo exposto, entendemos que as discussões travadas entre contribuintes e Fisco — acerca da concessão de planos diferenciados entre categorias de empregados e, indo além, pela concessão apenas de planos médicos e odontológicos para determinadas categorias e/ou empregados da empresa -, deverão ser definidas a favor dos contribuintes e concluímos, portanto, que não há mais que se falar em incidência das contribuições sociais previdenciárias e fundiárias sobre o benefício.

Há de se ter em vista ainda que, com as novas redações dadas aos dispositivos supracitados, as empresas que optaram por um cenário mais conservador até o momento, incluindo os valores despendidos a título de assistência médica e odontológica nas bases de suas contribuições previdenciárias poderão reaver estes valores indevidamente recolhidos pelos últimos cinco anos. O argumento é plenamente plausível, tendo em vista que a antiga redação dos dispositivos citados em momento algum havia positivado o argumento adotado pelas autoridades fiscais, o que veio a ser reforçado em forma de negativa geral com as novas redações.

O fato de não haver positivação do requisito utilizado pelas autoridades fiscais para imposição das contribuições sociais previdenciárias contraria o princípio da legalidade, que norteia as normas de direito, sob o qual tudo o quanto não lhe é vedado lhe é permitido. A positivação de que a concessão diferenciada da assistência médica e odontológica não integra o salário de contribuição não seria sequer necessária se houvesse a observância pelas autoridades fiscais ao referido princípio, no entanto, a positivação só veio a reforçar a tese dos contribuintes de que tal requisito nunca existiu e, portanto, não se deveria ser imposta pelo Fisco sob pena de legislar onde o próprio legislador não havia se manifestado.

Concluímos, portanto, que de forma a pacificar o tema a nova redação colocou ponto final a todo o embate travado até aqui e que são passíveis de restituição e/ou compensação eventuais contribuições previdenciárias despendidas pelos contribuintes nos últimos cinco anos que tiveram como base de cálculo a concessão de assistência médica e odontológica.

 

 

 

 

Autor: Vinicius Riguete Rigon  é advogado, coordenador previdenciário da Henares Advogados Associados, e especialista em Direito e Relações do Trabalho e Direito Previdenciário, ambos pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC).


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