Autor: Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade (*)
A reforma trabalhista (PL 6.787/2016/ PLC 38/2017), em análise no Congresso Nacional, mexe com um tabu jurídico nacional: a CLT, um diploma legal que vem regendo a vida de empregados e empregadores há mais de 70 anos no Brasil, sem que seus detalhamentos, rigidez e envelhecimento conseguissem ser alterados. A prova de sua sobrevida está na surpreendente rejeição por parte da Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, que endossava o texto aprovado na Câmara dos Deputados.
O Brasil sabe que não pode corresponder às novas demandas do mercado de trabalho utilizando uma consolidação das leis laborais superada. Modernizar a CLT é condição sine qua non para o país estar sintonizado com a realidade global, que já regulamentou o trabalho por home office, a terceirização, a flexibilização da jornada, a fragmentação das férias e o trabalho por produtividade, sem cair na cilada das discussões apaixonadas e ideologizadas.
Quando a reforma do trabalho for aprovada pelo Congresso Nacional, o país colocará em marcha as mudanças da CLT, que precisam ter continuidade, acabando com o interdito que pesa sobre esse diploma legal, quebrando um tabu quase centenário e contribuindo para atenuar a informalidade do mercado de trabalho brasileiro, que cresceu à margem da legislação, causando mais prejuízos do que benefícios ao trabalhador.
Nesse momento da transição, há quem vaticine que a reforma trabalhista vai aumentar o litígio nos tribunais em decorrência dos questionamentos dos empregados quanto aos acordos firmados por sindicatos, quando entrar em rota de colisão com a lei trabalhista vigente. Certamente, essa é uma possibilidade que a Justiça trabalhista saberá interpretar à luz da legislação, construindo uma jurisprudência mais equilibrada e sintonizada com as novas relações trabalhistas.
O projeto da reforma do trabalho constitui um avanço e não traduz, como apontam alguns, uma precarização dos direitos do trabalhador. Pelo contrário, coloca o dedo em muitas feridas perpetradas pelas relações trabalhistas no Brasil, que fazem do trabalhador um coadjuvante.
Se não regulamentarmos o trabalho intermitente, por exemplo, ele não deixará de existir, mas continuará mantendo à margem da formalidade milhões de trabalhadores, além de impedir que jovens ingressem no mercado de trabalho por essa modalidade, com garantias previstas no regramento legal.
No mundo todo, a experiência do zero-hour contract é uma realidade voltada a atender as necessidades de determinadas empresas, cuja natureza do negócio é permanente, mas o trabalho prestado, descontínuo. Na reforma trabalhista, o trabalho intermitente passa a ser regulado por contrato, no qual deve constar o valor da remuneração, que não poderá ser inferior ao salário mínimo em hora ou exercido por outro trabalhador na mesma função.
Criticado, o contrato de trabalho intermitente responde às necessidades de companhias com atividade descontínua ou de intensidade variável, que, ao contratar, deve especificar o período de trabalho, que não será inferior a seis meses, tendo o trabalhador direito a uma compensação no período de inatividade, estabelecido por negociação ou 20%.
Pelo novo texto da reforma trabalhista, o empregado deve ser convocado pelo empregador com três dias de antecedência e, se não responder, caracteriza-se a recusa da oferta de trabalho, sem descaracterizar a subordinação. Há previsão de multa de 50% da remuneração nos casos de quebra do pactuado.
O trabalhador que prestar serviço eventual passará a ter direito a férias proporcionais com acréscimo de um terço, 13º salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais previstos em lei. Durante o período inativo, poderá prestar serviços a outros empregadores.
Agora, para deixar a reforma trabalhista mais palatável aos seus críticos, o governo Temer se comprometeu a fazer mudanças que adiam o início das alterações propostas na CLT, para que o texto não sofra alterações e tenha de retornar à Câmara dos Deputados. Nesses ajustes, prevê uma regulamentação de quarentena de 18 meses para o trabalho intermitente, no sentido de evitar migrações de contratos por tempo indeterminado para contratos intermitentes, estabelecendo multa de 50% em caso de descumprimento.
Essa perspectiva de reforma trabalhista “gradual” também adia a adoção da jornada 12×36 e a extinção da contribuição sindical obrigatória, entre outros pontos, demonstrando que os “donos do poder” de plantão sempre optam por trilhar o caminho mais longo para atingir as mudanças necessárias, esquecendo-se de que a reforma trabalhista pode contribuir, sim, para o incremento da empregabilidade — questão emergencial para o país —, uma vez que estabelece a redução do custo do empregado, atualmente estimado em 0,56% do PIB , além de melhorar o ambiente dos negócios, criando um clima favorável aos investimentos e à retomada da atividade econômica.
Autor: Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade é advogada trabalhista e conselheira efetiva da OAB-SP