Autor: Rogério Oliveira Anderson (*)
A reforma trabalhista trazida a lume pela Lei 13.467, de 13 de julho de 2017 traz importantes soluções para as relações laborais no campo e, ao contrário do afirmado por muitos, amplia os direitos do trabalhador posto que permite a substituição da antiga figura do “trabalhador volante”, ou safrista, em regra considerado eventual e sem quaisquer outros direitos que não fosse a remuneração ajustada, mais a indenização prevista no artigo 14 da Lei 5.889/73 (Lei do Trabalho Rural), pelo regime de trabalho intermitente.
Do mesmo modo, esclarece, de modo específico, o regime de intermitência previsto laconicamente no artigo 6º, da Lei do Trabalho Rural, que já estabelecia há 44 anos que “nos serviços, caracteristicamente intermitentes, não serão computados, como de efeito exercício, os intervalos entre uma e outra parte da execução da tarefa diária, desde que tal hipótese seja expressamente ressalvada na Carteira de Trabalho e Previdência Social”.
Portanto, não há novidade absoluta na reforma trabalhista, pelo menos no que diz respeito ao tema ora versado que, conforme será demonstrado abaixo, agora obteve satisfatória regulamentação legal tendo em vista a necessária modernização, no sentido positivo da expressão, das relações laborais no agronegócio, sobretudo “dentro da porteira”.
O artigo 443, caput, da CLT, a partir do novel diploma estabelece o contrato de prestação de trabalho intermitente como modalidade contratual típica de direito do trabalho atraindo para si todo o sistema de proteção de normas trabalhistas contidas na Constituição e na CLT. Se bem observado pelo empregador, afasta os riscos de demandas trabalhistas e, ao mesmo tempo, estimula a geração de empregos posto que permite uma melhor alocação dos recursos do empregador nas atividades sociais quando efetivamente se faz necessária a presença do trabalhador.
Neste sentido, o regime de trabalho intermitente é adequado para o trabalho no campo vez que, como sabido, em boa parte as atividades rurais são dependentes de ciclos naturais que nem sempre, ou quase nunca, coincidem com as rígidas regras estabelecidas pela CLT, pensadas, como sabido, para o trabalho realizado nas fábricas, nas cidades.
Do mesmo modo, é digna de nota a inadequação do instituto quase esquecido do “contrato de trabalho rural por pequeno prazo para atividades de natureza temporária”, previsto no artigo 14-A, da Lei do Trabalho Rural. Tal modalidade, que a princípio poderia resolver a questão da intermitência decorrente dos ciclos produtivos da atividade rural somente pode ser firmado por produtor rural pessoa física, situação que afasta milhares de unidades produtivas constituídas em pessoa jurídica, seja por contrato de sociedade, seja pela necessidade de planejamento tributário.
Por outro lado, e mais absurdo ainda, a previsão do § 1º, do artigo 14-A, da Lei 5.889/1973, segundo a qual a contratação de trabalhador rural por pequeno prazo que, dentro do período de 1 ano, superar 2 meses fica convertida em contrato de trabalho por prazo indeterminado, praticamente inviabiliza o instituto, do ponto de vista econômico, sabido que, atualmente, há um gigantesco esforço na ciência agronômica no sentido de se possibilitar o exercício de atividade econômica o ano todo na propriedade e não apenas em alguns meses, como, por exemplo, o sistema de integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), regulamentado pela lei 12.805, de 29 de abril de 2013.
A lei da Reforma Trabalhista conceitua como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador.
Portanto, ao lado de não restringir a modalidade a empregadores “pessoas físicas”, a lei afasta a limitação de tempo supra criticada, permitindo, inclusive, que a prestação de serviços alcance períodos muito superiores aos dois meses por ano. A medida legal trabalha em favor da produtividade já que permite a extensão da prestação de serviços, pelo mesmo empregado, a depender da quantidade de trabalho, afastando do empregador o risco da assunção de encargos trabalhistas não originariamente previstos no momento da contratação, ou, ainda, a necessidade de dispensa, ou não convocação, do empregado em razão do alcance do prazo de dois meses já referido, muito embora ainda haja trabalho a ser prestado.
O artigo 452-A, caput, da CLT estabelece que o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor/hora do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.
Deste modo, conclui-se que a inexistência de estipulação por escrito afasta o regime de intermitência, atraindo para o empregador as responsabilidades e consequências, decorrentes do contrato por prazo indeterminado. A remuneração, por hora, deve ser a mesma dos demais empregados, do mesmo empregador, em regime de intermitência, ou não, respeitado o salário mínimo (hora) bem como as normas contidas nos instrumentos de negociação coletiva que, como se sabe, podem estabelecer remuneração e benefícios de forma diferenciada, por categoria profissional.
A lei estabelece que o empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. A receber a convocação para o trabalho, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.
Aqui a lei, em harmonia com o que já dispõe o artigo 111, do Código Civil, estabelece mais uma modalidade de silêncio qualificado. Portanto, o empregado, quando convocado, deve expressar sua vontade de aceitar a oferta, ficando o empregador desonerado caso o empregado não responda à convocação no prazo de um dia útil a contar do recebimento da oferta.
A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente, não havendo que se falar em insubordinação para fins de aplicação de justa causa. A recusa, outrossim, pode ser imotivada, ou seja, assim como o empregado não é obrigado a aceitar a oferta de trabalho, não é obrigado a motivar a recusa. Portanto, é direito potestativo do empregado aceitar/recusar a oferta, sendo que o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. Neste sentido, é difícil compreender a afirmação de alguns segundo os quais a nova modalidade contratual violaria o princípio da alteridade ao transferir para o empregado “os riscos da atividade econômica”.
Ora, o empregado receberá pelo trabalho realizado, efetivamente demandado pelo empregador que, independentemente dos resultados econômicos da atividade, será devedor das verbas assentadas no artigo 452-A, §6º, da CLT. Portanto, não há, como dizem, transferência dos riscos da atividade para o empregado. Com o devido respeito, não há fundamentos jurídicos em tais afirmações. O que há, é verdade, é a extinção da garantia da manutenção do vínculo mesmo quando não haja trabalho, como ocorre, hoje, com os contratos por prazo indeterminado, situação que amplia os custos de ociosidade da capacidade instalada.
Por outro lado, a doutrina terá relativa dificuldade para explicar como é possível oferta e aceitação em contrato escrito já firmado pelas partes. Classicamente, na esfera do direito comum, oferta e aceitação são fases preliminares da formação e gênese do contrato, ou seja, são momentos pré-contratuais com extensa regulação a partir do artigo 427 do Código Civil.
Entende-se que, no âmbito dos contratos do direito comum, o Código Civil adotou a Teoria da Agnição, havendo dúvidas com relação à qual modalidade desta teoria prevalece, ou seja, em termos práticos, se o contrato se aperfeiçoa no momento da expedição da aceitação, pelo aceitante, ou se no momento da recepção da aceitação pelo preponente.
Em todo o caso, a CLT, a partir da Lei da Reforma Trabalhista inova ao utilizar a expressão “responder ao chamado” (artigo 452-A, § 4º), dando a entender que a simples expedição da resposta pelo empregado é suficiente para o aperfeiçoamento da aceitação, fato que poderá ocasionar algumas dificuldades, situação que demanda atenção redobrada dos agentes econômicos na definição do momento do aperfeiçoamento da convocação para o trabalho.
Seja como for, aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra, no prazo de 30 dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
Como se vê, a nova modalidade contratual estabelece interessante e relativamente nova abordagem acerca das relações no âmbito do mundo do trabalho, sobretudo no campo, cujas atividades, em grande parte, são intermitentes. Certamente não é a solução única e mágica para o desemprego, mas é uma medida que deve ser bem acolhida pela comunidade jurídica face aos seus potenciais efeitos formalizadores dos vínculos estabelecidos na atividade rural, além de colaborar com o incremento da produtividade, sem prejuízos para os direitos dos empregados e sem riscos de assunção de passivos trabalhistas imprevistos pelos empregadores.
Autor: Rogério Oliveira Anderson é advogado, procurador do DF e professor do IESB. Mestre em Direito Agrário e especialista em Direito Administrativo.