Atualmente nos encontramos diante de mais uma reforma tributária, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça, que pretende simplificar o sistema tributário brasileiro.
Foram inúmeros os projetos apresentados, todos procurando realizar uma difícil missão: promover a redução da carga tributária e implementar uma forma de arrecadação racionalizada.
Entre esses projetos destaca-se a Proposta de Emenda Constitucional – PEC N.º 175, de agosto de 1995, não aprovada e, finalmente, arquivada por solicitação do atual governo. No seu lugar foi apresentada a PEC N.º 41, com a intenção de substituir o atual sistema tributário relativo aos chamados impostos indiretos, por método uniforme, a semelhança do que ocorre nos demais países do mercosul e do mercado comum europeu, ou seja, por IVA – Imposto sobre Valor Agregado.
A PEC N.º 175 previa a federalização total do ICMS, com a divisão de alíquotas entre Estados e União. A PEC N.º 41 não vai tão longe, revelando-se tímida neste aspecto.
O governo procura justificar a sua proposta de reforma tributária, alegando — entre outros motivos — que existem 27 legislações, dificultando a regulação da matéria. Esta afirmativa não é exata. Mais complicada seria a legislação relativa ao ISS, uma vez que cada município tem competência para disciplinar a cobrança deste imposto.
Argumenta, ainda, que atual legislação provoca prejuízo a arrecadação, fiscalização e insegurança quanto a investimentos. Na verdade, o que causa insegurança são as constantes reformas constitucionais. Por outro lado, o grande problema da fiscalização reside no critério de cobrança do imposto. Enquanto a cobrança ocorrer na origem, persistirá a dificuldade de fiscalização e, sobretudo, a possibilidade, ainda que disfarçada, de concessão de benefícios fiscais.
Uma análise do texto da proposta de reforma tributária mostra que alguns pontos merecem destaque. Um deles é a uniformização das legislações que será efetivada com a expedição de normas nacionais, com status de lei complementar, vedando-se a edição de normas estaduais autônomas.
O alcance do conteúdo das normas nacionais, portanto, será exaustivo, cabendo à lei complementar estabelecer todos os critérios da regra-matriz de incidência do imposto, restando à lei estadual apenas estabelecer a sua exigência. Assim, a lei estadual não poderia inovar, em nenhum aspecto, a forma de instituição, cobrança e exercício do ICMS, podendo, porém, deixar de cobrá-lo caso não exercite a competência legislativa ali definida.
Outro ponto é a uniformização nacional das alíquotas. A proposta indica o número máximo de cinco alíquotas, com o cumprimento do princípio da seletividade inerente à natureza desse imposto. Na verdade, hoje, na prática, encontramos apenas quatro alíquotas: cesta básica, na ordem de 7%; interestadual, com 12% na origem e 6% no destino; interna, de 17% a 18%; e supérfluos, incluída aí a energia elétrica, na ordem de 25%.
A proposta trata, ainda, do critério de cobrança do imposto, adotando o sistema misto, uniformizando a norma de cobrança quanto às operações internas ou interestaduais. A nova técnica prevê a manutenção das alíquotas interestaduais, com a partilha do imposto entre os respectivos Estados envolvidos na operação. Tem-se, então, a cobrança do tributo na origem quanto às operações interestaduais, inclusive da parcela devida ao Estado de destino das mercadorias, bens ou serviços.
A proibição à concessão de benefícios fiscais e incentivos é outro ponto que poderá vulnerar pontualmente o pacto federativo e, sem dúvida, propiciar o aumento da desigualdade social porque, da forma como está prevista, a medida provocará graves lesões a Estados que têm programas de incentivos fiscais como Goiás (que tem o fomentar), Distrito Federal (que tem o Taren), entre outros.
Também pode ser discutida a retirada da limitação quanto à utilização de créditos pela aquisição de insumos isentos ou sujeitos a alíquota zero. Como a não-cumulatividade opera pelo método do “imposto sobre imposto”, é suficiente ver o quanto de tributo foi pago nas operações anteriores e utilizar tais créditos como espécie de moeda, compensando-a com o montante devido pelas operações subseqüentes realizadas.
Assim, a não utilização do crédito faz com que o imposto incidente tenha como base de cálculo o preço final do produto, levando ao pagamento de tributo em valor bastante superior ao que seria devido se, contrariamente, tais insumos fossem tributados e gerassem crédito.
Faltou ainda estender o benefício aos não tributados, tomando também o crédito, por exemplo, de salários e incentivando a criação de novos empregos, o que faria com que o sistema ficasse idêntico ao mecanismo de não-cumulatividade do IPI.
Merece destaque a questão do critério adotado para o recolhimento do imposto, ou seja, se ele vai ser cobrado na origem ou no destino da mercadoria. A proposta de emenda previu critério misto de cobrança do ICMS. Esta tendência, no entanto, não parece a mais acertada, pois não consegue propiciar, como pretendido, o desenvolvimento econômico das regiões mais pobres do país.
Na verdade, a tributação na origem quanto às operações interestaduais confere, apenas, um impulso artificial à implantação de indústrias – origem da produção – em determinadas regiões beneficiadas com políticas federais de desenvolvimento, por meio de legislação instituidora de incentivos fiscais.
Este fato acaba promovendo a indesejável “guerra fiscal” entre os Estados, trazendo desproporções no regime tributário de cada um e dificultando a fiscalização do Poder Público.
Seriam inúmeras as vantagens se a cobrança do imposto ocorresse integralmente no destino. As regiões mais pobres economicamente, a exemplo da região nordeste, são constituídas por Estados basicamente “importadores” de mercadorias produzidas nas regiões industrializadas, como o sudeste. Com a tributação no destino, esses Estados teriam enorme fonte de arrecadação e poderiam implementar, com recursos próprios, políticas de benefício econômico e social.
Na verdade, os impostos sobre o consumo, a exemplo do ICMS, não constituem instrumentos hábeis para implementação de medidas de desenvolvimento regional. Esta política pode ter maior eficiência com os chamados tributos diretos, como o imposto de renda.
A utilização de leis nacionais, com a participação de órgão colegiado composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal, conforme o previsto na proposta de reforma, não tem o condão de agilidade capaz de criar os incentivos fiscais pretendidos.
A dinâmica das operações inerentes às relações de consumo pressupõe rapidez no uso dos instrumentos normativos de realização de políticas incentivadoras. O método de normatização dos benefícios financeiros e tributários previstos na proposta de reforma, por certo, não será eficiente para tanto e acabará por provocar maiores danos para as regiões mais pobres.
Eduardo Diamantino é advogado tributarista, sócio do escritório Diamantino Advogados Associados, diretor do Instituto de Direito Empresarial, Agrário e Ambiental (Ideaa) e integrante do Comitê de Legislação da Amcham-SP.