Regressão cautelar de regime prisional é ruptura de direitos

por João Vieira Neto e Hélcio França

Os ditames legislativos, que asseveram a execução do regime prisional imposta pelo Estado-Juiz, são estatuídos sob a égide da Lei nº 7.210/84, e sobre a temática abordada, mais precisamente, no art. 118, §2º, da referida norma, onde deverão ser assegurados os princípios basilares esculpidos na Constituição Federal de 1988, tais como, a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.

Desta feita o Art. 118, abaixo transcrito, ressalta no seu §2º, quando da ocorrência do Inciso I, tiver o apenado praticado fato tido como crime doloso ou cometer falta grave, no cumprimento de sua pena, ou ainda, sofrer condenação crime anterior, cuja soma da pena ultrapasse a beneficie progressiva, sendo bem nítida a disposição da ouvida prévia do condenado para que possa se defender das imputações trazidas, a saber:

“Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I – pratica fato definido como crime doloso ou falta grave;
II – sofrer condenação por crime anterior, cuja pena, somada ao restante de pena em execução, torne incabível o regime(art.111).
§1º O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.
§2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.”

Despiciendo, faz-se ressaltar a necessidade de que em todo processo, tanto judicial como administrativo é garantido pela Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, LV, os Princípios da ampla defesa e do contraditório, ao passo que, suprimindo tais assertivas é de certo que se está ceifando a Lex Máxima, rompendo com todos os pilares de orientação e sustentação do direito pátrio.

Neste ímpeto, não se vale o magistrado no poder de sua jurisdicionalização, que é da Vara das Execuções Penais, a regressão cautelar do regime prisional dos apenados, quando de sua execução, antes de uma prévia ouvida, inclusive, justificando, por todos os meios em direito admitidos, em consonância com a Carta Republicana de 1988, assegurando-os a tutelarem os seus direitos defensivos sobre cada caso em análise, e não, uma medida extremada de aprisiona-los ao regime anterior, geralmente no fechado.

Realmente, mesmo ante a uma necessidade urgente, os Juízes executores não deverão chamar a atenção do Art. 118 da LEP, com fito no perigo na demora da prestação jurisdicional, o periculum in mora, e a fumaça do bom direito, fumus boni iuris, a fim de tomarem uma decisão cautelar extremada, pois mesmo assim, estão ferindo o princípio do devido processo legal elencado na Constituição Federal de 1988, este de caráter procedimental disciplinar, com a finalidade de apurar por quais motivos ensejaram violação legal, nos moldes do Art. 5º, LIV.

Imperiosos são os princípios como pilares de sustentação, inclusive, preceitos norteadores no direito pátrio, que devem ser assegurados e vislumbrados, e não poderão ser suprimidos ao bel prazer dos interesses diversos, ou até mesmo omissos em decisões desmotivadas, neste intere os preceitos abordados tomam pulso na novel Constituição Federal, art. 5º, LIV e LV, demasiadamente abordados pela doutrina, omitindo o real objetivo da Lei de Execuções Penais, em seu introdutório artigo 1º, “A execução penal tem por objetivo efetuar as disposições de sentença ou de decisão criminal e proporcional condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”, ou seja, a reeducação do executado, fazendo com que transpasse os meios necessários ao seu retorno ao convívio social.

Quanto ao princípio do devido processo legal, o grande doutrinador Tourinho(1), citando Couture, transcreve a lição, a saber, “Em última análise, o due process of law consiste no direito de não ser privado da liberdade e de seus bens, sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma estabelecida na lei”, corroborando ao posicionamento em tela, sempre dependo de uma tramitação legal a fim de se chegar a uma conclusão e não ceifar benefícios, desfundamentadamente e imotivadamente, em razão de questões fáticas a serem julgadas, garantindo sempre o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, este brilhantemente exposto por Sylvia di Pietro(2), a seguir:

“O princípio da ampla defesa é aplicável em qualquer tipo de processo que envolva situações de litígio ou o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas….O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-lhe oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento do atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação. Exige: 1. notificação dos atos processuais à parte interessada; 2. possibilidades de exame de provas constantes no processo; 3. direito de assistir à inquirição das testemunhas; 4. direito de apresentar defesa escrita.”

É com inteira certeza, nas palavras do Ilustre Prof. Vlademir Aras(3), que: “mais grave do que ofender uma norma é violar um princípio, aquela é o corpo material, ao passo que este é o espírito, que o anima. A letra mata; o espírito vivifica.” (Princípios do Processo Penal, in Revista de Direito Penal – disponível no site: http://www.direitopenal.adv.br), resguardando o posicionamento em testilha trazido, maculando as em sentido contrário.

Ademais, sendo de bom alvitre buscar na doutrina sobre a temática, onde o Doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello(4) dispõe o quão é grave ferir um Princípio, pois este é o pilar de sustentação do nosso ordenamento jurídico, norteador dos comandos normativos, não podendo de maneira alguma ser violado, in verbis:

“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irrenunciável a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com o ofendê-lo, abatem-se as vigas os sustém, e alui-se a estrutura neles esforçada.”(negrito nosso)

Em razão dos aprisionados em sensatas explanações por Pierre Sané(5) sobre a temática relutada, onde presos também são dignos de tratamentos iguais e, acima de tudo, respeitados pelos ditames procedimentais e constitucionais adotados pela legislação nacional, assim, “Prisioneiros são só isso: prisioneiros, e não animais. Foram considerados culpados de crimes e pagam por isso. É preciso garantir que a sociedade brasileira, ao priva-los de liberdade, não os prive da dignidade humana.”

Em comento ao art. 118, § 2.º, da Lei das Execuções Penais, o mestre Julio Fabbrini Mirabete(6), dispõe da seguinte forma sobre a temática abordada, infra:

“quando ocorre a prática de fato definido como crime doloso ou falta grave, o condenado deve ser ouvido antes da decisão que, eventualmente, determinará a regressão… A razão da obrigatoriedade da oitiva do condenado, nessas hipóteses, prende-se à possibilidade de poder o condenado justificar o fato que provocaria a repressão … Em conseqüência da jurisdicionalização da execução penal, por ofensa ao princípio do contraditório, nula é a decisão que determina a repressão do condenado sem a sua prévia audiência”.

No mesmo sentido, a Jurisprudência do STJ adota o posicionamento reprimindo da regressão cautelar do apenado, sem antes ter o juiz ouvido e concedido ao apenado a possibilidade de se defender, em procedimento disciplinar específico, repulsando a medida extremada, a saber:

“O regime de execução da pena, aspecto da individualização, resulta de título executório. A regressão é admissível, obediente ao devido processo legal. Não pode ser determinada a título cautelar. Comando do disposto no art. 118, § 2.º, da LEP, devendo ser ouvido, previamente, o condenado. Olvidado o rito, resta caracterizado o constrangimento ilegal” (Ac. un., 6.ª Turma, STJ, publ. em 25-8-1997, RHC 6.138/SP, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro). (negrito e itálico nosso)

Em outro acórdão, aquela mesma 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, assim se pronunciou: “A Lei nº 7.210/1984, que instituiu entre nós a política da execução penal, incorporou no seu texto dogmas de elevado conteúdo pedagógico e de grande alcance na busca do ideal de recuperação e ressocialização do condenado, conferindo, para tanto, especial relevo à atuação do Juiz da Vara das Execuções Penais. Dentro dessa visão teleológica, é de se emprestar rigor à regra do art. 118, § 2.º, da LEP, no sentido de se entender imprescindível a audiência pessoal do condenado pelo Juiz, após a apuração das ocorrências previstas no inc. I do citado artigo para fins de imposição de regressão de regime prisional. Recurso ordinário provido” (RHC 7.459/DF, publ. em 31-8-1998, Rel. Min. Vicente Leal).(negrito e itálico nosso)

Sendo assim, a regressão cautelar fere de suma os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, todos, esculpidos pela Carta Republicana de 1988, inclusive, por ser medida extremada, de caráter urgente, deixa de cumprir o procedimento adotado pelo §2º, do Art. 118, da Lei de Execuções Penais, Lei nº 7.210/84, fazendo com que o apenado seja posto em regime diverso e mais severo, geralmente ao fechado, sem a sua prévia ouvida, nem lhe dando margem a apresentação de defesa técnica, pois só depois dessa é que, não sendo plausíveis as assertivas repulsivas, deve fundamentadamente, com base no art. 93, IX, da CF/88, regredir o regime prisional em função das hipóteses trazidas pelo art. 118, da LEP, em seus incisos, isso não ocorrendo seria de plena nula a decisão, violando direitos individuais, garantidos em nível constitucional.

Notas de Rodapé

(1) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, Vol. 1, 12ªed., Revista e atualizada, principalmente em face da Constituição Federal de 5-10-1988, São Paulo: Editora Saraiva, 1990, p.60

(2) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito administrativo, 15ª ed., São Paulo; Editora Atlas, 2003, p. 514

(3) ARAS, Vlademir, Princípios do Processo Penal, in Revista de Direito Penal – disponível no site: http://www.direitopenal.adv.br

(4) MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Elementos de direito administrativo, 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 230

(5) SANÈ, Pierre, Prisões e violação de direitos humanos, Folha de S. Paulo, 25 de junho de 1999, caderno 1, p.3

(6) MIRABETE, Julio Fabbrini, Execução penal, 10ªed., São Paulo: Editora Atlas, 2002, p.464

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