O art. 83, V, do Código Penal, com redação da Lei dos Crimes Hediondos¹, relacionando os requisitos do livramento condicional, exige que o condenado tenha cumprido mais de dois terços da pena nos casos de ter praticado delito hediondo, tortura, tráfico de drogas ou terrorismo, desde que não seja reincidente em crimes dessa natureza. Apresentam-se duas condições:
1.ª) cumprimento de mais de dois terços da pena;
2.ª) que não haja reincidência específica nos delitos indicados no inciso².
Assim, sendo o sujeito reincidente específico em tais crimes, não é admissível o livramento condicional. Há reincidência específica, para efeito da disposição, quando o sujeito, já tendo sido irrecorrivelmente condenado por qualquer um dos delitos relacionados³, vem novamente a cometer um deles, observando o art. 64, I, do CP4. Exemplos: tráfico de drogas e estupro; latrocínio e latrocínio; latrocínio e tortura; terrorismo e extorsão mediante seqüestro etc. Nesses casos, a pena deve ser cumprida integralmente em regime fechado5.
O referido inc. V, por dispor sobre norma prejudicial de direito penal material, não tem efeito retroativo6. Dessa forma, pode ser aplicado o livramento condicional no caso de ter sido cometido o primeiro crime antes da vigência da Lei n. 8.072/90, ainda que os dois delitos estejam previstos em seu elenco (ex.: estupro e latrocínio), desde que cumpridos mais de dois terços da pena. Entendemos que a lei, na parte que impede o livramento condicional em face de reincidência específica, só incide quando os dois delitos tenham sido cometidos em sua vigência7.
Esse entendimento acaba de ser adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. No HC n. 14.532, a 6.ª Turma, em 28.8.2001, por votação unânime, rel. o Ministro Fernando Gonçalves, decidiu que “a reincidência específica, de que trata o art. 83, V, do CP, com redação dada pela Lei n. 8.072/90, somente se perfectibiliza quando ambos os delitos tenham sido cometidos já na vigência do mencionado diploma legal, não sendo suficiente que somente o último crime tenha ocorrido sob a égide da Lei dos Crimes Hediondos”8.
NOTAS:
1. Lei n. 8.072, de 25.7.1990.
2. Sem prejuízo da necessidade de preenchimento das outras condições do art. 83.
3. Nesse sentido: MIRABETE. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 2000. p. 468, n. 83.4. De maneira que não há reincidência específica quando um dos delitos não se encontra no elenco do inc. V do art. 83.
4. Temporariedade do efeito de a sentença condenatória gerar a reincidência.
5. Lei n. 8.072/90, art. 2.°, § 1.°.
6. CF, art. 5.°, XL.
7. Nesse sentido: FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. Parte Geral. 7.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. vol. I, p. 1559, n. 2.03.
8. DJU, Brasília, 24.9.2001, p. 347.
* Damásio E. de Jesus
Presidente e Professor do COMPLEXO JURÍDICO DAMÁSIO DE JESUS